Descrição de chapéu União Europeia

Le Pen sobe, Macron cai, e cenário de eleição na França fica mais incerto

Ucrânia se torna preocupação menor, e candidata de ultradireita se beneficia com discurso sobre poder de compra

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Milão

Quando a guerra na Ucrânia começou, no fim de fevereiro, Emmanuel Macron buscou se projetar como protagonista de tratativas diplomáticas, revezando conversas com o russo Vladimir Putin com líderes como o alemão Olaf Scholz.

Uma semana depois, ao confirmar sua candidatura à reeleição, com franceses dizendo que o conflito era o segundo tema com mais peso para decidir seu voto, o presidente apareceu em alta nas pesquisas e isolado na liderança. Um mês depois, o conflito no Leste Europeu continua, mas o cenário que se desenha na França é o de um pleito de desfecho incerto.

Macron manteve a liderança isolada nas pesquisas, mas viu a vantagem se estreitar com uma queda de quatro pontos entre o levantamento Ipsos feito no começo da guerra e o divulgado nesta quarta (6) —passou de 30,5% para 26,5%. Isso porque Marine Le Pen, da ultradireita, subiu sete pontos no período e hoje aparece com 21,5% (a margem de erro é de 0,2 a 0,9 ponto). A diferença entre os dois, que há um mês era de 16 pontos, caiu para 5.

O presidente francês, Emmanuel Macron, ao lado de TV transmitindo entrevista de sua rival Marine Le Pen, em visita à sede da France Inter, em Paris - Ludovic Marin - 4.abr.22/AFP

As curvas também se aproximam em um eventual segundo turno. Há um mês o presidente venceria a candidata por 59% a 41%, mas hoje o intervalo passou de 18 para 8 pontos percentuais (54% a 46%). Em 2017, como comparação, ele derrotou Le Pen por 66% a 34%.

Com o primeiro turno a ser realizado neste domingo (10) e a provável segunda rodada no dia 24, analistas evitam cravar um prognóstico. "Semanas atrás eu teria dito que Macron venceria, mas agora as coisas estão mais improváveis do que nunca. A margem está menor a cada dia, e ainda temos quatro dias para a votação", diz à Folha Vincent Martigny, professor de ciência política da Universidade de Nice.

O levantamento Ipsos mostra que, para os franceses, a guerra na Ucrânia passou de segundo para sexto assunto mais importante na hora de definir o voto, contribuindo para diluir o benefício imediato que Macron obteve do seu protagonismo na frente anti-Rússia.

Ao mesmo tempo, precisou abrir espaço na agenda de presidente para a campanha. Então, sem tempo suficiente, avalia-se que o presidente ainda não conseguiu convencer o eleitor de que, em um eventual segundo mandato, trará soluções para aquela que permanece a principal preocupação do francês na hora de votar: dinheiro no bolso.

Em um cenário em que o conflito pressiona os preços da energia, com a inflação anual de 5,1% em março (em janeiro era de 3,3%), Le Pen empunha o poder de compra como uma de suas principais bandeiras. "Vou baixar o imposto sobre gás, eletricidade e combustíveis de 20% para 5,5%. A energia deve ser considerada uma necessidade básica. Vamos agir imediatamente para restaurar o poder de compra dos franceses", repetiu nesta semana, em uma de suas promessas mais anunciadas.

Mais do que falar em números, é no dia a dia que Le Pen parece ter encontrado o caminho para encostar em Macron. Com agenda intensa de viagens e aparições na TV, ela faz um contraste com o corpo a corpo tímido do principal oponente. "Ele fez uma não campanha", avalia Martigny. "Um pouco porque realmente não pôde, um pouco porque estava confiante na vantagem. Também se negou a debater com os demais, o que se prova uma escolha errada, que beneficia Le Pen."

Em suas viagens pelo interior, ela apostou em áreas rurais e cidades menores e periféricas. Seu eleitorado não mudou em relação às disputas anteriores à Presidência, em 2012 e 2017: é um apoio que vem majoritariamente de trabalhadores, com níveis de instrução menores do que a média do país.

"Ela tem tentado provar que é a candidata do interior, da França real, em oposição a Macron, das grandes cidades, em quem tenta colar a imagem de desconectado do país, inconsciente do que realmente está acontecendo com as pessoas."

A estratégia de concentrar a campanha em temas ligados ao poder de compra também ajudou a tirar o foco de sua relação com Moscou, de quem era aliada dentro da França. Antes da guerra, seu partido (o Reunião Nacional), chegou a lançar um panfleto sobre a trajetória de Le Pen, que, dentre as fotos, mostrava um retrato antigo dela com Putin. Em 2014, sua legenda obteve um empréstimo de 9 milhões de euros em um banco russo.

O programa de governo pode ter mudado nas imagens que prefere agora ressaltar ou disfarçar —e pode parecer moderado na comparação com o de outro candidato da ultradireita, Eric Zemmour—, mas, segundo analistas, a essência de Le Pen se mantém autoritária e radical.

A Fundação Jean Jaurés, think tank ligado aos socialistas, publicou nesta semana um artigo-dossiê que conclui que, se o posicionamento econômico da candidata se tornou menos liberal (o que a diferencia de Macron), as posições de seu partido sobre questões culturais ainda são tão rígidas quanto antes.

Dois dos primeiros pontos de seu programa concentram medidas para "interromper a imigração descontrolada", incluindo a proposta de um referendo para, entre outras coisas, priorizar franceses no acesso a habitação social e emprego e "erradicar ideologias islamistas" do país.

"A primeira maneira de reduzir a insegurança que apodrece a vida de nossos compatriotas é deter essa imigração anárquica e maciça. Quero fazer os franceses mais uma vez donos de sua política de imigração!", afirmou a candidata nesta semana.

Outra demonstração de seu viés radical se deu no domingo (3), quando esteve entre as primeiras figuras a cumprimentar o premiê Viktor Orbán, por seu quarto mandato seguido na Hungria.

"Não é porque diz que gosta de gatos e assumiu uma imagem mais refinada que ela mudou —ela é a mesma personalidade da extrema direita que acredita em um poder vertical. Num sistema político como o da França, com tantos poderes na mão do presidente, seria uma eleição devastadora, aqui e na Europa", conclui Martigny.

Segundo a Ipsos, ainda que Macron e Le Pen estejam à frente, o cenário do segundo turno é, hoje, indefinido. Em terceiro lugar, com 16%, Jean-Luc Mélenchon também está em ascensão, beneficiado pelo voto útil à esquerda. Além disso, para domingo, é prevista uma abstenção alta para os padrões franceses, que pode se aproximar de 30%.

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