Peruanos desafiam toque de recolher, e Castillo revoga restrição que visava a conter protestos

Medida deveria valer até as 23h59 desta terça e foi suspensa pelo presidente antes do previsto

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Lima | AFP

O presidente do Peru, Pedro Castillo, decretou toque de recolher nesta terça-feira (5) em Lima e na cidade de Callao, em uma tentativa de conter protestos contra o preço de combustíveis que têm paralisado cidades do país desde segunda-feira (4). A população, porém, reagiu desafiando as restrições, e o presidente as suspendeu antes do prazo determinado, após se reunir com congressistas.

A medida, que determinava que os 10 milhões de habitantes de Lima e Callao permanecessem em casa durante todo o dia, provocou críticas de analistas por ser considerada desproporcional e autoritária.

"Diante dos atos de violência que alguns grupos tentaram criar [...] e para restabelecer a paz e a ordem interna [...], o Conselho de Ministros aprovou declarar a imobilidade cidadã [toque de recolher] das 2h até as 23h59 do dia 5 de abril para resguardar a segurança cidadã", afirmou o esquerdista Castillo em uma mensagem ao país exibida na televisão perto da meia-noite de segunda-feira.

Manifestantes em confronto com a polícia em protesto em Lima contra Pedro Castillo e o toque de recolher imposto pelo presidente - Sebastián Castañeda/Reuters

Milhares de pessoas desafiaram as restrições e foram às ruas desde o começo da manhã, apesar da falta de transporte público, para ir ao trabalho —sem serem interrompidos por militares ou policiais— ou se juntar a protestos contra o presidente. Nos atos, confrontos pontuais com as forças de segurança foram registrados.

Ao meio-dia, panelaços foram ouvidos em Miraflores, San Isidro e outras regiões de Lima, e algumas cidades mantiveram bloqueios nas ruas. Em meio à insatisfação generalizada, Castillo decidiu antecipar o fim da medida, com um anúncio feito pouco após as 17h do horário local (19h em Brasília). "Estamos dispostos a conversar e estudar uma saída conjunta para esse cenário", disse, ao chegar a encontro com parlamentares.

"Faço um apelo por calma. O protesto social é um direito constitucional, mas deve acontecer dentro da lei", disse Castillo ao Congresso.

O presidente havia anunciado o toque de recolher uma semana após evitar uma moção de vacância, na qual opositores o acusaram de incapacidade moral para governar e de ser conivente com casos de corrupção na gestão do país. ​

Antes da suspensão da medida, o primeiro-ministro peruano, Anibal Torres, havia dito em entrevista a um jornal local que, caso os protestos não cessassem, o governo estava disposto a ampliar o toque de recolher. "Se a situação persistir, poderá ser estendida para o resto do país", afirmou. "Mas espero que que as pessoas entendam o recado e não mais aceitem atos de vandalismo."

Episódios de violência, incluindo incêndios em postos de pedágio nas estradas, saques em lojas e confrontos entre manifestantes e policiais, foram registrados durante a segunda-feira em vários pontos do país, na primeira onda de atos enfrentada pelo governo Castillo, que assumiu o cargo há oito meses —e desde então enfrenta sucessivas crises políticas, que até aqui não se refletiram em grandes atos de rua.

Os protestos, motivados pelo aumento dos preços dos combustíveis e de alimentos, aconteceram em Lima e nas regiões de Piura, Chiclayo, La Libertad, Junín, Ica, Arequipa, San Martín, Amazonas e Ucayali, entre outras. As aulas também foram suspensas devido às restrições nos transportes públicos.

A partida entre Flamengo e Sporting Cristal, pela primeira rodada da fase de grupos da Libertadores, chegou a ser suspensa pelo Instituto Peruano de Esportes, por causa do toque de recolher, mas, com a antecipação do fim das restrições, foi confirmada para a noite de terça.

A restrição foi determinada em um momento em que a economia tenta superar os prejuízos provocados pela Covid e coincide com o 30º aniversário do autogolpe cometido por Alberto Fujimori em 5 de abril de 1992. A medida recebeu manifestações de repúdio.

"O toque de recolher para restabelecer a ordem é uma medida autoritária do governo Pedro Castillo que demonstra inépcia, incapacidade para governar. É como acabar com os acidentes de trânsito proibindo a circulação de veículos", disse à agência de notícias AFP o analista político Luis Benavente.

Postos de pedágio destruídos em estrada para Lima durante greve nacional em Ica, no Peru
Postos de pedágio destruídos em estrada para Lima durante greve nacional em Ica, no Peru - Sebastian Castañeda - 4.abr.22/Reuters

"A medida determinada pelo presidente é abertamente inconstitucional, desproporcional e viola o direito à liberdade individual das pessoas", afirmou no Twitter o advogado Carlos Rivera, um dos defensores das vítimas do governo Fujimori. A jornalista Rosa María Palacios também se manifestou: "Perto da meia-noite não há como informar e ser informado. Uma medida tão radical, que viola todos os direitos e é desproporcional, revela apenas que o governo perdeu todo o controle da ordem pública".

A União de Sindicatos de Transporte Multimodal do Peru critica a alta dos preços dos combustíveis e dos pedágios. A greve de seus afiliados deveria prosseguir. Em uma tentativa de reduzir as críticas, o governo eliminou no fim de semana o imposto sobre os combustíveis.

Castillo também decretou o aumento de 10% do salário mínimo, que subirá para 1.025 soles (US$ 277) a partir de 1º de maio. A Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), principal central sindical do país, rejeitou o percentual do aumento, considerado insuficiente, e convocou protestos para quinta-feira.

Castillo registra índice de desaprovação de 66%, segundo uma pesquisa do instituto Ipsos.

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