Podcast expõe como Guerra da Ucrânia atinge as crianças

'Elas choravam de fome e de sede, e eu comecei a chorar também', diz pastor que cuidou de órfãos

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São Paulo

Não se sabe ao certo, até agora, quantas crianças foram mortas na Guerra da Ucrânia. Além de enterrar seus defuntos, adultos ou não, o país está mais envolvido em urgências militares, médicas ou em providenciar alimentos para sua traumatizada população.

O Unicef, fundo da ONU para a infância, calcula, de modo bastante impreciso, que dois terços dos 7,5 milhões de crianças ucranianas foram deslocados das cidades em que moravam há pouco mais de dois meses. Estão refugiadas com seus pais em países como a Polônia ou permanecem sob a guarda de instituições humanitárias para encontrarem uma família que substitua aquela que a guerra matou.

Esse conjunto bastante triste de informações foi objeto de um podcast da BBC, "Saving Ukraine's Children" (salvando as crianças da Ucrânia, em tradução literal). A emissora pública britânica, em lugar de buscar casos em todas as grandes cidades, concentrou sua atenção em Mariupol, a sudeste do território ucraniano e a mais martirizada pelos bombardeios russos.

Crianças retiradas de orfanato de Kiev abrigadas em hotel na Polônia no começo da guerra - Kacper Pempel - 5.mar.22/Reuters

Um pastor evangélico, Guennadi Motchkenko, manteve-se por longos dias com a guarda de órfãos ou de crianças com pais desaparecidos num conjunto de prédios industriais, que os soldados russos cercaram sem, no entanto, destruí-lo com bombas. "Começou a faltar comida e depois também faltou água para beber. As crianças choravam de fome e de sede. Sem poder convencer os russos a deixarem entrar provisões, eu comecei a chorar também."

E não foi um cerco, por assim dizer, tranquilo. O ruído das turbinas dos aviões que atiravam bombas sobre a cidade e as explosões de prédios que desmoronavam funcionavam como uma ameaça permanente. O pastor não o disse de maneira explícita, mas a lógica era temer que poderiam ser o próximo alvo.

Organizações humanitárias montaram comboios para retirar as crianças de territórios constantemente bombardeados pelos russos, mas nem sempre a trégua para a passagem dos veículos era respeitada. "Os acordos internacionais não funcionam", relata um ativista humanitário. Quando menos se imaginava, os agressores voltavam a soltar suas bombas ou a usar a artilharia pesada dos tanques.

Mais uma vez, não existem estatísticas sobre crianças mortas ou feridas durante a ruptura das tréguas.

Há também pelotões de soldados russos que detêm ônibus repletos de crianças e as forçam a descer dos veículos para que eles sejam revistados, à procura de adultos resistentes. As crianças choram, diante de uma agressão que não entendem.

Um ancião procurou os ativistas de uma ONG para relatar que sua filha adotiva, de 27 anos, foi morta pelos mísseis russos que destruíram o prédio em que ela morava. Ela tinha um filhinho de 3 anos cujo paradeiro permanecia desconhecido. A ONG não tinha informações sobre a criança.

A responsável por uma creche de crianças refugiadas, chamada Vasilina Dubsilo, disse à BBC que os pequenos cantam músicas que aprenderam no passado na escola, desenham e brincam ao ar livre. Mas que, repentinamente, se tornam agressivas e passam a perguntar sobre o paradeiro de seus pais.

Algumas vezes o orfanato hospeda garotas adolescentes, e é quando se sabe do mais horrível dos crimes. Soldados russos sequestram as jovens para usá-las como objeto de prazer sexual. À BBC a Rússia disse apenas que seus homens não estavam autorizados a ter semelhante comportamento.

A mesma violência sexual já havia sido denunciada nas duas guerras da Tchetchênia, para retomar uma antiga história em que os russos também estiveram na berlinda no tema dos direitos humanos.

Já sobre as instalações, uma ativista relata que os órfãos abrigados por instituições improvisadas têm bem menos problemas em regiões militarmente controladas pela Ucrânia. Se o controle for dos russos, as crianças tendem a ser tratadas de maneira no mínimo ríspida e são desrespeitadas, sem a mínima cortesia.

Outro avança o número de 6.000 para quantificar meninas e meninos que perderam o pai, a mãe ou os dois. A cifra seria o produto da troca de informações entre entidades mais atuantes nessa área.

O programa radiofônico respira por fim com uma boa notícia. Os ucranianos Olha e Andril, casados há quase quatro anos, falam bem o inglês e conseguiram atravessar a fronteira com a Polônia, onde uma organização humanitária se encarregou de Olha e a transportou para o Canadá. Andril ficou na Ucrânia, à disposição do Exército —mas ainda não foi convocado.

The Documentary Podcast - Saving Ukraine's Children

  • Onde Na plataforma BBC Sounds
  • Produção Ben James
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