Descrição de chapéu The New York Times

Trump atropela planos de livro de fotógrafa oficial, lança obra e aumenta sua arrecadação

Ex-presidente rompe tradição que era praxe desde Reagan e respeitada por republicanos e democratas

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Eric Lipton Maggie Haberman
Washington | The New York Times

​Quando o mandato do presidente Donald Trump chegou ao fim, a fotógrafa principal da Casa Branca, que percorrera o mundo com ele e passara horas incontáveis fazendo fotos dentro da Casa Branca, notificou assessores de Trump de sua intenção de publicar uma coletânea de suas imagens mais memoráveis.

Estava longe de ser uma ideia radical: fotógrafos oficiais da Casa Branca de todos os governos desde o de Ronald Reagan lançaram livros com suas fotos. Barack Obama e George W. Bush deram tanto apoio que chegaram a escrever prefácios para as coletâneas.

Mas, como foi o caso de muitas outras coisas ligadas a Trump, o plano de sua fotógrafa principal, Shealah Craighead, não foi adiante conforme a praxe seguida por administrações tanto republicanas quanto democratas.

Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos, em foto tirada por Shealah Craighead
Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos, em foto tirada por Shealah Craighead - Shealah Craighead - 8.jan.2020/Casa Branca

Para começar, assessores de Trump pediram a Craighead uma parte do adiantamento que ela recebeu pelo livro. Em contrapartida, segundo ex-auxiliares de Trump, ele escreveria um prefácio e ajudaria a divulgar o livro.

Em seguida, a equipe de Trump pediu a Craighead para adiar seu projeto de livro para que o ex-presidente, usando fotos feitas por Craighead e outros fotógrafos da Casa Branca, pudesse lançar seu próprio livro, que hoje está sendo vendido por até US$ 230 o exemplar.

O fato de os lucros do trabalho de Craighead estarem indo para o bolso de Trump desagradou a muitos ex-assessores dele, mas não chegou a surpreendê-los.

"Shea é uma fotógrafa de grande talento, e tudo isso é fruto do trabalho árduo dela. Não posso deixar de pensar que é uma pena que Trump agora esteja lucrando com o trabalho dela. Mas o fato é que esse é um cara que anda vendendo bonés e todo tipo de coisa no momento para levantar dinheiro para seu uso próprio", diz Stephanie Grisham, que foi assessora de imprensa de Trump na Casa Branca e publicou seu próprio livro.

Eric Draper, que foi o fotógrafo chefe da Casa Branca durante a administração Bush, considerou que o que foi feito é uma falta de respeito por Craighead.

"É um tapa na cara", afirma, acrescentando que conversou com Craighead no ano passado sobre seu plano de publicar seu livro próprio. "No lugar dela, eu estaria decepcionado."

Taylor Budowich, um porta-voz de Trump, não negou que um assessor aventou a possibilidade de o ex-presidente redigir um prefácio ao livro de Craighead e receber uma parte do adiantamento pago à fotógrafa. O acordo provisório dela com uma editora envolveu o pagamento de um adiantamento de centenas de milhares de dólares, segundo um executivo do setor.

Em vez disso, de acordo com Budowich, Trump decidiu primeiro publicar seu próprio livro, num acordo separado pelo qual ele recebeu um adiantamento muito maior, de milhões de dólares. "O presidente Trump sempre se interessou por uma produção bela e interessante, algo que ganhou vida nas páginas de seu livro", disse o porta-voz em comunicado à imprensa.

Craighead afirmou que não queria dar declarações públicas sobre questões envolvendo um antigo cliente. Mas confirmou que decidiu cancelar seu próprio livro planejado, pelo menos por enquanto.

"Sou apolítica na medida do possível, uma documentarista histórica neutra", diz. "Permanecendo neutra, consigo continuar sendo uma observadora atenta."

O livro de 317 páginas que Trump lançou em dezembro, intitulado "Our Journey Together", não inclui créditos fotográficos. Não menciona nenhum dos fotógrafos que captou as imagens até a última página, na qual o ex-presidente oferece um "agradecimento" breve a "todos os fenomenais fotógrafos da Casa Branca" (listando-os por nome, incluindo Craighead) cujo trabalho constitui boa parte do livro.

Não há nada na lei que proíba Trump de reunir e publicar fotos que um funcionário da Casa Branca fez durante seu mandato; pela lei federal, essas fotos são consideradas parte do domínio público, não sendo sujeitas a direitos autorais. Há uma conta pública no Flickr, hoje gerida pelos Arquivos Nacionais, que tem 14.995 fotos da Casa Branca de Trump, um terço dos quais traz o nome de Craighead como a fotógrafa.

Mas Trump parece ser o primeiro ex-presidente americano a tentar ganhar dinheiro com um livro de uma ex-fotógrafa da Casa Branca, segundo o documentarista e escritor John Bredar, que estudou a história dos fotógrafos da Casa Branca. (Os lucros de livro publicado pelo fotógrafo-chefe de George H.W. Bush, David Valdez, foram doados à biblioteca presidencial do ex-presidente.)

Segundo ex-funcionários da Casa Branca, o plano de publicar "Our Journey Together" foi traçado às pressas quando Craighead já havia selecionado um agente literário, negociado um contrato para publicar seu livro e obtido uma promessa de Trump de redigir o prefácio.

Craighead teve algumas dúvidas sobre se queria seguir adiante com seu livro, dizendo a outras pessoas que não estava se sentindo à vontade em publicar um livro que pudesse ser visto como um endosso ou uma crítica a Trump.

Foi enquanto estava debatendo essa questão que ela foi informada por um representante de Trump que ele não poderia lhe entregar um prefácio a seu livro imediatamente, isso porque tinha uma cláusula de "não competição" com a editora do livro dele.

Logo depois, a máquina de campanha de Trump e Donald Trump Jr. começou a enviar emails aos nomes de sua lista de levantamento de fundos políticos, convidando seus apoiadores a comprar "Our Journey Together", possivelmente para dar como presente de Natal. É um exemplo de como Trump, desde que deixou a Casa Branca, vem misturando seu esforço político e sua busca por lucro pessoal.

O livro de Trump foi publicado pela Winning Team Publishing, empresa cofundada em outubro por Donald Trump Jr. e Sergio Gor, ex-assessor do Capitólio e funcionário de campanhas republicanas.

Gor disse que a primeira tiragem de 300 mil exemplares está esgotada. Como as cópias não autografadas pelo presidente foram vendidas a US$ 75 cada uma, isso sugere que as vendas brutas tenham rendido pelo menos US$ 20 milhões, supondo que muitos exemplares não tenham sido doados. Além do pagamento adiantado, Trump provavelmente receberá uma participação das vendas do livro.

Tradução de Clara Allain 

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