Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Zelenski cita corpos em Butcha como obstáculo para paz e considera conversa com Putin improvável

Presidente da Ucrânia chama cenário de imperdoável e sinaliza que só haverá avanços se a Rússia admitir massacre

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São Paulo

O presidente da Ucrânia disse nesta terça (5) que, embora o diálogo com a Rússia seja o único meio de encerrar a guerra que já dura 41 dias, uma conversa direta com Vladimir Putin estaria fora de cogitação.

Durante entrevista a jornalistas ucranianos, Volodimir Zelenski voltou a citar o que chamou de genocídio em Butcha como um obstáculo nas negociações de paz. Em visita à cidade onde centenas de corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada de tropas russas, o líder ucraniano já havia dito que era "difícil conversar" depois de ver o cenário de massacre.

Corpo de homem semienterrado em vala comum de Butcha, na Ucrânia - Ronaldo Schemidt - 4.abr.22/AFP

"Todos nós, inclusive eu, perceberemos até mesmo a possibilidade de negociações como um desafio", disse Zelenski. "O desafio é interno, antes de tudo, o próprio desafio humano. Então, quando você se recompõe e tem que fazer isso, acho que não temos outra escolha."

Mas depois de descrever os eventos de Butcha como imperdoáveis, Zelenski disse que Ucrânia e Rússia devem tomar a difícil decisão de prosseguir com as negociações, ainda que tenha sinalizado que só haverá avanços nesse sentido se Moscou reconhecer o que suas tropas fizeram.

Essa possível admissão por parte da Rússia é altamente improvável. Desde que as imagens dos cadáveres em Butcha começaram a circular no sábado (2), Moscou culpou "radicais ucranianos", chamou a divulgação de "provocação" e reforçou o discurso de que não ataca civis de maneira deliberada.

A diplomacia russa afirmou ainda que encaminharia ao Conselho de Segurança das Nações Unidas evidências empíricas para comprovar "a farsa de Kiev e seus patrocinadores no Ocidente".

Nesta terça, Moscou fez novas investidas contra o que chama de "fake news" da Ucrânia. "Estas são falsificações maturadas na imaginação cínica da propaganda ucraniana", publicou no aplicativo Telegram Dmitri Medvedev, ex-presidente e atual vice-secretário do Conselho de Segurança da Rússia.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, acompanhado de seguranças durante visita a Butcha - Presidência da Ucrânia - 4.abr.22/AFP

Segundo ele, Kiev teria recebido grandes quantias de dinheiro de empresas ocidentais de relações públicas e de organizações não governamentais para tentar incriminar Moscou. "Para desumanizar a Rússia e para sua máxima difamação, as feras frenéticas dos batalhões nacionais e unidades de defesa territorial estão preparadas para matar até seus próprios civis", afirmou, sem apresentar provas.

Em um comunicado, o Ministério da Defesa russo disse ter evidências de que o Centro de Operações Psicológicas da Ucrânia "encenou uma filmagem de civis supostamente mortos pelas ações violentas das Forças Armadas russas". As evidências, no entanto, não foram divulgadas nem detalhadas, mas a pasta acusa Kiev de tentar fazer o mesmo em cidades como Sumi e Konotop, onde autoridades locais dizem que tropas russas deixaram rastro de mortos e torturados após se retirarem.

"É simplesmente um bem dirigido, mas trágico, show", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, em entrevista coletiva. "É uma farsa que busca difamar o Exército russo e não vai funcionar."

Peskov pediu ainda que a comunidade internacional se "desapegue de percepções emotivas e pense com a cabeça". "Comparem os fatos e entendam a farsa monstruosa com a qual vocês estão lidando".

Segundo ele, a mídia ocidental tem produzido uma narrativa excessivamente parcial sobre a guerra da Ucrânia e ignorado as preocupações da Rússia contra os avanços da Otan (aliança militar liderada pelos EUA). "O Ocidente fechou olhos e ouvidos e não quer ouvir mais nada", afirmou.

Um dos argumentos do Kremlin se baseia no fato de que as forças russas se retiraram de Butcha em 30 de março. O prefeito declarou a cidade livre dos invasores no dia seguinte, mas os cadáveres só foram exibidos no último fim de semana. Segundo Moscou, os corpos mostrados em algumas imagens não apresentavam sinais característicos da degradação que teriam sofrido após ficarem expostos por dias.

Análise feita pelo jornal americano The New York Times com base em imagens de satélite da empresa Maxar, porém, mostra que ao menos 11 corpos estariam nas ruas de Butcha já durante a ocupação russa.

Imagens de satélite da Maxar Technologies mostram a rua Iablonska, em Butcha, nos dias 28.fev (no alto) e 19.mar, com a marcação (destaque) do que seriam corpos - Maxar Technologies/The New York Times

A reportagem comparou um vídeo publicado por um ucraniano no último sábado, na rua Iablonska, com fotos de satélite do dia 11 de março —objetos compatíveis com o tamanho de uma pessoa podiam ser vistos nos mesmos locais em que o vídeo mostrava corpos.

Ou seja, as vítimas teriam ficado expostas nas ruas por mais de três semanas. Outra análise, comparando um vídeo com imagens de satélite captadas entre os dias 20 e 21, identificou três corpos próximos a uma bicicleta e um carro abandonado.

Retaliação diplomática

Mais quatro países europeus anunciaram nesta terça a expulsão de diplomatas da Rússia em retaliação contra a guerra na Ucrânia e, em especial, contra os acontecimentos em Butcha. "A medida está em acordo com outros parceiros europeus e do Atlântico e é necessária por razões ligadas à nossa segurança nacional", disse o chanceler italiano, Luigi Di Maio, ao anunciar a expulsão de 30 diplomatas russos.

O ministro das Relações Exteriores espanhol, Jose Manuel Albares, fez declaração semelhante e disse que os 25 russos expulsos de Madri "representam uma ameaça aos interesses e à segurança" da Espanha.

Na Dinamarca, a medida atingiu 15 representantes de Moscou. O chanceler Jeppe Kofod se referiu aos acontecimentos em Butcha como "outro exemplo de brutalidade, crueldade e crimes de guerra" e justificou a expulsão como "um sinal claro para a Rússia de que espionagem em solo dinamarquês é inaceitável".

Na Suécia, a espionagem também foi o motivo alegado para a expulsão de três diplomatas russos. Segundo a chanceler Ann Linde, os alvos da medida "não estavam seguindo a Convenção de Viena e estavam conduzindo operações ilegais de inteligência".

Questionado sobre os anúncios feitos pelos países europeus, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, descreveu as decisões como lamentáveis e disse que, inevitavelmente, elas levarão a respostas recíprocas de Moscou.

Na segunda-feira (4), Alemanha e França anunciaram medidas semelhantes. O número exato de diplomatas afetados não foi divulgado, mas, segundo a agência de notícias AFP, foram 40 de Berlim e 35 de Paris. Moscou também prometeu respostas à altura e alertou sobre a deterioração das relações entre os países.

A Casa Branca anunciou, também na segunda-feira, que vai impor novas sanções contra a Rússia na próxima semana, mas o presidente Joe Biden não deu detalhes quando questionado sobre o que haveria de novo no novo pacote de retaliações.

Em seu pronunciamento diário aos ucranianos, Zelenski disse ter observado a reação dos "líderes do mundo democrático", mas a considerou tardia. "Era realmente necessário esperar por isso para rejeitar dúvidas e indecisão? Centenas [de pessoas] do nosso povo realmente tiveram que morrer em agonia para que alguns líderes europeus finalmente entendessem que o Estado russo merece a pressão mais severa?".

Zelenski fez nesta terça um discurso ao Conselho de Segurança da ONU. Ele pediu que os países-membros do colegiado excluam o poder de veto da Rússia —o país de Vladimir Putin é um dos cinco membros permanentes e, assim, pode barrar medidas. "Isso mina toda a arquitetura da segurança global e permite que eles [os russos] fiquem impunes", disse, em mensagem de vídeo.

O presidente ucraniano também deve receber ainda nesta semana, em Kiev, duas das principais lideranças da União Europeia: Ursula von der Leyen, presidente do Executivo do bloco, e Josep Borrell, chefe da diplomacia. A UE anunciou na segunda-feira a abertura de um inquérito, em conjunto com a Ucrânia, para apurar as circunstâncias do cenário de massacre visto em Butcha.

Com Reuters

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