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John Thornhill

Ucrânia está vencendo a guerra de informação contra a Rússia

Zelenski mobilizou sociedade civil, enquanto governo Putin monopoliza canais de comunicação para difundir falsidades

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John Thornhill
Financial Times

​O mundo recebeu um alerta precoce e tenebroso das intenções violentas do presidente Vladimir Putin em relação à Ucrânia. Sete anos atrás, o líder oposicionista russo Boris Nemtsov lançou um chamado por grandes protestos contra as intervenções de Putin na Crimeia e na região do Donbass.

"O motivo principal da crise é que Putin lançou uma política de guerra insana, agressiva e mortífera para nosso país", disse Nemtsov à estação de rádio Ekho Moskvi em fevereiro de 2015.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião do Conselho de Segurança de seu governo, em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião do Conselho de Segurança de seu governo, em Moscou - Andrei Gorshkov/Sputnik/AFP

Três horas e meia mais tarde ele foi morto a tiros perto do Kremlin. Desde então o regime de Putin vem sufocando sistematicamente a maioria dos indícios de dissensão —monopolizando o conteúdo divulgado pelos canais de TV dominados pelo estado, fechando organizações independentes da sociedade civil, como o Memorial, e encarcerando seus adversários que erguem a voz, mais notadamente Alexei Navalni.

Nesta semana a Eco de Moscou, um dos derradeiros veículos de mídia a difundir posições alternativas, recebeu ordens de encerrar suas atividades, e o mesmo se deu com o serviço de notícias online Dozhd.

Dizem com frequência que a verdade é a primeira baixa das guerras. Mas na Rússia a verdade foi hospitalizada muito tempo atrás. Hoje parece que os representantes russos chegam a ter prazer em incitar colegas de outros países com mentiras evidentes. Nesta semana, o chanceler russo, Serguei Lavrov, disse numa conferência da ONU sobre desarmamento que foi a Ucrânia quem ameaçou a Rússia, levando cerca de cem diplomatas a abandonar o recinto em protesto.

O argumento de que a Rússia só interveio para impedir o país vizinho de adquirir armas nucleares, sendo que a Ucrânia já abrira mão do terceiro maior arsenal mundial de armas nucleares em 1994 em troca de garantias de segurança russas, requer acrobacias mentais para fazer o mais mínimo sentido.

Mas o único público com o qual Putin se importa realmente é o público russo. De fato, a determinação do mundo externo de isolar a Rússia só lhe facilita persuadir os russos a ignorar opiniões estrangeiras hostis. Existem, porém, três razões por que a campanha de informação russa ainda poderá fracassar.

Para começar, não é fácil sustentar mentiras. A realidade tem o hábito desagradável de intervir. A narrativa doméstica russa de que sua invasão da Ucrânia seria rápida e sem derramamento de sangue é demonstravelmente falsa. Graças à onipresente câmera digital, ao poder amplificador das redes sociais e à atenção de uma comunidade global mantida por inúmeras fontes, é impossível ocultar a realidade do campo de batalha urbano. A Rússia já reconheceu ter sofrido quase 500 baixas.

Em segundo lugar, está claro que a Ucrânia está vencendo sua própria guerra de informação em casa e no exterior. Um dos aspectos mais marcantes do conflito é que ele opõe dois sistemas de informação muito diferentes. A Ucrânia mobilizou a sociedade civil, e há colaboração entre o estado e a população.

Já no caso da Rússia, o estado domina quase toda a comunicação. É uma disputa entre uma rede horizontal e uma estrutura vertical, entre um coral e um megafone. "A resiliência das redes é muito mais forte", diz Gregori Asmolov, especialista em internet no King’s College London. "Os sistemas de informação verticais são extremamente frágeis."

Em terceiro lugar, a Ucrânia agora está levando a guerra digital diretamente para a Rússia. Os ucranianos formam o terceiro maior grupo étnico na Rússia, e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em discurso televisionado, apelou ao público russo, falando em russo. Depois de passar oito anos sendo vítimas dos ciberataques russos, os hackers ucranianos agora estão respondendo na mesma moeda.

A Hacken, firma de cibersegurança antes sediada em Kiev, lançou um programa de caça a bugs pedindo a hackers globais para identificarem vulnerabilidades nos sistemas da Ucrânia e expor vulnerabilidades nos sistemas russos. A empresa diz que já recrutou 10 mil hackers de 150 países.

Alguns desses "hacktivistas" pretendem perturbar sites de mídia russos e promover visões alternativas ucranianas nas redes sociais. "A comunidade hacker é muito bem organizada, é um verdadeiro exército", diz Dmitro Budorin, o fundador e executivo-chefe da Hacken.

A população russa pode, por enquanto, estar em sua maioria acovardada e dando apoio à narrativa do Kremlin, mas isso torna ainda mais notáveis os protestos esporádicos contra a guerra. Mais de 7.600 pessoas já foram presas em manifestações em toda a Rússia, segundo a OVD-Infor. Nesta semana Navalni ecoou os chamados de Boris Nemtsov por mais protestos.

"Putin não é a Rússia", sua equipe escreveu no Twitter. "Vamos lutar contra a guerra!"

O pesadelo de Putin seria que cada vez mais russos passassem a não acreditar em sua narrativa, algo que poderia assinalar o fim de seu regime. Isso ainda parece improvável, por enquanto. Mas a resistência ucraniana já demonstrou sua habilidade e coragem em resistir, apesar de estar em desvantagem tão grande. É possível que ela ainda acabe virando o pior inimigo de Putin porque conhece melhor o povo dele.

Tradução Clara Allain

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