Em nova conspiração, republicanos acusam imigrantes de votarem de forma fraudulenta nos EUA

Comício com Trump em Ohio foi recheado de acusações sem base na realidade

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Jazmine Ulloa
Columbus (Ohio) | The New York Times

Seis anos depois de o ex-presidente Donald Trump ter aberto caminho para a Casa Branca com uma campanha baseada em gestos nativistas e xenofóbicos para atrair o eleitorado branco, os 3.200 km da linha que divide o México dos Estados Unidos voltaram a ser uma obsessão do Partido Republicano.

Mas o ressurgimento da questão entre a direita vem acompanhado de um novo detalhe: cada vez mais líderes e candidatos republicanos agora declaram, sem base em fatos, que imigrantes que estão no país de forma irregular ganharam direito ao voto.

Imigrantes venezuelanos chegam aos EUA pela fronteira do Arizona com o México - Go Nakamura/Reuters

Fraudes eleitorais são extremamente raras, e alegações de que um grande número de imigrantes que vivem nos EUA irregularmente está votando foram desmentidas reiteradas vezes. Mesmo assim, essa mensagem fabricada, que capitaliza sobre uma ameaça inventada para reforçar a mentira mais ampla de Trump sobre eleições supostamente fraudadas, agora está encontrando uma audiência receptiva em mais de 12 estados, incluindo vários distantes da fronteira com o México.

No condado de Macomb, em Michigan, onde os republicanos estão fortemente divididos entre os que querem investigar a eleição de 2020 e os que querem deixar o assunto para trás, muitos disseram na convenção local neste mês temer que imigrantes estejam entrando no país ilegalmente não só para roubar empregos de americanos, mas também para roubar votos, acessando as urnas de forma fraudulenta para eleger democratas.

"Não quero que eles cheguem aos estados vermelhos [de maioria republicana] e os convertam em azuis [de maioria democrata]", disse Mark Checkeroski, ex-engenheiro-chefe de um hospital. Isso apesar de dados da eleição de 2020 terem mostrado que muitos lugares com expressiva população imigrante tiveram um desvio para a direita.

O discurso intransigente sobre imigração e segurança na fronteira é uma constante na política americana. Tanto republicanos quanto democratas –nos últimos anos, especialmente republicanos— têm historicamente aderido a estereótipos preconceituosos que vinculam imigração irregular a criminalidade e retratam latinos e asiático-americanos como eternamente estrangeiros ou uma ameaça econômica.

Mas o salto de fronteiras inseguras para eleições inseguras é mais recente. E não é difícil entender por que alguns eleitores fazem essa conexão.

Em Ohio, republicanos disputam a primária para o Senado falando em imigração em termos apocalípticos. Lá, Trump, num comício no último sábado (23), atiçou o medo de "fronteiras abertas e eleições horríveis", pedindo leis mais rígidas que exijam documentos de identidade de eleitores e comprovantes de cidadania.

As propagandas nos telões antes do discurso do ex-presidente pareceram alternar-se entre mentiras, dizendo que a eleição de 2020 foi roubada, e frases exageradas acusando de crimes imigrantes irregulares. No trailer de um filme do diretor Dinesh D’Souza, conservador que Trump indultou, pessoas denunciaram o suposto "tráfico de votos", descrevendo como "mulas" as pessoas que levavam votos enviados pelo correio a urnas postais.

É legalmente permitido em alguns estados que terceiros, como familiares ou organizações comunitárias, levem cédulas preenchidas a urnas postais.

Mas as mensagens parecem feitas sob medida para pessoas que assistiram ao comício, como Alicia Cline, 40, que disse acreditar que os democratas no poder estão utilizando a crise na fronteira para atrair mais votos. "A eleição passada já foi roubada", disse.

A onda mais recente de instigação é apenas uma entre várias linhas de ataque. Os republicanos estão fazendo da imigração um de seus focos nas eleições parlamentares deste ano, e governadores republicanos confrontam a administração Biden sobre o que descrevem como condições abissais na fronteira.

Na semana passada, governadores de 26 estados anunciaram a criação de uma "força de ataque na fronteira" para compartilhar informações de inteligência e combater o narcotráfico, isso enquanto a administração Biden diz que tem planos de cancelar uma norma adotada na era de Trump permitindo que funcionários de imigração federais rejeitem candidatos a asilo ou os deportem sumariamente.

Jane Timken, pré-candidata ao Senado, disse que a divisa com o México tem importância enorme para os habitantes de Ohio, porque muitos consideram que os problemas locais com drogas e criminalidade vêm da fronteira. "Hoje quase todos os estados são estados de fronteira", disse ela.

Alguns estrategistas republicanos avisam que o foco pode sair pela culatra, na medida em que a nação se torna cada vez mais diversa. Mas cientistas políticos dizem que, ao aproveitar os medos suscitados pelas mudanças demográficas e a pandemia, os republicanos podem mobilizar seus eleitores mais ardentes.

"Quando estamos sentindo tanta ansiedade, é o momento em que o sentimento xenofóbico e anti-imigrantes pode crescer", afirmou Geraldo L. Cadava, professor-adjunto na Northwestern University.

Poucas disputas eleitorais captam a dinâmica da questão tão perfeitamente quanto a primária republicana pelo Senado em Ohio. Os pré-candidatos ali estão seguindo o exemplo de Trump, que, em 2016, tentou colocar a culpa pela crise letal dos opioides na imigração irregular e nos cartéis mexicanos.

J.D. Vance, autor de "Era Uma Vez um Sonho" e endossado por Donald Trump, joga sal nessas feridas, dizendo a eleitores em um anúncio que quase perdeu sua mãe, dependente de drogas, para o "veneno que nos chega vindo do outro lado de nossa fronteira". Republicanos como ele argumentam que são atacados injustamente por levantar preocupações legítimas.

Advogados que defendem os direitos de imigrantes dizem que os republicanos estão caracterizando incorretamente uma emergência de saúde pública como problema de segurança nacional e contribuindo para o preconceito contra latinos e imigrantes. Também afirmam que a crítica não tem base na realidade: muitos, senão a maioria, dos imigrantes que chegam a Ohio já passaram pela triagem de agências federais; são refugiados e candidatos a asilo, e cada vez mais chegam com vistos de trabalho.

Angela Plummer, diretora-executiva de uma ONG do setor, descreveu o modo como republicanos andam caracterizando imigrantes de um flashback perturbador do discurso de campanha de Trump em 2015. "É bom ter políticos com plataformas diferentes sobre a imigração, mas não é bom que eles enveredem por racismo e acusações danosas."

O discurso sobre imigração começou a esquentar no ano passado, em meio a um fluxo de migrantes e candidatos a asilo vindos de Haiti, Guatemala e Honduras. No Texas, o governador Greg Abbott e autoridades locais descreveram a imigração ilegal como invasão e anunciaram planos para concluir o muro de Trump na fronteira.

As acusações só têm se intensificado com a campanha para as eleições parlamentares. Desde janeiro, candidatos republicanos em 18 estados, incluindo Wisconsin, Pensilvânia e Michigan, já publicaram anúncios mencionando a fronteira e atacando a imigração legal. No mesmo período de 2018 isso foi feito em apenas seis estados, e a maioria dos anúncios saiu no Texas.

Pelo menos um deles fala de "invasão", e outros trazem ecos da noção da "grande substituição", teoria conspiratória racista que alega falsamente que as elites estão usando imigrantes negros e pardos para tomar o lugar dos brancos nos EUA.

No Alabama, um anúncio da governadora Kay Ivey traz uma foto de latinos atravessando a fronteira usando camisetas brancas com o logotipo da campanha de Biden. "Se o presidente continuar a transportar imigrantes ilegais para os EUA, em breve os americanos podem ser obrigados a aprender espanhol", diz a governadora, encerrando com "no way [de jeito nenhum], José".

Uma porta-voz de Ivey classificou de "absurda" a sugestão de que o anúncio perpetua o preconceito contra latinos e imigrantes.

Tradução de Clara Allain

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