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Vazamento de dados revela táticas agressivas de gigante da mineração na Guatemala

Solway doava regularmente dinheiro a líderes comunitários envolvidos em consulta para retomada de extração de níquel

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Phineas Rueckert Paloma Dupont de Dinechin
El Estor (Guatemala) | Forbidden Stories

A reportagem abaixo faz parte da série "Mining Secrets", uma investigação colaborativa coordenada pelo consórcio Forbidden Stories junto com 65 jornalistas de 20 organizações em 15 países.

Desde a elaboração de propostas para espalhar rumores e "comprar" líderes comunitários até a transferência de dinheiro para a polícia nacional, o Grupo Solway, dono da mina Fénix em El Estor, na Guatemala, usa seu dinheiro e poder para influenciar decisões em todo o país. Um enorme vazamento de dados acessado pelo Forbidden Stories e compartilhado com 65 jornalistas em todo o mundo fornece uma visão sem precedentes das operações dessa multinacional secreta.

Este artigo faz parte do projeto "Mining Secrets" —publicado três anos após o projeto "Green Blood"—, que visa dar continuidade ao trabalho de jornalistas ameaçados por investigar escândalos ambientais. A reportagem é o resultado de meses de intenso diálogo e de uma votação há muito esperada.

A mina de extração de níquel Fénix, em El Estor, na Guatemala
A mina de extração de níquel Fénix, em El Estor, na Guatemala - Benjamin Thuau/Radio Ffance

Em 6 de janeiro de 2022, a mina de níquel Fénix em El Estor —suspensa desde fevereiro de 2021 por não consultar suficientemente as comunidades locais sobre questões ambientais e sociais— foi autorizada a retomar a ação de extração, após o Ministério de Energia e Minas da Guatemala (MEM) assinar uma resolução em seu favor. A decisão se seguiu a uma consulta entre o governo guatemalteco, líderes comunitários em El Estor e representantes do Solway Group, conglomerado com sede na Suíça cuja equipe diretora é composta principalmente por empresários russos e estonianos.

Comunicados de imprensa do Solway Group —que comprou a mina em 2011 e a administra por meio das subsidiárias guatemaltecas CGN e Pronico— e do governo da Guatemala descrevem um processo harmonioso e inclusivo. "O importante do processo é que ele começou com a liderança —das comunidades—, com a contribuição dos moradores das comunidades da área de influência", disse Oscar Pérez, vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável do MEM.

Mas nos bastidores a Solway estava discretamente manipulando os cordões. Por meio de uma fundação chamada Raxché, quase totalmente financiada pelas subsidiárias da Solway, a empresa doava regularmente dinheiro a líderes comunitários envolvidos na consulta desde ao menos outubro de 2020 —um ano antes do início do processo—, segundo registros bancários e faturas vistas por Forbidden Stories.

Entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, a Raxché transferiu 38,5 mil quetzales (cerca de R$ 25,1 mil) por mês para a Associação Nacional de Desenvolvimento Mútuo (ANADE) para "fortalecer" um dos dois conselhos indígenas que votaram pela reabertura da mina. Em pelo menos dois casos, 10 mil quetzales (R$ 6.500) foram na forma de "apoio econômico" direto a quatro membros do conselho; a quantia é considerável em um país cujo salário médio mensal é de 3.700 quetzales, ou R$ 2.400.

"Alguns vendem seu caráter aqui, está claro como o dia", disse Maria Choc, moradora de El Estor, em entrevista a jornalistas do Forbidden Stories. Em carta ao consórcio e a seus parceiros, a Solway negou qualquer irregularidade. "O Solway Investment Group está operando totalmente de acordo com as leis nacionais aplicáveis e as regulamentações internacionais", escreveu o CEO Dan Bronstein.

"Refutamos quaisquer alegações levantadas sem base factual."

No entanto, documentos internos, acessados por Forbidden Stories e compartilhados com 20 parceiros em todo o mundo como parte do projeto "Mining Secrets", confirmam as suspeitas de longa data dos moradores de El Estor sobre a empresa. Pela primeira vez foi aberta a cortina do conglomerado secreto e poderoso, e hoje são revelados os esforços para manipular as comunidades locais no período que antecedeu a consulta, que concluiu favoravelmente pela reabertura da mina em dezembro de 2021.

Os documentos, que incluem 470 caixas de email e 8 milhões de documentos, como registros de remessas e informações financeiras, estão repletos de escândalos: danos ambientais; propostas para "comprar" líderes comunitários, bem como pagamentos à polícia; planos detalhados para deslocar comunidades locais; e imagens documentando a vigilância de jornalistas que investigaram a mina.

Rota para a mina Fénix em El Estor, na Guatemala
Rota para a mina Fénix em El Estor, na Guatemala - Benjamin Thuau/Radio France

Consulta comunitária à venda

Aninhado nas montanhas no nordeste da Guatemala, El Estor fica perto de uma reserva natural onde vivem vários animais ameaçados de extinção e do maior lago do país, o Lago Izabal. Os indígenas maia q'eqchi desta região vivem tradicionalmente do cultivo de cardamomo, milho e feijão. Mas as comunidades que compõem El Estor são construídas em cima de um recurso mais valioso: o níquel.

Em 1960, foi lançado o Projeto Fénix, para extrair e vender esse recurso, que pode ser encontrado em tudo, desde bancadas de granito a arranha-céus e moedas americanas. A Solway comprou a mina, a instalação de processamento de níquel e a usina em 2011 e começou a operá-la em 2014.

A empresa diz que a Fénix fornece cerca de 2.000 empregos e que a Solway investe no "desenvolvimento da infraestrutura social em suas áreas locais de operação na Guatemala" por meio de postos de trabalho, programas de treinamento e outros projetos. Mas em 2017 a empresa se tornou o centro de uma polêmica após ser acusada por pescadores de poluir o Lago Izabal e um pescador ser morto pela polícia durante um protesto. Como Forbidden Stories relatou em 2019 como parte do projeto Green Blood, que coordenou, jornalistas da Prensa Comunitaria que cobriram o protesto foram ameaçados e forçados a se esconder.

A comunidade obteve uma grande vitória em 2019, quando o Tribunal Constitucional da Guatemala ordenou que a mina cessasse suas operações extrativas. Em fevereiro de 2021, a ordem enfim entrou em vigor, com a mina e o governo guatemalteco obrigados a se envolver num processo de consulta completo com líderes locais antes da reabertura. Mas os indígenas dizem que esse processo foi enviesado.

"Não há interesse do governo em gerar um diálogo real", disse Lucia Ixchiu, ativista indígena e fundadora do Festivales Solidarios, coletivo que protestou contra a mina, por telefone. Membros da comunidade dizem que quatro órgãos de liderança ancestral que representam as comunidades foram bloqueados do processo de consulta. Mas em uma carta de uma das subsidiárias guatemaltecas da Solway, a Pronico, a empresa argumenta que isso foi planejado. "[A participação dos órgãos de liderança ancestral] foi rejeitada para não prejudicar a integridade do procedimento de consulta à comunidade estabelecido pelo Tribunal Constitucional", escreveu o diretor administrativo do Pronico, Marvin Méndez.

Em pelo menos um caso, como Forbidden Stories pôde confirmar, uma líder indígena foi expulsa de um dos conselhos indígenas depois que ela se recusou a aceitar pagamentos da empresa.

Em 2019, representantes da empresa teriam perguntado a Guadalupe Xol Quinich, líder ancestral e membro do conselho indígena de El Estor, para se nomear "amicus curiae", uma situação legal sob a qual uma pessoa se oferece para apresentar voluntariamente informações ao tribunal que possam ajudá-lo a decidir um caso, sem estar diretamente ligada a ele. O preço de sua assinatura foi de 3.000 quetzales (R$ 1.960), disse ela em entrevista. Quando se recusou a assinar, foi substituída por outra pessoa no conselho.

"Estamos muito divididos entre irmãos e irmãs da comunidade", disse ela a um membro do consórcio.

Mais uma vez, documentos vazados confirmam os temores de que a consulta não tenha sido totalmente independente. Em um documento de pré-consulta, os planos incluíam até "compra de líderes" —literalmente— em dois bairros de El Estor. (Em uma resposta por escrito ao Forbidden Stories, Méndez, diretor administrativo do Pronico, disse que nenhum pagamento foi feito a esses líderes.)

Em 2021, as subsidiárias da Solway agendaram mais doações para "atores-chaves e partes interessadas" relacionadas à consulta. "É totalmente contrário aos padrões internacionais de consulta e principalmente ao princípio da boa fé", disse ao Forbidden Stories Quelvin Jiménez, advogado de Santa Rosa que defende os direitos fundiários da comunidade xinca, no sudoeste da Guatemala.

"Cooptação de líderes, negociações paralelas ou negociações com determinados grupos de interesse são contrárias à boa fé e não devem ser permitidas pelo Estado", disse ele, referindo-se a uma decisão judicial anterior da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. As táticas são sem dúvida conhecidas dos membros da associação de pescadores Bocas del Polochic, que inicialmente protestou contra a mina antes de apoiá-la —a ponto de aparecer em vídeos promocionais para a empresa.

Documentos mostram como a Solway transformou a associação em uma amiga da mina. "Durante o primeiro trimestre de 2020, fazer uma doação de US$ 34 mil (R$ 172 mil) para a compra de dez equipamentos de pesca para manter líderes e parceiros da Asociación Bocas del Polochic como aliados", dizia um documento de engajamento comunitário de 2019 de um programa de subsidiárias da companhia. "A empresa encontrou fraqueza na pobreza da comunidade", disse o pescador Cristobal Pop.

Plano de trabalho da Solway: 'empregos fictícios', 'incêndios nas plantações', 'boatos'

Em Las Nubes, os sinais de pobreza estão por toda parte. Membros desta pequena comunidade indígena localizada a várias centenas de metros da fábrica de processamento de níquel da mina vivem em casas com piso de terra e telhados de chapas metálicas. Diante da deterioração das condições ambientais que afetam o cardamomo e outras culturas, muitos tiveram que fazer trabalho braçal na mina para sobreviver.

A localização estratégica da comunidade há muito representa um desafio para as subsidiárias da Solway —CGN e Pronico. A partir de 2014, as duas subsidiárias criaram dezenas de relatórios sobre Las Nubes, com variedade crescente de táticas previstas para obter acesso às valiosas terras embaixo de suas casas.

Como parece ter feito com os membros da consulta comunitária, a Solway foi generosa nas doações à comunidade de Las Nubes. Ao longo de quatro anos, a empresa investiu indiretamente mais de US$ 200 mil (cerca de R$ 1 milhão) em Las Nubes por meio da Raxché, fundação que em 2019 e 2020 foi quase totalmente financiada por doações das subsidiárias da Solway, de acordo com um relatório interno.

Documentos mostram que a empresa tentou entender as relações com a comunidade fazendo favores: repintar a igreja para "melhorar o relacionamento com os líderes religiosos locais", organizar um amistoso de futebol para "ganhar proximidade com líderes importantes na tomada de decisões" e participar de uma marcha do Dia das Mães como forma de ajudar na "avaliação do comportamento do grupo".

Outras doações foram mais direcionadas. Em um documento de 2021 intitulado "Plano Específico", por exemplo, a empresa planejava fornecer um emprego para o filho de um líder comunitário e uma motosserra nova para outro. Um documento de 2016 sugere que a empresa não parou por aí, propondo também a criação dos chamados "empregos fictícios", como sinalizadores de trânsito, e o pagamento de "salários artificiais" aos moradores. (Em resposta por escrito, Méndez negou que a empresa tenha pago salários fictícios, dizendo: "Esta informação não corresponde à realidade.")

O objetivo, de acordo com inúmeros relatórios repetidos entre 2016 e 2019, era simples: "Conseguir a mudança voluntária da população para fora da área de interesse mineiro no menor tempo possível". Mas os membros da comunidade se recusaram a deixar Las Nubes, alegando laços ancestrais com a terra.

Paolina Chetek, moradora de Las Nubes cujos familiares trabalham na mina e cujo marido teria recebido dinheiro da empresa para entregar suas terras, disse que as doações eram de pouco interesse para ela: "Não queremos receber dinheiro, porque dinheiro é como água gaseificada: bolhas que desaparecem".
"Vou resistir até o fim, porque meus filhos não têm outro lugar para crescer e para a vida futura."

Paolina Chetek, moradora de Las Nubes cujo marido teria recebido dinheiro da empresa para entregar suas terras
Paolina Chetek, moradora de Las Nubes cujo marido teria recebido dinheiro da empresa para entregar suas terras - Benjamin Thuau/Radio France

Quando o deslocamento voluntário falhou, medidas mais coercitivas também foram cogitadas —embora não esteja claro se esses planos foram executados. Um "plano de trabalho" de fevereiro de 2020 destinado a obter o reassentamento da comunidade de Las Nubes incluiu propostas como demitir trabalhadores que se recusassem a desistir de suas terras e contaminar plantações de cardamomo com agroquímicos.

Em um e-mail do mesmo mês, enviado pelo especialista em relações comunitárias da subsidiária local ao diretor administrativo Méndez com o assunto "Proposição Complementar Las Nubes", as ideias para desalojar os moradores eram ainda mais radicais: espalhar rumores de uma epidemia de HIV entre líderes comunitários, pagar a criminosos locais para deflagrar incêndios intencionais para destruir plantações de cardamomo e espalhar o boato de que um líder comunitário recebeu sua casa como suborno.

Os autores do relatório observam os "prós" e "contras" de cada estratégia possível. Na seção sobre contratação de criminosos para incendiar plantações, por exemplo, os autores escrevem que a vantagem é a "destruição de seus métodos de subsistência", mas observam na coluna de desvantagens que os criminosos podem revelar quem os pagou. A metodologia proposta para alcançar essas diferentes estratégias foi consistente: "pagamento de propina". Questionado especificamente sobre esses métodos, Méndez, destinatário do e-mail em questão, reiterou: "Esta informação não corresponde à realidade".

Mais tarde naquele ano, no entanto, a estratégia da Solway parece ter mudado. Em vez de tentar deslocar voluntariamente a comunidade, a empresa começou a comprar parcelas individuais de terra dentro de Las Nubes —permitindo-lhe iniciar as operações de mineração nessas áreas, de acordo com um relatório.

Em uma parcela negociada, o transporte estimado de níquel foi de 500 toneladas —quando extraído valeu cerca de US$ 165 mil (R$ 835 mil, de acordo com seus próprios cálculos.

"A empresa está prejudicando nossa comunidade. Estão prejudicando nosso ambiente e nossas culturas", disse Abelino Pantzir, morador de Las Nubes e pai de oito filhos, em uma entrevista em dezembro em Las Nubes. Mas "quando eles nos dão uma pequena oportunidade, nós a aproveitamos".

Entrevistado em El Estor, um representante da subsidiária local da Solway disse que "nunca" houve planos para deslocar Las Nubes. "A empresa não planeja realocar os moradores de Las Nubes", concordou Méndez. "A empresa investe em Las Nubes, contribuindo para sua maior prosperidade."

Juízes, políticos e policiais nos bolsos da empresa

Enrique Xol é uma pessoa com conhecimento em primeira mão dos métodos da Solway. Ele, que concordou em falar oficialmente sobre sua experiência com a empresa pela primeira vez, é membro de um dos quatro conselhos ancestrais de El Estor e um crítico vocal da mina.

Em 2017, ele participou de uma mesa redonda entre líderes comunitários e a mina no hotel Paraíso, a cerca de 20 quilômetros de El Estor. Após a discussão, disse aos membros do Forbidden Stories que foi abordado pelo presidente de uma das subsidiárias da Solway, Dmitri Kudriakov. Kudriakov supostamente chamou Xol de lado e, por meio de um tradutor, o encheu de perguntas. "O que você quer? Você quer um projeto? Quer alguma coisa?", lembrou-se de Kudryakov perguntar. Para Xol, pareceu suborno. Disse não.

Documentos e e-mails internos sugerem que esse tipo de comportamento pode ter ocorrido em maior escala. Em um tópico de um e-mail de 2016 sob o título "URGENTE", os superiores da empresa distribuíram listas de "atores-chaves" para receber um "potencial" presente de Natal. De acordo com o e-mail, os presentes deveriam ser oferecidos "como cortesia, como fazemos todos os anos".

Em resposta, um advogado de uma das subsidiárias incluiu uma entrada particularmente interessante em sua lista de desejos: "Tribunal de Primeira Instância de Puerto Barrios". Abaixo, o advogado especificou que o destinatário era o próprio juiz —na época Edgar Aníbal Arteaga López, que mais tarde decidiu a favor da Solway em um caso que a empresa abriu contra grupos de pescadores locais e jornalistas.

Arteaga negou já ter "recebido presentes da CGN-Pronico ou de qualquer outra entidade". As subsidiárias da empresa, por sua vez, disseram que enviar presentes a "amigos com quem convivemos durante o ano" era "prática comum", mas que essas cestas de presentes "só eram entregues a pessoas quando não é proibido por lei". "As cestas de Natal não são dadas aos juízes", enfatizou Méndez.

No entanto, outro documento interno, "Lista de Atores Propostos para Dar Presentes de Natal Pronico /CGN 2016", inclui sete prefeitos, sete líderes comunitários, dois juízes, dois padres, dois jornalistas e um bispo entre as mais de cem inscrições de várias regiões dentro e ao redor de El Estor.

Trocas de e-mail e arquivos internos também documentam uma relação próxima entre as subsidiárias da Solway e a Polícia Nacional Civil da Guatemala (PNC), que em 2021 foi condenada por órgãos de direitos humanos por "uso excessivo da força contra manifestantes e membros das comunidades maias q'eqchi', bem como atos de repressão contra jornalistas e meios de comunicação".

Ao longo de 2020, uma das subsidiárias da Solway, a Pronico, fez pelo menos cinco doações à Raxché para "aporte estratégico" da PNC, no valor de aproximadamente 350 mil quetzales (R$ 229 mil) no total.

Policiais nacionais estacionados em vários pontos dentro e ao redor da mina também podem ter sido alimentados com dinheiro da empresa, mostram e-mails vazados. Em um e-mail endereçado ao "Señor Director" (presumivelmente Kudriakov), Roberto Zapeta, chefe de segurança de uma das subsidiárias locais, considerou os pagamentos de alimentos "mais econômicos ou mais bem recebidos pela PNC do que o suporte geral de insumos" e recomendou que "o apoio necessário seja dado a todos eles".

"A natureza humana é reativa: se você parar de apoiá-los, há um risco estratégico potencial que vale a pena analisar", concluiu Zapeta. Esses pagamentos, disse Jiménez, advogado de Santa Rosa, "podem constituir crime de tráfico de influência ou suborno, dependendo dos termos em que foi entregue ou do que eles pediram em troca". No entanto, quando questionado se eles haviam feito alguma doação ao PNC durante os distúrbios em El Estor, Méndez respondeu com uma única palavra: "Não".

Mina do Estado russo

No outono de 2021, os indígenas maia q'eqchi em El Estor saíram às ruas para protestar contra a mina pela segunda vez desde 2017. "El Estor resiste" tornou-se um grito de guerra depois que protestos pacíficos foram reprimidos e um estado de sítio foi anunciado pelo governo guatemalteco em outubro.

Os manifestantes de El Estor não estavam apenas irritados com a consulta à comunidade, mas com o que eles viam como o controle das multinacionais sobre o Estado da Guatemala. "Só na Guatemala trocamos riquezas minerais por migalhas", escreveu o advogado Rafael Maldonado, que representa a associação de pescadores em El Estor, em um post no Facebook em 12 de novembro de 2021. "A mineradora em El Estor ganha bilhões de dólares por ano, e estas são as ninharias que paga, deixando para trás destruição e contaminação. Tudo graças a funcionários corruptos e à liquidação do país."

Lucia Ixchiu, do Festivales Solidarios, concordou: "O Estado da Guatemala está funcionando com base nos interesses empresariais transnacionais", disse. "Estamos falando de uma empresa multimilionária, com todos os recursos, todo o apoio e orientação do Estado." Até agora, a influência direta da Solway no Estado não foi comprovada. Mas os documentos do vazamento provam que as subsidiárias da empresa têm —no mínimo— laços econômicos com uma mineradora russa acusada de subornar o presidente.

No verão de 2021, antes dos protestos em El Estor, um escândalo que ficou conhecido como o caso do "tapete mágico" foi revelado por denunciantes que fugiram do país. Eles alegaram que representantes do conglomerado de mineração de propriedade russa Maianiquel SA haviam pago ao presidente guatemalteco Alejandro Giammattei por acesso privilegiado a um porto na cidade de Puerto Barrios, repassando dinheiro de suborno em maços enrolados num tapete.

A Solway sempre negou ter ligação com o escândalo e tentou se distanciar da Maianiquel SA. A empresa divulgou uma nota negando "qualquer envolvimento no caso de suborno". No entanto, correspondências de e-mails e contratos nos documentos vazados mostram uma relação comercial ativa entre uma das subsidiárias da Solway, a Pronico, e a Maianiquel SA, gerando questões adicionais sobre os elos entre a cabala de interesses mineiros russos ativos na Guatemala e a influência nos principais políticos.

E-mails e contratos internos mostram que Pronico e Maianiquel assinaram um contrato de minério de níquel no valor de mais de US$ 200 mil (cerca de R$ 1 milhão) no final de novembro de 2019. O contrato foi assinado por ambas as partes em 21 de novembro de 2019 e revisado em janeiro de 2021.

Em respostas a Forbidden Stories e seus parceiros, Pronico e Maianiquel confirmaram uma relação comercial entre as duas empresas, mas nada mais. "O único relacionamento da Maianiquel com a Pronico é puramente comercial, e envolve a venda de minério de níquel", disse um representante da Maianiquel em comunicado compartilhado com Forbidden Stories. "A Maianiquel não tem outro relacionamento comercial, corporativo ou de outra forma com a CGN/Pronico e/ou o Grupo Solway e não é afiliada ou de outra forma relacionada à CGN/Pronico e/ou ao Grupo Solway." Apesar dos escândalos, os resultados da Solway não parecem ter sido afetados —em grande parte graças à crescente demanda global por níquel.

"Esses minerais estão com um preço alto agora", disse Guadalupe Garcia Prado, pesquisador do Observatório das Indústrias Extrativas, em entrevista por telefone. "E a Solway está disposta a ir mais longe na impunidade, corrupção e violência para conseguir o que quer", acrescentou.

Até a invasão russa da Ucrânia, a empresa operava minas na Ucrânia, na Rússia, na Macedônia e na Indonésia. (Em um comunicado em 3 de março, a Solway anunciou que havia suspendido todas as atividades de mineração na Rússia.) Na África, a Solway comprou terras na cordilheira Nimba, na Libéria, por meio de uma subsidiária, Solway Mining Incorporated.

Na Libéria, onde mais de 500 mil pessoas vivem em extrema pobreza, a subsidiária prometeu escolas e centros de saúde. Em vez disso, os moradores dizem ter ficado decepcionados. "A Solway está procedendo de forma errada", disse o presidente da agência de proteção ambiental local à agência de notícias sobre conservação Mongabay. "Nosso pessoal não previu que ela se comportaria da maneira como está se comportando, e esse é meu único arrependimento."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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