China exibe localização de usuário e aumenta controle sobre internet no país

Estratégia vem sendo usada para combater campanhas e informações vindas do exterior

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Joy Dong
The New York Times

Durante anos, os censores chineses utilizaram ferramentas já conhecidas para controlar a internet no país. Deletaram posts, suspenderam contas, bloquearam senhas e detiveram os internautas mais críticos.

Agora estão experimentando um truque novo: exibir a localização dos usuários de redes sociais embaixo de seus posts. As autoridades dizem que as tags de localização, exibidas automaticamente, vão ajudar a trazer à tona campanhas de desinformação lançadas do exterior com a finalidade de desestabilizar o país.

Pessoas usam smartphones em loja da Huawei em Shenzhen, na China
Pessoas usam smartphones em loja da Huawei em Shenzhen, na China - Aly Song/Reuters

Na prática, elas fornecem munição a disputas virtuais que, cada vez mais, vinculam a localização de cidadãos chineses à sua lealdade nacional. Chineses que postam de fora do país, ou até de províncias vistas como pouco patrióticas, viram alvos fáceis de ataques online de influenciadores nacionalistas.

As tags são baseadas no endereço de IP (protocolo da internet) de um usuário, que pode revelar onde a pessoa está. Foram aplicadas inicialmente a posts que mencionavam a Guerra da Ucrânia, um tópico que, segundo as autoridades, estava sendo manipulado com propaganda estrangeira. Agora, seu uso está sendo ampliado para a maior parte dos conteúdos nas redes sociais, enfraquecendo ainda mais a livre expressão numa internet chinesa dominada pela censura e isolada do mundo.

A iniciativa assinala um novo passo num esforço realizado há uma década para acabar com o anonimato online e aumentar o controle sobre o uso da internet. Nos últimos meses, os censores têm tido dificuldade de controlar as manifestações contrárias aos lockdowns para conter as infecções de Covid.

O objetivo é rebater as queixas e assegurar uma narrativa mais "uniforme", disse Zhan Jiang, professor aposentado de jornalismo e comunicações na Universidade de Estudos Internacionais de Pequim.

O governo muitas vezes tem recorrido a trolls nacionalistas, perfis que fazem ataques e comentários provocativos e acabam dominando o discurso nas redes sociais chinesas. Pessoas que escrevem de Xangai, onde lockdowns mal administrados têm resultado na escassez de alimentos, são tachadas de egoístas. Pessoas que criticam o governo e estão em outras províncias costeiras próximas a Taiwan e Hong Kong vêm sendo chamadas de separatistas e golpistas.

Pessoas que parecem escrever do exterior são tratadas como agitadoras e espiãs estrangeiras. Depois de serem denunciadas pelos trolls, algumas contas são deletadas pelas plataformas por violarem "regulamentos da comunidade". A estudante chinesa Blau Wang, que vive na Alemanha, disse que desde que as mudanças entraram em vigor ela se abstém de postar opiniões críticas, em parte por medo de ser denunciada pelos trolls e ser banida pelo Weibo, rede social chinesa semelhante ao Twitter.

"Não postei nada por um tempo", disse ela. "O ambiente é voltado a atacar usuários estrangeiros."

Blau teve medo de represálias de contas como a Li Yi Bar, grupo nacionalista com mais de 1 milhão de seguidores que listou dezenas de usuários considerados críticos com endereços de IP no exterior.

As páginas de seus usuários foram cobertas de insultos de um exército de trolls. Muitos dos atacados desabilitaram comentários, trocaram seus nomes de usuário ou simplesmente pararam de postar. Poucos responderam abertamente às acusações, embora uma tenha escrito que o fato de estar estudando no exterior não a impede de se importar com a China.

"Cada vez mais pessoas estão supondo as motivações de outros usuários baseadas apenas em seus endereços de IP", disse Fang Kecheng, professor de mídia na Universidade Chinesa de Hong Kong. "Isso torna o diálogo aberto cada vez mais difícil."

Longe das brigas online, muitos manifestam preocupação com a nova política. A estratégia elimina a pretensão de privacidade que parece prevalecer online na China, apesar de o governo já ter passado anos fazendo tudo para que possa identificar a pessoa real responsável por qualquer conta anônima.

Uma hashtag pedindo para a tag de localização ser revogada prontamente acumulou 8.000 posts e foi vista mais de 100 milhões de vezes antes de ser censurada, no final de abril. Em março, um estudante universitário na província de Zhejiang moveu uma ação contra a plataforma social chinesa Weibo por vazar dados pessoais sem seu consentimento quando a plataforma mostrou sua localização automaticamente. Outros usuários chamaram a atenção para a hipocrisia da prática, dado que celebridades, contas governamentais e o executivo-chefe do Weibo foram isentos das tags de localização.

Apesar das reações, as autoridades assinalaram que é provável que as mudanças sejam mantidas. Um artigo na publicação estatal China Comment argumentou que as tags são necessárias "para decepar a mão negra que manipula as narrativas por trás do cabo da internet".

Uma norma provisória da Administração do Ciberespaço chinesa, que regula a internet no país, estipula que os endereços de IP dos usuários precisam ser mostrados "com destaque".

"Se a censura visa as mensagens e aqueles que enviam as mensagens, esse mecanismo está realmente influenciando o público", comentou Han Rongbin, professor de mídia e política na Universidade da Georgia.

Com o agravamento das relações entre EUA e China, além da propaganda política que atribui a insatisfação na China a forças estrangeiras perversas, Han disse que a nova política pode ser eficaz para eliminar críticas. "A preocupação em evitar ingerência estrangeira é uma tendência no momento. É por isso que as tags de localização funcionam melhor que censura", disse ele. "As pessoas acreditam."

Tradução de Clara Allain

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