O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou nesta quinta-feira (14) uma das políticas de imigração mais controversas de sua gestão até aqui. O governo vai enviar imigrantes que entram no país de forma irregular para buscar asilo em Ruanda, país a 7.000 quilômetros de distância, no centro do continente africano, e que tem o 160º pior índice de desenvolvimento humano do mundo.
A justificativa oficial é dificultar a vida de organizações criminosas que praticam tráfico humano. Na prática, porém, a medida é um aceno ao eleitorado do Partido Conservador, que se opõe a políticas de imigração e que o elegeu para levar a cabo o processo do brexit, em 2016.
Boris quase deixou o cargo de primeiro-ministro no começo do ano após se ver atolado em denúncias de desrespeito a regras de quarentena durante a pior fase da Covid no país e perdeu o apoio de membros de seu próprio partido. Na última terça (12), foi multado pela polícia londrina, o que reacendeu a polêmica.
"Devemos garantir que o único caminho para asilo no Reino Unido seja seguro e legal", disse o primeiro-ministro em um discurso em Kent, no sudeste da Inglaterra, onde milhares de imigrantes em pequenos barcos desembarcam após cruzarem o Canal da Mancha. "Aqueles que tentam pular a fila ou abusar de nossos sistemas não encontrarão um caminho automático para se instalar em nosso país, mas serão rápida e humanamente removidos para um terceiro país seguro ou para o seu país de origem", afirmou.
A medida tem até efeito retroativo: qualquer um que tenha chegado de forma irregular ao Reino Unido desde 1º de janeiro pode agora ser realocado para Ruanda, disse o primeiro-ministro. "O acordo que fizemos não tem limite, e Ruanda terá capacidade de reassentar dezenas de milhares de pessoas nos próximos anos."
Para colocar de pé a medida, a Marinha Real Britânica vai assumir o comando da operação com refugiados no Canal da Mancha e o Executivo vai investir 50 milhões de libras (R$ 307 milhões) em pessoal e equipamentos como helicópteros, aviões e drones.
Boris reconheceu que a medida enfrentará desafios legais, mas disse que a parceria está "totalmente em conformidade" com as obrigações do direito internacional. O Reino Unido deve contribuir com um montante inicial de 120 milhões de libras (R$ 738 milhões) ao governo de Ruanda.
O secretário de Estado do País de Gales, Simon Hart, disse em entrevista que os principais atingidos pela medida são homens jovens e solteiros. "Há um conjunto diferente de problemas com mulheres e crianças."
O anúncio atraiu críticas. A ex-deputada trabalhista Yvette Cooper afirmou que a medida é "impraticável e antiética". Há preocupações também com o histórico de abuso de direitos humanos em Ruanda, reconhecidos pelo próprio governo britânico no ano passado. Lewis Mudge, diretor da ONG Human Rights Watch para a África Central, disse que "refugiados foram abusados em Ruanda, e o governo já sequestrou refugiados ruandeses fora do país para trazê-los de volta para enfrentar julgamentos e maus-tratos".
O diretor geral da ONG Refugee Action, Tim Naor Hilton, afirmou que a medida tem uma "forma covarde, bárbara e desumana de tratar as pessoas que fogem de perseguições e guerras". Enver Solomon, executivo-chefe do Conselho de Refugiados, que defende os direitos de imigrantes, afirmou que o plano anunciado viola o princípio de conceder aos requerentes de asilo uma audiência justa em solo britânico.
Nesta quinta, Boris disse que Ruanda é "um dos países mais seguros do mundo". Em 2021, mais de 28 mil migrantes e refugiados fizeram a travessia da Europa continental para o Reino Unido, número que vem crescendo ano após ano: foram 8.466 travessias em 2020 e 299 em 2018, segundo o Ministério do Interior.
A chegada em barcos precários tem sido fonte de tensão entre França e Reino Unido, que cresceu ainda mais desde novembro, quando 27 imigrantes se afogaram na travessia. "Cerca de 600 pessoas cruzaram o Canal da Mancha ontem. Em algumas semanas, isso pode chegar novamente a mil por dia", disse Boris.
A ministra do Interior, Priti Patel, assinou o acordo de parceria com o governo ruandês em Kigali, capital do país africano, nesta quinta. Em entrevista a jornalistas no momento do anúncio, o chanceler ruandês, Vincent Biruta, afirmou que a história recente de Ruanda tem "uma conexão profunda com a situação daqueles que buscam segurança e oportunidade em uma nova terra". O país já recebeu cerca de 130 mil refugiados de países como República Democrática do Congo, Burundi, Afeganistão e Líbia, segundo ele.
Imigrantes serão alocados de forma temporária em albergues e hotéis enquanto aguardam o trâmite legal de pedido de asilo. Houve resistência também no meio político em Ruanda. A líder da oposição, Victoire Ingabire, afirmou que o país é hospitaleiro, mas deve primeiro resolver seus problemas internos.
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