Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Ucrânia recusa rendição de Mariupol, e Rússia acusa má vontade em negociação para fim da guerra

Cidade vive crise humanitária e segue sob cerco e bombardeios; Moscou diz que não há avanços para encerrar conflito

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São Paulo

Em mais um dia em que as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia não tiveram avanços significativos, Moscou acusou Kiev de criar obstáculos para um pacto por meio de propostas inaceitáveis.

O governo ucraniano, por sua vez, afirma seguir disposto a negociar, mas rejeita se render ou aceitar ultimatos dos russos. A recusa das autoridades em Mariupol, frente às exigências para entregar as armas até a madrugada desta segunda-feira (21), 26º dia de guerra, deixou isso claro.

Na cidade —cuja localização é estratégica para os interesses de Moscou, uma vez que poderia se tornar uma ponte entre a Crimeia, anexada em 2014, e os territórios separatistas no leste—, militares russos ordenaram que os moradores se rendessem até as 5h. Ainda disseram que aqueles que o fizessem poderiam sair, enquanto que os que ficassem seriam entregues a tribunais apoiados pelo Kremlin.

Shopping em Kiev destruído após ataque realizado pela Rússia
Shopping em Kiev destruído após ataque realizado pela Rússia - Vladislav Musiienko - 21.mar.22/Reuters

"É claro que rejeitamos essas propostas", disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereschuk, acrescentando que a situação de Mariupol é "muito difícil". A cidade portuária, que tinha pouco mais de 400 mil habitantes antes da guerra, está sitiada e sob intensos bombardeios, além de seguir sem fornecimento de comida, energia elétrica, água potável e medicamentos.

Segundo Vereschuk, chegou-se a um acordo com a Rússia para a criação de oito corredores humanitários para a retirada de civis de cidades ucranianas cercadas, mas Mariupol não foi incluída nos planos.

Em Kiev, os disparos de bombas e mísseis seguem causando devastação em áreas residenciais. No distrito de Podil, um bombardeio russo matou ao menos oito pessoas num shopping atingido na noite de domingo (20). O local, segundo o Ministério da Defesa da Rússia, era usado por caminhões militares para recolher cargas e levá-las a baterias de lançadores de foguetes usados contra as forças de Moscou —a Ucrânia nega. Nenhuma das afirmações pôde ser verificada de maneira independente.

Para além das ginásticas retóricas para justificar ataques ou se defender das acusações, o fato é que o bombardeio moscovita pulverizou os veículos estacionados e deixou uma cratera de vários metros de comprimento em frente ao prédio de dez andares, que ficou carbonizado. Diante da situação, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, voltou a determinar um toque de recolher, desta vez das 20h desta segunda até as 7h de quarta-feira (23), como forma de minimizar os riscos de novas vítimas civis em eventuais ataques.

Em Kherson, tropas russas abriram fogo e usaram granadas de atordoamento para dispersar uma manifestação pró-Ucrânia. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram centenas de manifestantes na praça da Liberdade correndo para escapar dos soldados. A cidade tem cerca de 250 mil habitantes e foi o primeiro grande centro urbano a ser tomado pela Rússia desde o início do conflito.

No front diplomático, Dimitri Peskov, porta-voz do governo russo, voltou a pressionar a Ucrânia. A jornalistas disse que um progresso substancial nos diálogos é uma condição para que os presidentes Vladimir Putin e Volodimir Zelenski possam se reunir para negociar um possível fim do conflito —o ucraniano voltou nesta segunda a pedir por um encontro.

"Para falarmos de uma reunião entre presidentes é preciso fazer o dever de casa. As conversas precisam ser realizadas, e seus resultados, acordados", disse Peskov. "Não houve progresso significativo até agora."

O russo também reiterou os argumentos de que Moscou está mostrando mais disposição do que a Ucrânia a favor das conversas e pediu à comunidade internacional que use a influência sobre Kiev para torná-la mais construtiva nas negociações. A pressão para chegar a um consenso pode ter a ver com as dificuldades que Moscou enfrenta em uma guerra que completará um mês na próxima quinta-feira (24).

O tabloide pró-Kremlin Komsomolskaia Pravda, por exemplo, postou em seu site nesta segunda que o Ministério da Defesa da Rússia divulgou ter havido 9.861 mortes de soldados na guerra da Ucrânia. Logo depois, a postagem foi apagada, levando à dúvida acerca da informação: seria verdadeira e censurada ou montada por alguém interessado em prejudicar o Kremlin? O jornal não comentou.

O número de mortes impressiona em relação à quantidade de feridos citada, 16.153, o que dá uma razão de 1 morto para 1,63 feridos. Na Segunda Guerra, a razão foi de 1 morto para 2,57 feridos, e exércitos modernos trabalham com números aproximados de 1 para 10. Até aqui, a Rússia só divulgou um balanço parcial, de 498 mortos e uma relação de 1 morto para 3,2 feridos, o que já era bastante mortífero.

Fora das fileiras militares, a ONU atualizou o número de civis mortos na Ucrânia para 925, além de 1.496 feridos. Como sempre, a organização ressaltou que as cifras reais devem ser maiores.

Seja como for, o presidente Zelenski afirmou, em entrevista à emissora pública Suspilne, que quaisquer compromissos acordados com a Rússia para encerrar a guerra teriam de ser votados pela população do país em um referendo. Assim, ainda de acordo com o líder ucraniano, questões como territórios ocupados por forças russas, incluindo a Crimeia, ou garantias de segurança oferecidas em substituição à promessa de adesão à Otan, a aliança militar do Ocidente, seriam, no final das contas, decididas pelos ucranianos.

As diferenças diplomáticas, claro, não se limitam apenas aos dois países. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia convocou nesta segunda o embaixador dos EUA em Moscou, John Sullivan, para dizer que os comentários feitos por Joe Biden sobre Putin deixam a relação russo-americana em risco.

Na semana passada, o presidente dos EUA disse que a guerra na Ucrânia está sendo liderada por um "ditador assassino e puro bandido", sem citar o líder do Kremlin nominalmente. Na véspera, referiu-se a ele como um "criminoso de guerra". "Esse tipo de declaração, que não é digna de um político de alto nível, coloca as relações à beira de uma ruptura", afirmou o comunicado da diplomacia russa.

Nesta semana, Biden viajará a Bruxelas para participar de uma cúpula extraordinária da Otan, marcada para o próximo dia 24. Ele, que será acompanhando pelo seu secretário de Defesa, Lloyd Austin, irá no sábado para a Polônia, onde deve se reunir com o presidente Andrzej Duda.

Questionada sobre a viagem, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que o governo americano não tem planos para fazer com que Biden visite a Ucrânia durante a jornada europeia, um movimento que teria forte potencial para irritar o Kremlin.

Líderes da União Europeia também iniciaram, nesta segunda, conversas sobre uma possível quinta rodada de sanções contra a Rússia. Enquanto o ministro das Finanças francês disse que o presidente Emmanuel Macron não descarta a opção de parar de importar gás e petróleo russos, o premiê da Holanda, Mark Rutte, destacou que Putin precisa ser parado, mas foi realista: lembrou que os países da UE ainda são muito dependentes do fornecimento de energia moscovita e não podem simplesmente se "desligar".

Com Reuters

Erramos: o texto foi alterado

Vitali Klitschko é prefeito de Kiev, não procurador-geral da Ucrânia como afirmava versão anterior da reportagem.

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