Escassez de fórmula infantil nos EUA deixa pais desesperados

Problemas na cadeia de fornecimento deixam prateleiras vazias e obrigam famílias a racionar alimento dos filhos

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Edgar Sandoval Amanda Morris Madeleine Ngo
San Antonio | The New York Times

Na terça (10), ​Maricella Marquez deu à filha de três anos uma porção menor que a habitual da fórmula infantil que a menina precisa para seguir saudável —ela sofre de uma doença esofágica alérgica rara.

A família vive nos arredores de San Antonio, no sul do Texas, uma das cidades mais atingidas pela crise nacional de oferta de fórmula infantil que está deixando pais sem saber como alimentar o filhos.

Em San Antonio, 56% do volume normal do produto estava esgotado na terça, segundo a empresa de softwares varejistas Datasembly. Na cidade de população majoritariamente hispânica, muitas mães não têm seguro-saúde e trabalham em empregos que lhes dão poucas oportunidades para amamentar.

As prateleiras estão quase vazias, e ONGs estão trabalhando para ter acesso a novos estoques.

Prateleiras vazias mostram falta de fórmula infantil em uma loja em San Antonio, Texas
Prateleiras vazias mostram falta de fórmula infantil em uma loja em San Antonio, Texas - Kaylee Greenlee Beal/Reuters

A falta de fórmula infantil se agravou neste ano devido ao recall de uma marca, depois de quatro bebês serem hospitalizados com infecção bacteriana e pelo menos dois terem morrido. O recall foi exacerbado por problemas constantes na cadeia de fornecimento, além da escassez de mão de obra.

A pesquisa da Datasembly constatou que o índice nacional de falta de fórmula infantil no mercado chegou a 43% na semana que terminou no domingo (8), um aumento de 10% em relação a abril.

Republicanos estão aproveitando a situação para criticar o presidente Joe Biden, argumentando que a administração não tem feito o suficiente para elevar a produção. Na terça-feira, o senador Mitt Romney enviou uma carta à FDA (Agência de Alimentos e Drogas) e ao Departamento de Agricultura dizendo que as autoridades federais vêm demorando demais a responder ao problema.

A FDA informou que as autoridades estão trabalhando com a Abbott Nutrition, empresa envolvida com o recall, para reiniciar a produção em sua fábrica em Sturgis, no estado de Michigan.

"Reconhecemos que muitos consumidores não têm conseguido comprar fórmula infantil e alimentos médicos cruciais que estão acostumados a usar —e que estão frustrados com isso", disse o comissário da FDA, Robert M. Califf, em comunicado. "Estamos fazendo tudo ao nosso alcance para que haja produtos adequados disponíveis onde e quando são necessários."

Muitas mães dizem que estão racionando o alimento. Algumas dirigem horas para buscar fórmula, mas se deparam com prateleiras vazias. Vendedores online estão cobrando preços extorsivos, chegando ao dobro ou triplo do normal, e grandes redes varejistas estão com os estoques totalmente esgotados.

Desde o fechamento da fábrica da Abbott Nutrition em Sturgis, outros fabricantes vêm se esforçando para aumentar a produção rapidamente, de acordo com Rudi Leuschner, professor de administração de redes de fornecimento na Rutgers Business School. "Algumas indústrias conseguem baixar ou elevar seus níveis de produção muito rapidamente", diz. "Basta pressionar um interruptor e elas produzem dez vezes o volume normal. Mas a fórmula infantil não é esse tipo de produto."

Além dos problemas maiores da cadeia de fornecimento que emergiram na pandemia, como falta de mão de obra e dificuldade em acessar matérias-primas, o problema pode estar sendo agravado pelas compras movidas pelo pânico, segundo Leuschner. A Abbott Nutrition disse que está fazendo tudo o que pode, incluindo aumentar a produção em suas outras fábricas e importar produtos de sua unidade na Irlanda.

Mas, para pais que estão sendo obrigados a dar menos alimento aos bebês do que eles precisam, mesmo uma escassez temporária é apavorante. Alguns estão pesquisando na internet receitas caseiras, mas especialistas avisam que elas podem não incluir nutrientes vitais —e até trazer outros riscos.

"Também recomendamos não diluir a fórmula demais, porque isso pode prejudicar o equilíbrio nutricional da criança", diz Kelly Bocanegra, gerente de programa do programa federal Mulheres, Bebês e Crianças na região metropolitana de San Antonio. No Hospital Infantil da cidade, médicos vêm incentivando as mães de recém-nascidos a amamentar seus filhos o máximo possível e extrair mais leite materno com bomba.

Ashley Aguirre alimenta seu filho de 1 mês, Deandrew Colins, em sua casa em San Antonio
Ashley Aguirre alimenta seu filho de 1 mês, Deandrew Colins, em sua casa em San Antonio - Kaylee Greenlee Beal/The New York Times

Mas algumas mães não conseguem amamentar, por terem leite insuficiente ou por outros problemas —muitas trabalham em setores como o varejista ou em empregos mal pagos e não têm condições econômicas para tirar o tempo necessário para esse cuidado. Outras, como Maricella Marquez, cujos filhos precisam de dietas especiais, tampouco têm a opção do aleitamento materno.

Em alguns casos esses pais já estavam tendo dificuldade em pagar por latas de fórmula infantil que podem custar mais de US$ 100 cada uma (R$ 512), segundo Elyse Bernal, presidente da Any Baby Can, organização sem fins lucrativos. Para Darice Brown, a falta de fórmula infantil especializada está tão aguda em Oceanside, na Califórnia, que ela já pensou em ir à sala de emergências de um hospital só para alimentar a filha Octavia, de 10 meses, que tem condições genéticas raras que lhe impossibilitam consumir alimentos sólidos. "Eu estava ficando doida, chorando no chão. Disse a meu marido: ‘Não tenho com que alimentar nossas filhas, não sei o que fazer’", conta.

Na terça-feira, ela ainda tinha quatro latas de fórmula para Octavia —todas de produtos na lista do recall— e estava tentando fazê-las durar, dando mamadeiras menores.

Pais que têm tentado comprar fórmula online relatam que encontraram não apenas preços mais altos, mas também golpes. Duas semanas atrás, K-Rae Knowles, 30, de Oregon, enviou dinheiro a um desconhecido em troca de latas de uma fórmula especializada que ela precisava para o filho de quatro meses, Callan. As latas não chegaram, e o perfil do vendedor no Facebook foi deletado dias depois.

Marquez disse que nunca imaginou que dependeria do produto para manter a filha saudável, mas desde que a criança recebeu o diagnóstico, os médicos lhe disseram que a fórmula especial era a única coisa que a manteria fora de um hospital. Desde abril, ela vem complementando a nutrição da filha com frutas, verduras, peru moído e outras proteínas de base vegetal. "Tirando isso, não há muito que ela possa comer."

Mesmo quando encontrada, a fórmula infantil custa caro. O seguro-saúde de Marquez cobre 80% do custo, mas a família ainda precisa desembolsar US$ 375 por mês (cerca de R$ 1.900). Ela pretende passar esta semana com amostras de outros produtos que fornecedores ainda têm em estoque e testar quais sua filha consegue tolerar. "Não tenho outra escolha."

Tradução de Clara Allain

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