Descoberta de corpos perto de Kiev aumenta pressão sobre Rússia, que nega massacre

Líderes e ONGs internacionais acusam forças russas de crimes de guerra; Europa anuncia mais sanções contra Moscou

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São Paulo

A descoberta de dezenas de corpos pelas ruas e em valas comuns de Butcha, subúrbio da capital da Ucrânia, Kiev, após a retirada de tropas russas provocou reações de líderes europeus e aumentou a pressão sobre a Rússia, que nega acusações de massacre e atribui o cenário ali observado a "radicais ucranianos".

"Chocado com as imagens perturbadoras das atrocidades cometidas pelo Exército russo", disse o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. "A União Europeia está ajudando a Ucrânia e ONGs a reunir as provas necessárias para ações nos tribunais internacionais", afirmou ele, acrescentando que mais sanções contra a Rússia estão por vir.

Tanque ucraniano patrulha a cidade de Butcha, nos arredores de Kiev, após retomar controle com retirada das tropas russas - Ronaldo Schemidt/AFP

O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, prometeu mais sanções contra Moscou e maior apoio militar a Kiev. "Farei tudo o que estiver ao meu alcance para matar de inanição a máquina de guerra de Putin", escreveu Boris no Twitter.

Olaf Scholz, da Alemanha, chamou as cenas de crimes de guerra e também pediu punição: "Devemos jogar toda a luz sobre esses crimes cometidos pelo exército russo."

O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que as imagens de "centenas de civis assassinados covardemente são insuportáveis" —o chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, afirmou que o país vai levar o caso ao Tribunal Penal Internacional (TPI), instância que já está investigando, desde o início de março, o que se desenrola na guerra.

Críticas contundentes também vieram da ONU. O secretário-geral, o português António Gueterres, disse que deve haver uma investigação independente sobre o que ocorreu em Butcha. "Estou profundamente chocado com as imagens de civis mortos", escreveu ele no Twitter.

A Rússia nega atacar civis e afirma que as imagens de Butcha são "mais uma provocação" do governo ucraniano. O Ministério da Defesa russo disse em comunicado que todas as unidades militares deixaram a cidade em 30 de março.

O Kremlin afirmou ainda que as saídas da cidade não foram bloqueadas, que os moradores podiam circular livremente e usar celulares e que o caminho estava livre para quem quisesse seguir em direção ao norte. "Os arredores ao sul da cidade, incluindo áreas residenciais, foram bombardeados 24 horas por tropas ucranianas com artilharia de grande calibre", alega o comunicado.

Ainda segundo o governo de Vladimir Putin, em 31 de março o prefeito de Butcha disse em mensagem por vídeo que já não havia tropas russas na região e não mencionou civis baleados pelas ruas com as mãos amarradas. "Portanto, não é de surpreender que todas as chamadas 'provas de crimes' em Butcha tenham aparecido apenas no quarto dia, quando oficiais do SBU [Serviço de Segurança da Ucrânia] e representantes da televisão ucraniana chegaram à cidade."

Moscou também sugere que as imagens podem ser falsas, uma vez que os corpos "não endureceram, não têm manchas cadavéricas características e não há sangue nas feridas".

O país, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, convocou uma reunião do colegiado para esta segunda (4) tendo como pauta a situação de Butcha, segundo informações da agência RIA citando o vice-embaixador russo na ONU, Dmitri Polianski.

A Rússia tem retirado tropas da região de Kiev, e a Ucrânia afirmou no sábado (2) que já retomou o controle de todas as áreas ao redor da capital, como Irpin e Hostomel, e que tem todo o comando da região pela primeira vez desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro.

O chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, pediu por mais sanções e chamou o episódio de "massacre deliberado". O conselheiro do presidente, Mikhailo Podoliak, descreveu a situação como "o inferno do século 21." "Corpos de homens e mulheres que morreram com as mãos atadas. Os piores crimes do nazismo estão de volta", disse.

O governo ucraniano afirma ainda que a Rússia tem espalhado minas terrestres pelas cidades de onde está retirando tropas e que mais de 1.500 explosivos foram encontrados em um dia durante uma busca na vila de Dmitrivka, a oeste da capital Kiev.

E outras acusações, referentes a outras porções do território ucraniano, continuam a emergir . A ONG Human Rights Watch divulgou um comunicado dizendo ter encontrado "vários casos de forças militares russas cometendo violações das leis de guerra" em regiões controladas pela Rússia, como Tchernihiv e Kharkiv.

"Os casos que documentamos representam crueldade e violência indescritíveis e deliberadas contra civis ucranianos", disse Hugh Williamson, diretor da organização para Europa e Ásia Central. "Estupro, assassinato e outros atos violentos contra pessoas sob custódia das forças russas devem ser investigados como crimes de guerra", afirmou. O relatório ainda acusa soldados russos de saquearem propriedades civis, incluindo alimentos, roupas e lenha.

Neste domingo, mísseis russos atingiram alvos próximos ao importante porto de Odessa, no sul da Ucrânia, às margens do mar Negro. A administração regional afirmou que instalações de infraestrutura da cidade foram atingidas e que não há registro de vítimas. O Ministério da Defesa da Rússia reivindicou o ataque.

Odessa é a principal base da Marinha da Ucrânia, e é importante para a Rússia por dois motivos: primeiro, pela tentativa de fechar o acesso da Ucrânia ao mar; segundo, para estabelecer um corredor terrestre para a Transnístria, uma província separatista em Moldova onde se fala majoritariamente a língua russa e que abriga tropas russas.

"A fumaça é visível em algumas áreas da cidade. Todos os sistemas e estruturas relevantes estão funcionando. Nenhuma vítima foi relatada", disse Vladislav Nazarov, oficial do Comando Operacional Sul da Ucrânia. A Prefeitura afirmou que casas e construções civis foram atingidas, mas que a situação está sob controle.

Dmitro Lunin, governador da região central de Poltava, afirmou que outro ataque no sábado destruiu a refinaria de petróleo Kremenchuk, a 350 quilômetros a nordeste de Odessa. Esta era a única refinaria de petróleo funcionando plenamente na Ucrânia. Também no mar Negro, um ataque atingiu Mikolaiv, disse o ministério do Interior.

Também foi registrado um ataque em um hospital a cidade de Rubichne, no leste, disse o governador regional Seguei Gaidai. Ao menos uma pessoa teria morrido e três teriam ficado feridas.

Já em Kharkiv, segunda maior cidade do país, autoridades disseram que bombardeios das forças da Rússia atingiram o distrito de Slobidski. De acordo com o governo regional, pelo menos 23 pessoas teriam morrido, entre elas crianças, após o ataque a prédios residenciais.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tenta concluir uma missão de resgate de civis na portuária Mariupol. A operação, iniciada no sábado, ainda não foi finalizada. Segundo a vice-primeira-ministra Irina Verechchuk, o país negocia para que Moscou permita que ônibus da missão humanitária entrem na cidade. Ao longo do domingo, 2.694 civis teriam sido retiradas de zonas de risco em todo o país.

Segundo o Ministério da Defesa do Reino Unido, que monitora o conflito, intensos combates continuam a ocorrer nas ruas de Mariupol.

No sábado, o negociador ucraniano David Arakhamia afirmou que houve progresso na tentativa de organizar uma reunião entre os presidentes da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e da Rússia, Vladimir Putin, mas os russos descartam essa possibilidade por ora, disse o negociador-chefe da Rússia, Vladimir Medinski.

Medinski afirmou que, embora a Ucrânia esteja se mostrando mais aberta ao concordar em manter um status neutro, não ingressar em um bloco militar e se recusar a abrigar bases militares, não houve progresso em outras demandas importantes da Rússia.

"Repito: a posição da Rússia sobre a Crimeia e Donbass permanece inalterada", disse ele no Telegram, acrescentando que rodadas de negociação por videoconferência continuarão nesta segunda-feira (4). A Rússia anexou a Crimeia da Ucrânia em 2014 e reconheceu a independência das autoproclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk, na região do Donbass, três dias antes de dar início à guerra.

Com Reuters e AFP

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