Descrição de chapéu União Europeia

Esquerda da França se une contra Macron para eleições legislativas

Anúncio da aliança deve ocorrer no dia da posse do presidente francês para seu segundo mandato

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Milão

Os principais partidos de esquerda da França se preparam para disputar as eleições legislativas unidos em uma única chapa, na tentativa de impedir que o presidente reeleito, Emmanuel Macron, consiga maioria absoluta na Assembleia Nacional, como aconteceu em sua primeira eleição, há cinco anos.

Após intensas negociações nos últimos dias, o partido França Insubmissa, de esquerda radical, anunciou nesta quarta (4) um acordo com o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, após também ter atraído os comunistas e os verdes nesta semana. Juntas, as siglas somaram 30% dos votos no primeiro turno.

Pedestre passa em frente a cartazes da campanha de Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, para as eleições legislativas, em Paris
Pedestre passa em frente a cartazes da campanha de Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, para as eleições legislativas, em Paris - Gonzalo Fuentes - 3.mai.22/Reuters

"Queremos eleger deputados para evitar que Macron continue sua política injusta e brutal e para derrotar a extrema direita", afirma trecho do comunicado divulgado por insubmissos e socialistas. A decisão ainda precisa ser aprovada internamente pelo Partido Socialista, que deve se reunir nesta quinta.

A chapa de esquerda foi batizada de Nova União Popular Ecológica e Social, e a campanha será lançada oficialmente no próximo sábado (7), mesmo dia da cerimônia de posse do segundo mandato de Macron.

A eleição legislativa acontece em dois turnos, em 12 e 19 de junho. Estão em disputa 577 cadeiras, cada uma representando um distrito eleitoral da França. A maioria absoluta na assembleia é alcançada com 289 assentos, número que permite a um governo aprovar suas propostas sem depender das demais forças políticas. Em 2017, o recém-criado partido de Macron elegeu 308 parlamentares.

As tratativas para a aliança de esquerda foram lideradas pela equipe de Jean-Luc Mélenchon, terceiro colocado no primeiro turno, com 21,95%, menos de dois pontos percentuais atrás da ultradireitista Marine Le Pen, que acabou derrotada no segundo turno. A intenção de juntar forças contra Macron foi anunciada por Mélenchon poucos minutos depois de confirmada a reeleição do presidente, na noite de 24 de abril. Na ocasião, classificou a eleição legislativa de "terceiro turno" e pediu votos nos candidatos da França Insubmissa para que, com a maioria dos assentos, ele pudesse se tornar primeiro-ministro.

Nos dias seguintes, as conversas partidárias foram intensificadas, e os primeiros acordos foram fechados na noite do último domingo, após as manifestações do 1º de Maio, que registrou gritos contrários a bandeiras de Macron, como a proposta de aumentar a idade mínima da aposentadoria de 62 para 65 anos.

A aliança entre os quatro partidos, dada como incerta até poucos dias atrás, encontra resistência especialmente entre os socialistas, a sigla de esquerda mais tradicional da França, que elegeu dois ex-presidentes, François Mitterrand e François Hollande, mas teve desempenho desastroso nesta campanha.

Entre os pontos de divergências entre os grupos está a própria figura de Mélenchon, que fez parte do PS por mais de 30 anos, antes de lançar sua própria legenda, em 2016. Considerado um líder autoritário, é visto como ambíguo em relação ao antissemitismo e simpatizante do presidente russo, Vladimir Putin.

Nos últimos dias, um dos principais entraves foi o posicionamento eurocético histórico de Mélenchon, que, na campanha presidencial, teve como uma das bandeiras a quebra de tratados e a "desobediência" à União Europeia (UE). "Certas regras são incompatíveis com nosso programa, como a camisa de força orçamentária e a defesa da Europa submetida à Otan", diz trecho do seu programa de propostas.

Um dos itens do acordo anunciado nesta quarta é dedicado à disposição da aliança em relação ao bloco. "Devido às nossas histórias, alguns de nós falam em desobedecer, outros, em revogar temporariamente", diz o comunicado conjunto de socialistas e insubmissos. "Mas partilhamos um objetivo comum: acabar com o rumo liberal da União Europeia e construir um novo projeto a serviço do eixo ecológico e solidário."

Adiante, reforça que a saída da França da UE, "sua desintegração e o fim da moeda única" não farão parte da política da eventual futura legislatura. Outros tópicos preveem o congelamento de preços de itens básicos, como forma de enfrentar a inflação e a deterioração do poder de compra, e a idade mínima da aposentadoria em 60 anos, bandeira de Mélenchon considerada inviável para os gastos do governo.

Desde o início das conversas, a aliança divide os socialistas. Na semana passada, Hollande considerou a união com a França Insubmissa inaceitável. Nesta quarta, o ex-premiê socialista Bernard Cazeneuve anunciou que deixará o partido após a decisão da cúpula de se submeter à liderança de Mélenchon.

Pelo combinado, as quatro siglas vão se unir em torno de um único candidato em cada um dos 577 distritos. Os verdes terão direito a cem distritos, os socialistas, a 70, os comunistas, a 50, enquanto a maioria ficará a cargo da França Insubmissa. "São várias questões que dividem a esquerda francesa, e na eleição presidencial essas diferenças foram evidentes. Para as pessoas que escolheram um candidato no primeiro turno, essas diferenças são importantes", avalia Stéphanie Roza, pesquisadora da Escola Normal Superior de Lyon, estudiosa das origens da esquerda francesa. "Quando você conclui um acordo com pessoas que não são exatamente da sua posição, você assume o risco de perder votos."

Segundo Roza, a possibilidade da frente única de esquerda conquistar a maioria dos assentos na Assembleia Nacional é improvável, e as chances de Mélenchon se tornar primeiro-ministro, longe de ser possível. Além de algumas bandeiras e traços de sua personalidade, pesam contra as ambições do ultraesquerdista as próprias regras das eleições legislativas.

Na disputa em dois turnos, só avançam à votação final os candidatos que conseguem ao menos 12,5% dos votos, o que tende a favorecer os grandes partidos. Além disso, a abstenção costuma ser maior entre eleitores que não votaram no presidente eleito. "É quase certo que quando alguém vence a eleição presidencial vai levar também a maioria nas eleições legislativas", afirma a pesquisadora. A cohabitação, em que o presidente e a maioria parlamentar são de forças políticas diferentes, não acontece desde 2002.

Enquanto a esquerda se une, os partidos da direita não responderam às tentativas de chapa única. É esperado, porém, que Le Pen veja seu partido crescer no legislativo, no qual ela atualmente tem mandato e vai tentar mantê-lo, como candidata em junho. Em 2017, o Reunião Nacional obteve apenas oito vagas.

Macron, por sua vez, não deu sinais de como deve ser a campanha legislativa de seu partido, enquanto trava conversas sobre a composição do novo governo. Uma maioria, claro, é essencial para seus planos do segundo mandato, como a reforma da aposentadoria. Para Roza, a possibilidade de um "terceiro turno" é pequena nas eleições de junho. "Acho que um terceiro turno pode vir das ruas, por meio de manifestações, protestos e greves. Podemos ter, inclusive, o surgimento de um movimento social."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.