Bolsonaro decide ir à Cúpula das Américas e fará reunião bilateral com Biden

Diante de possível esvaziamento do evento, EUA mandaram emissário ao Brasil para convencer presidente a viajar

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu participar da Cúpula das Américas, encontro de líderes do continente que ocorrerá em junho, em Los Angeles —o Itamaraty e o próprio mandatário confirmaram a informação, publicada inicialmente pelo jornal O Globo.

Com a ida aos EUA, está prevista também uma reunião com Joe Biden, à margem do evento. "Foi acertado, terei [reunião] bilateral com ele [Biden]. Irei lá [EUA] fazer valer o que o Brasil representa para o mundo", disse o presidente brasileiro nesta quinta-feira (26). Bolsonaro também afirmou que, na reunião do G20, no ano passado, realizada em Roma, Biden o tratou como se ele "não existisse".

"Quando entrou o Biden, de minha parte não mudei política com ele. Encontrei com ele no G20, passou como se eu não existisse. Foi o tratamento dele com todo mundo, não sei se é a idade." Biden tem 79 anos e Bolsonaro, 67.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 25.mai.22/Reuters

O mandatário recebeu na terça-feira (24) um emissário do governo americano, o ex-senador Christopher Dodd, que viajou a Brasília com a missão de convencer o chefe do Executivo brasileiro a participar do evento.

Bolsonaro havia sinalizado que poderia faltar à cúpula, o que gerou o temor de esvaziamento do encontro —o líder do México, Andrés Manuel López Obrador, também sinalizou que não pretende comparecer caso os líderes de Cuba, Nicarágua e Venezuela não sejam convidados.

No caso do líder brasileiro, a resistência em sair do país era devido ao cenário interno. Em pré-campanha pela reeleição, ele afirmou a aliados que a prioridade nos próximos meses é a agenda doméstica.

Já a reunião com o presidente americano à margem da cúpula, uma maneira que os EUA encontraram para convencer Bolsonaro a viajar, era, ao mesmo tempo, desejada por membros do Planalto para reforçar o argumento de que o Brasil na verdade não está isolado internacionalmente e vista como algo de pouco valor eleitoral, porque o presidente é aliado declarado do antecessor de Biden, Donald Trump.

Nas eleições presidenciais americanas de 2020, Bolsonaro foi um dos últimos líderes a cumprimentar o democrata e, em diversas declarações, colocou em dúvida a vitória dele, endossando as acusações do ex-presidente americano, sem base na realidade, de que teria havido fraude no pleito em 2020.

Assim, críticas anteriores dos EUA em relação à preservação da Amazônia e pedidos reiterados de compromisso com a democracia criaram rusgas entre Bolsonaro e Biden. No início de maio, por exemplo, a agência de notícias Reuters divulgou que William Burns, diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, teria dito a autoridades de alto escalão do governo brasileiro que o mandatário deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação, o que teria desagradado a cúpula do Planalto.

Assessores do líder brasileiro argumentam que, no caso de uma reunião bilateral, Biden pode renovar uma cobrança do tipo —o que, mesmo em termos genéricos, seria combustível para opositores. Do lado americano, interlocutores dizem que os EUA não têm intenção de criar constrangimentos.

A Cúpula das Américas, no entanto, terá cinco assuntos prioritários, e a defesa da democracia deverá ser o principal, de acordo com Debbie Mucarsel-Powell, conselheira especial para o evento. Em debate realizado pelo centro de estudos Atlantic Council, ela afirmou que o encontro vai "perseguir uma agenda regional centrada em nosso apoio compartilhado à democracia e aos direitos humanos".

Para o mexicano AMLO, a presença na reunião em Los Angeles foi condicionada ao convite dos americanos aos governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, ditaduras consideradas párias por Washington.

Os convites estão de fato fora de cogitação, como mostrou declaração de Kevin O'Reilly, coordenador da cúpula, a um comitê do Senado. Ao ser questionado nesta quinta (26) sobre a participação de autoridades do regime de Nicolás Maduro, disse: "De jeito nenhum. Não os reconhecemos como governo soberano".

A fala contrasta com movimentos anteriores da Casa Branca, que acenavam para uma aproximação com os regimes de Venezuela e Cuba. Há dez dias, os EUA flexibilizaram sanções e restrições contra Havana e Caracas, em outro esforço de Biden para tentar dobrar a resistência do presidente mexicano.

Antes, ainda, Washington chegou a considerar um convite a representantes de Cuba, desde que os enviados tivessem status inferior ao do ministro de Relações Exteriores. Para os EUA, realizar o encontro no país sem os governantes de Brasil e México, as duas maiores economias da América Latina, seria um fiasco diplomático e reforçaria a imagem de que o país não tem o protagonismo de outrora.

A 9ª edição da Cúpula das Américas, organizada pelos EUA, foi idealizada como uma forma de simbolizar o retorno da liderança em assuntos latino-americanos sob comando do democrata. Durante a Presidência de Donald Trump, a região ficou em segundo plano, e o republicano chegou a faltar ao evento em 2018, tornando-se o primeiro líder americano a negligenciar o encontro.

No Itamaraty, diplomatas veem no risco de esvaziamento da cúpula uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada. Após meses de atritos entre os governos de EUA e Brasil, pela primeira vez o americano se encontra numa situação de dificuldade em que precisa da colaboração de Bolsonaro. De acordo com interlocutores, o presidente brasileiro está numa posição em que pode exigir gestos dos americanos.

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