Documentário ajuda a pintar retrato político complexo da eleição na França

Obra não cai na armadilha de ouvir ensaios de especialistas e dá voz aos próprios eleitores

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São Paulo

Entender uma eleição presidencial francesa ficou mais difícil desde 2017, quando a escolha de Emmanuel Macron quebrou a lógica de um segundo turno invariavelmente decidido no confronto de um socialista com um candidato mais à direita.

Macron representa algo bem próximo ao populismo de centro. Hoje aos 44 anos, ele é favorito para ser reeleito no pleito que terá neste domingo (10) seu primeiro turno. Mas o fato de a França não estar mais polarizada torna mais complicado pintar seu retrato político.

Pois a tarefa foi muito bem executada pelo documentário "Democracia - O Enigma Francês", da GloboNews. A equipe responsável não caiu na armadilha de entrevistar uma sucessão de especialistas que passearia do ensaio para o jornalismo e daria no máximo um caleidoscópio de opiniões.

Funcionário de empresa de publicidade cola cartaz da candidata Marine Le Pen próximo a um do presidente Emmanuel Macron e do candidato Jean Lassalle em Bordeaux - Philippe Lopez - 28.mar.22/AFP

Bertrand Badie foi o único cientista político entrevistado. E ele foi simples e direto, afirmando, por exemplo, que hoje a França tem menos debates intelectuais, e que, por isso, a liberdade política não é tão exercida. A palavra ficou com os próprios eleitores, que por vezes de maneira simplista explicavam as razões que os levavam a escolher determinado candidato.

Por exemplo. Na cidade portuária de Marselha, sul da França, uma muçulmana e mãe solteira discorre sobre suas dificuldades, embates com o racismo e com a reputação de terrorista que se abate sobre essa parcela da comunidade a que pertence —são muçulmanos entre 7 milhões e 9 milhões dos 63 milhões de franceses.

Ela votará em Jean-Luc Mélenchon, deputado da esquerda de 71 anos, líder do movimento França Insubmissa. A eleitora de Marselha afirma que ele pretende unificar os franceses, em vez de dividi-los de acordo com a religião ou origem étnica.

Detalhe curioso: Mélenchon, em terceiro lugar nas pesquisas, é o único concorrente medianamente viável entre os seis que a esquerda apresentou. Sem qualquer viabilidade estão os candidatos do Partido Socialista (a prefeita de Paris, Anne Hidalgo) e do minúsculo Partido Comunista (Fabien Roussel), que no pós-Guerra chegou a um terço do eleitorado e é hoje simples figurante do jogo presidencial.

Numa aldeia no norte da França a GloboNews entrevistou um velho operário desempregado —a tecelagem em que ele trabalhava fechou— convertido a jardineiro da prefeitura e, aos fins de semana, a agitador do movimento conservador dos coletes amarelos. O cidadão é eleitor de Marine Le Pen, do partido de ultradireita Reunião Nacional.

Le Pen tem uma plataforma calcada na xenofobia e pretende, se eleita, convocar um referendo sobre o sentido jurídico da nacionalidade francesa —o que é um jeito de excluir das vantagens previdenciárias os imigrantes árabes e da África subsaariana.

A ultradireita tem outro candidato, Eric Zemmour, cujo partido se chama Reconquista. É a palavra usada há 600 anos pelos espanhóis para designar a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica. O entrevistado da corrente foi um estudante de direito de Paris, um eleitor para quem a cultura cristã na França corre o risco de se tornar minoritária.

A candidata presidencial da direita tradicional, cujo partido é descendente distante daquele fundado pelo general Charles de Gaulle, chama-se Valérie Pécresse, cujo grosso da base eleitoral está entre os maiores de 60 anos e que traz, em seu programa, as angústias da terceira idade. A eleitora entrevistada é uma pequena caricatura da mulher um pouco além da meia-idade, que carrega os critérios de admiração semelhante ao do público jovem do rock. Ela "ama" Valérie e mostra com orgulho a fotografia da candidata, ao lado do belo marido empresário.

Dois outros personagens completam o quadro de entrevistados pelo documentário.

Há o cantor de rap de um subúrbio parisiense, parte dos agnósticos da política partidária. Ele tem uma consciência muito nítida dos problemas humanos e urbanos que sua região enfrenta, mas não traduz essa revolta por alguma ideologia ou por um dos candidatos.

E, por fim, um imigrante que há 15 anos fugiu da guerra civil da Costa do Marfim e é hoje segurança de um shopping próximo a Paris. Ele obteve há alguns meses a cidadania francesa: foi um dos 1.500 estrangeiros que o governo premiou em razão do desempenho durante a pandemia.

O ex-marfinense e hoje francês não revela com todas as letras em quem vai votar. Mas dá claramente a entender que apoia incondicionalmente —da defesa da mulher agredida à guerra na Ucrânia— o presidente Emmanuel Macron.

Democracia - O Enigma Francês

  • Onde Globoplay. Na GloboNews, será retransmitido neste sábado (9) às 20h30 e no domingo (10) às 16h30
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Elizabeth Carvalho
  • Duração 67 min
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