Descrição de chapéu oriente médio

Turquia transfere caso Khashoggi para Arábia Saudita, em decisão que pode encerrá-lo

Mudança no julgamento é vista como passo à impunidade dos suspeitos de assassinar e desmembrar jornalista em 2018

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São Paulo

A Justiça da Turquia decidiu nesta quinta-feira (7) suspender o julgamento dos suspeitos sauditas pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi para que o caso prossiga na Arábia Saudita.

A decisão foi condenada por grupos de direitos humanos e ocorre no momento em que o governo turco busca fortalecer laços com o regime saudita. O movimento, no entanto, era esperado, depois de o promotor responsável pelo caso Khashoggi pedir na semana passada que o julgamento à revelia de 26 suspeitos sauditas fosse transferido de Istambul para Riad sob a justificativa de que o processo não avançava devido à impossibilidade de aplicar as ordens do tribunal, já que os suspeitos não são turcos.

O pedido, feito inicialmente pela Arábia Saudita, foi endossado pelo ministro da Justiça.

Cartaz com a foto do jornalista saudita Jamal Khashoggi durante funeral simbólico
Cartaz com a foto do jornalista saudita Jamal Khashoggi durante funeral simbólico - Bulent Kilic - 16.nov.18/AFP

O assassinato do jornalista no consulado da Arábia Saudita em Istambul há quatro anos gerou repercussão global e pressão sobre o príncipe herdeiro da monarquia saudita, Mohammed bin Salman —conhecido como MBS. Autoridades turcas disseram acreditar que Khashoggi, crítico do príncipe e colunista do jornal The Washington Post, foi morto e teve o corpo desmembrado em operação que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse ter sido ordenada nos "níveis mais altos" do regime saudita.

MBS chegou a admitir responsabilidade pelo crime por ter ocorrido sob sua "vigilância", mas disse não ter se envolvido diretamente. A narrativa oficial saudita atribui o assassinato a agentes desonestos da monarquia. O príncipe deve vir ao Brasil em maio para se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A decisão desta quinta marca, portanto, uma mudança brusca no julgamento iniciado em 2020. "Tomar a decisão de suspender [o processo] é contra a lei, porque a decisão de absolvição dos réus na Arábia Saudita já foi finalizada", disse Gokmen Baspinar, advogado que representa Hatice Cengiz, noiva de Khashoggi. "O fato de o julgamento estar sendo transferido para um país onde não há justiça é um exemplo de irresponsabilidade contra o povo turco."

Cengiz acompanhou o noivo ao consulado saudita em outubro de 2018. Ela ficou do lado de fora do prédio enquanto Khashoggi entrou para retirar documentos para o casamento dos dois —e não mais saiu.

À agência de notícias Reuters disse estar triste com a decisão desta quinta, que classificou de "política". "O caso estava lentamente parando em audiências anteriores. Comecei a ficar desesperada, mas não esperava tal decisão. A Arábia Saudita é um país onde sabemos não haver justiça."

Cengiz afirmou ainda que continuará buscando justiça. "Se você está perseguindo algo em que acredita, tem que correr o risco de ser isolado", disse. "No início, a Turquia também estava envolvida com todas as suas instituições. Esse não é mais o caso, mas mantenho minha posição". Diante do tribunal, afirmou que vai apresentar um recurso para tentar mudar a decisão. "Sabemos que as autoridades [sauditas] não farão nada. Como podemos imaginar que os assassinos investigarão eles mesmos?"

Para Erol Önderoglu, representante da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em Istambul, a decisão "envia um sinal assustador sobre o respeito que a Turquia concede à liberdade de imprensa". Antes do pedido da promotoria ser aceito, a ONG Human Rights Watch já via a decisão como problemática.

"Acabaria com qualquer possibilidade de justiça e reforçaria a aparente crença das autoridades sauditas de que podem escapar impunes", disse Michael Page, vice-diretor da entidade no Oriente Médio.

Em 2020, a Arábia Saudita condenou oito pessoas a penas de 7 e 20 anos pelo assassinato de Khashoggi. Nenhum dos réus, porém, teve a identidade revelada, o que grupos de direitos humanos descreveram como parte de um julgamento simulado. Um relatório de inteligência dos Estados Unidos divulgado no ano passado concluiu que o príncipe Mohammed aprovou a operação para matar ou capturar Khashoggi.

O regime nega qualquer envolvimento de MBS e rejeita as conclusões do relatório.

O assassinato em território turco e as acusações subsequentes azedaram as relações entre Turquia e Arábia Saudita e levaram os sauditas a um boicote não oficial de produtos turcos —o que representou uma queda de 90% nas exportações de Ancara a Riad. Em 2018, Erdogan negou com veemência a intenção de entregar provas do caso à Arábia Saudita. "Eles acham que o mundo é burro. Essa nação não é burra e sabe como responsabilizar as pessoas", disse, à época.

Desde o ano passado, porém, o governo turco tem tentado curar as feridas da relação, em parte devido ao anseio por investimentos que possam impulsionar a economia. Em março, Erdogan disse que a Turquia tem um "diálogo positivo" com a Arábia Saudita e que queria tomar medidas concretas para aprofundar os laços. Depois, os chanceleres dos dois países se encontraram e concordaram com uma aproximação.

Nascido em 1958, Jamal Khashoggi foi criado junto à elite da Arábia Saudita e, por isso, tinha acesso privilegiado à família real. Mas a proximidade com o poder não fez com que ele perdesse o senso crítico.

No início dos anos 2000, ficou conhecido pelas palavras duras contra a monarquia, incluindo opiniões sobre políticas religiosas do regime. Khashoggi foi editor-chefe dos jornais sauditas Al Madina (década de 1990) e Al-Watan (início dos anos 2000). Mais tarde, colaborou com os canais de TV BBC, Al Jazeera e Dubai TV. Ele se exilou nos EUA em 2015 e era colunista do Washington Post quando foi assassinado.

Com AFP e Reuters

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