Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

Fusão de bancos na Hungria deve dar a Orbán influência econômica tão grande quanto política

Governo diz que intenção é tornar o setor bancário do país mais seguro e eficiente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marton Dunai
Budapeste | Financial Times

Um vento frio soprava sobre Budapeste no início de abril quando o líder iliberal da Hungria subiu ao palco para um discurso de vitória eleitoral. Depois de garantir sua quarta avalanche de votos consecutiva, Viktor Orbán exultava ao se dirigir a uma pequena multidão de fiéis partidários diante do Whale, um centro de convenções grandioso em forma de peixe às margens do rio Danúbio.

"Certamente estamos em boa forma", disse ele entre risos e aplausos. "Ganhamos tanto que se pode ver da Lua."

Perto dali, um grupo de banqueiros com ligações estreitas com o círculo de elite do primeiro-ministro estava igualmente aliviado. Orbán, o governante europeu há mais tempo no cargo, apoiou durante anos seus esforços para fundir três dos maiores bancos do país em uma única instituição, esperando que servisse a seus objetivos políticos tanto quanto aos clientes. Sua vitória significava que o projeto Hungarian Bankholding definitivamente seguiria adiante.

O premiê da Hungria, Viktor Orbán, durante pronunciamento em Budapeste
O premiê da Hungria, Viktor Orbán, durante pronunciamento em Budapeste - Attila Kisbenedek/AFP

De fato, já estava em andamento. Naquela mesma noite, a fusão deu seus primeiros passos. A noite da eleição foi escolhida como o momento em que alguns sistemas dos dois primeiros membros, Budapest Bank e MKB Bank, começariam se fundir. O Takarékbank, o terceiro parceiro, deverá ingressar em 2023.

A fusão ocorreu sem problemas, os sistemas funcionaram. E Orbán estava seguro no cargo por pelo menos mais quatro anos: talvez tempo suficiente para o chamado "superbanco" amadurecer. O Hungarian Bankholding estava ganhando vida, destinado a dar ao sistema político de Orbán uma sólida espinha dorsal financeira.

Quando Orbán assumiu o poder, em 2010, seu partido Fidesz disse que governaria sob um "Sistema Nacional de Cooperação" (NER), sob o qual todos os membros da sociedade se uniriam em busca de metas comuns. Na prática, o NER gradualmente se tornou uma rede de instituições estatais e empresas selecionadas, normalmente administradas por amigos e aliados de Orbán, que, segundo grupos de direitos humanos, ajudam-se mutuamente para sustentar o regime iliberal do primeiro-ministro.

Os líderes da União Europeia acusaram Orbán de canalizar subsídios da UE e contratos públicos para essa rede, a fim de cultivar a lealdade e consolidar seu regime. Seu governo nega isso, mas agora enfrenta uma escassez de financiamento, já que a UE retém € 7,2 bilhões (R$ 36,8 bilhões) em fundos de recuperação pós-pandemia por questões de estado de direito e corrupção.

Um grande banco privado como o Hungarian Bankholding poderia ajudar a estimular a economia húngara. O governo diz que a intenção da fusão é criar um banco "estrategicamente importante" que ajudará a tornar o setor bancário da Hungria mais seguro e eficiente.

Mas um banco que coopera de perto com o governo, e talvez até receba instruções dele, também aceleraria o desenvolvimento da economia híbrida que simboliza o sistema NER, dizem os principais banqueiros.

"Além de lucros diretos e financiamento para suas empresas, o que [Orbán e o governo] mais cobiçam é a influência", diz um executivo do setor que pediu anonimato. "Eles querem um banco grande, o que é um ótimo negócio, mas também é uma consideração de poder", diz outro executivo do setor financeiro. "Pode ajudá-lo a financiar a construção do Sistema Nacional de Cooperação."

Em seus três mandatos consecutivos desde 2010, Orbán criou uma máquina política quase imbatível, que garantiu o sucesso eleitoral. Agora, ele pode perseguir o que banqueiros e outros dizem ser seu legado desejado: garantir a supremacia econômica e ideológica, não importa quem esteja no poder formalmente.

O Bankholding ajudará Orbán a criar uma elite econômica e social local resiliente, dizem pessoas familiarizadas com seu pensamento. Também poderia ajudar a cumprir sua agenda nacionalista de enfraquecer ou expulsar rivais estrangeiros e até permitir que ele financie aliados não liberais no exterior. O partido francês de extrema direita de Marine Le Pen recebeu um empréstimo de um dos bancos que se fundiram para se tornar o Bankholding.

O banco não respondeu a vários pedidos de comentários, mas o governo húngaro rejeitou a ideia de que o superbanco serviria à agenda de Orbán. A propriedade estatal de apenas 30,35% do Bankholding significa que "não há e não pode haver influência política em sua operação diária", diz. Está "sujeito à mesma estrutura legal bastante rígida e aos padrões operacionais de qualquer banco doméstico".

Aí está o risco. Uma das principais vulnerabilidades do banco, de acordo com dezenas de entrevistas do Financial Times com profissionais de finanças húngaros, é que seus livros já estão cheios de empréstimos para pessoas em dívida com o regime de Orbán. Se ele cair, muitas dessas empresas podem perder seus gordos contratos estatais e deixar de pagar os empréstimos, atingindo o banco.

No entanto, isso não significa necessariamente que um superbanco húngaro seja uma má ideia. Pessoas com conhecimento de sua situação, que falaram principalmente sob a condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto, disseram que uma instituição financeira com capacidade de emprestar de forma mais ampla poderia ser uma benção para a economia do país –mas apenas se estiver livre de influência política e tiver permissão para superar sua exposição excessiva ao sistema de Orbán.

No momento isso parece improvável. Juntamente com o Estado, os outros proprietários do banco são o aliado mais próximo e amigo de infância de Orbán, Lorinc Mészáros, com cerca de 40%; e um grupo de investidores ligado ao filho do presidente do banco central, György Matolcsy, outro aliado próximo de Orbán.

Como disse uma pessoa, até que isso mude, o Hungarian Bankholding –cujo balanço combinado dos membros em 2020 representava cerca de um sexto do PIB do país– "será o maior risco da economia húngara".

Construindo o superbanco

Orbán há muito está convencido de que a influência econômica deve sustentar o poder político para tornar seu regime duradouro, lição que aprendeu quando seu primeiro mandato de primeiro-ministro terminou em derrota em 2002, apesar de um sólido histórico de administração econômica. Quando ele voltou ao poder, em 2010, decidiu assumir o controle da economia imediatamente.

O sistema bancário, então, sem dúvida precisava de reforma. O OTP Bank, nacional, dominava um mercado fragmentado com uma participação acima de 20%. Subsidiárias de vários bancos estrangeiros detinham cerca de 10% cada, com um punhado de microcredores.

A maioria não obtinha lucros significativos, mas as empresas controladoras os mantinham em suas redes internacionais de qualquer maneira. "Ninguém desistiu, apesar dos choques e do desenvolvimento lento", disse um banqueiro com décadas de experiência no mercado húngaro. "Isto é, até Orbán aparecer."

Em seu manifesto de 2010, Orbán transformou os bancos em bodes expiatórios, prometendo lutar contra os credores majoritariamente de propriedade estrangeira, que, segundo ele, cobravam demais dos húngaros. "É um sistema construído para dominar enquanto finge competir", escreveu ele. "O Estado deve se posicionar contra tais situações. Sempre que possível, as operações do tipo cartel devem ser desfeitas, até mesmo ajudando novos concorrentes a entrar."

O premiê da Hungria, Viktor Orbán, antes de reunião com líderes da UE em Bruxelas, na Bélgica
O premiê da Hungria, Viktor Orbán, antes de reunião com líderes da UE em Bruxelas, na Bélgica - Johanna Geron - 30.mai.2022/Reuters

Orbán corrigiu um enorme buraco fiscal com impostos extras sobre grandes empresas, na maioria de propriedade estrangeira, incluindo bancos. Evitada a insolvência, ele começou a reformar todo o setor. Reprimiu os empréstimos em moeda estrangeira, introduziu mais impostos sobre as transações –e, o mais importante, passou a trazer a propriedade para mãos domésticas confiáveis.

"Nós estabelecemos o objetivo de criar um novo sistema econômico: uma ambição significativa", disse Orbán em um fórum de negócios em 2012, sinalizando um afastamento do modelo ocidental de economia social de mercado. "Parte do novo modelo é ter 50% do sistema bancário em mãos húngaras."

O premiê não perdeu tempo. Alguns meses depois, ainda em 2012, o Estado comprou uma grande participação no Takarékbank, uma rede cooperativa de poupança e empréstimo, do alemão DZ Bank. Em 2013, aumentou sua participação para se tornar acionista majoritário. Em 2014, o Estado comprou o MKB do BayernLB da Alemanha. No ano seguinte, a General Electric vendeu o Budapest Bank ao governo.

Em 2016, o governo reprivatizou o MKB e em 12 meses um dos amigos mais próximos de Orbán abocanhou grande parte dele. Mészáros, um ex-encanador que cresceu na mesma aldeia que o primeiro-ministro, tornou-se um dos indivíduos mais ricos do país, já que suas empresas conquistaram dezenas de contratos públicos. Certa vez, ele atribuiu jovialmente sua ascensão meteórica a "Deus, boa sorte e Viktor Orbán".

Mészáros, que não respondeu a um pedido de comentário para esta reportagem, adquiriu grandes participações não apenas no MKB, mas também no Takarékbank, em 2019. Os componentes do superbanco estavam em mãos leais, em muitos aspectos o canal perfeito para o NER.

"O NER teve vários motivos para reorganizar as estruturas de propriedade do setor bancário", disse József Martin, diretor da Transparência Internacional na Hungria. "Eles queriam se livrar do capital estrangeiro e passar as participações para os círculos empresariais pró-governo, em última análise, para Mészáros."
O palco estava montado e, em dezembro de 2020, o Hungarian Bankholding iniciou suas operações como holding antes da fusão planejada.

Notas passam por verificação de qualidade em banco de Budapeste, na Hungria
Notas passam por verificação de qualidade em banco de Budapeste, na Hungria - Laszlo Balogh - 7.fev.2012/Reuters

Os três credores que uniam forças tinham perfis muito diferentes. O MKB era forte em empréstimos corporativos e private banking. O Budapest Bank era um banco universal moderno com serviços de varejo, corporativos e de investimento.

Enquanto isso, o Takarékbank era uma colcha de retalhos com um núcleo moderno e cooperativas de poupança rural remanescentes da era comunista. Os clientes típicos depositavam economias modestas, sacando dinheiro uma vez por mês, os empréstimos muitas vezes se baseavam em cálculos no verso de um envelope e eram registrados em cadernos quadriculados. Ele será integrado mais tarde, possivelmente no próximo ano, disse o Bankholding.

Financiar o império

A fusão ainda não está completa, mas os livros do Bankholding já estão cheios de empréstimos para aliados, amigos e familiares de Orbán na rede NER, dizem fontes com conhecimento direto de suas operações.

Embora a extensão precisa da exposição ao NER seja desconhecida, alguns projetos são de conhecimento público. Em agosto passado, a Opus Energy, subsidiária da holding de Mészáros, Opus Global, comprou a rede de varejo de eletricidade da Hungria, Titász, usando um empréstimo no valor de cerca de € 130 milhões (R$ 665 milhões) do MKB Bank e do Takarékbank, ambos membros do Bankholding, de acordo com registros da Bolsa de Valores.

Em outro exemplo, a BDPST, incorporadora imobiliária controlada pelo genro de Orbán, István Tiborcz, recebeu dois empréstimos do Takarékbank no valor total de cerca de € 100 milhões (R$ 512 milhões) em julho do ano passado para desenvolver o Hotel Dorothea, empreendimento de luxo em construção no centro de Budapeste, segundo documentos de registro de imóveis.

E outra subsidiária do BDPST de Tiborcz recebeu cerca de € 14 milhões (R$ 71,2 milhões) do Banco de Budapeste em setembro de 2021 para comprar o hotel Iberostar Grand, no centro da cidade, em frente ao banco central, de acordo com o registro de imóveis.

Esses três empréstimos sozinhos expandiram a exposição do Hungarian Bankholding ao NER em quase € 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) –mais de 1% de seu balanço patrimonial acumulado. Fontes com conhecimento direto das operações dizem que muitos outros grandes projetos do NER também receberam empréstimos desses bancos.

Um porta-voz do Banco Nacional da Hungria, o banco central do país que também atua como regulador do mercado, disse que o Bankholding não apresenta "vulnerabilidades adicionais ou riscos prudenciais relevantes" além do perfil de risco de qualquer instituição financeira. "Em nossa opinião, a fusão e a integração total podem contribuir muito para fortalecer a estrutura de gestão de risco [dos três bancos]."

Fachada do Banco Nacional da Hungria, em Budapeste
Fachada do Banco Nacional da Hungria, em Budapeste - Bernadett Szabo - 18.jan.2012/Reuters

A influência política do Bankholding também atravessa fronteiras. Em março, com a aproximação da fusão, soube-se que o MKB Bank tinha emprestado mais de € 10 milhões (R$ 50,8 milhões) à candidata presidencial nacionalista francesa Marine Le Pen, de acordo com documentos que ela registrou em Paris.

Orbán apoiou sua política e encontrou-se com ela várias vezes nos últimos anos, até aparecendo em uma mensagem de vídeo em seus comícios. Quando Le Pen não conseguiu obter financiamento por causa da antiga hesitação dos bancos franceses em se associar a seu partido de extrema direita, o banco húngaro veio em seu auxílio.

Foi uma espécie de teste de fidelidade para o Bankholding. Segundo duas pessoas informadas sobre a situação, havia necessidade de uma ordem direta de Orbán para oferecer o empréstimo a Le Pen, o que a administração do banco e até Mészáros relutavam em fazer num momento político tão delicado. Afinal, a vontade de Orbán prevaleceu, e um oficial de empréstimos do Bankholding foi enviado a Paris para assinar a papelada com Le Pen, disseram essas fontes. O banco passou no teste. Le Pen não respondeu a diversos pedidos de comentários.

Questionado se iria analisar o acordo de financiamento de Le Pen, o Banco Nacional da Hungria disse ao Financial Times que tal controle estava fora de seu alcance.

"De acordo com a lei da União Europeia, os reguladores de mercado não estão autorizados a rastrear ou autorizar empréstimos para clientes individuais... [O BNH] não tem conhecimento de tal transação e não a está examinando", disse um porta-voz do banco central, acrescentando que um partido político era um cliente adequado se apresentasse garantias adequadas.

Há evidências, no entanto, de que o banco central pode ter um conflito de interesses quando se trata do superbanco. Duas empresas, a Blue Robin Investments e a Magyar Takarék Holding, hoje controlam cerca de 23% do Bankholding, segundo documentos da empresa. Ambas são de propriedade de fundos mútuos administrados por István Száraz, sócio em negócios e amigo próximo de Ádám Matolcsy, filho do presidente do banco central.

O porta-voz do BNH disse em comunicado que "o Banco Nacional da Hungria nega veementemente que o governador do banco central ou qualquer membro de sua família tenha qualquer relação de propriedade com o Hungarian Bankholding. Qualquer informação em contrário é um boato falso deliberado que é adequado para enganar os leitores".

Risco sistêmico

A exposição do banco à rede NER manteve todo o setor bancário em alerta antes das eleições. O Hungarian Bankholding era uma realidade jurídica, se não ainda uma empresa totalmente incorporada, e sua participação de mercado combinada e balanço patrimonial de € 21,4 bilhões (R$ 109,5 bilhões), facilmente o segundo maior do país, fizeram que ele se tornasse grande demais para falir. Se a oposição vencesse, poderia ter despojado os aliados de Orbán de seus lucrativos contratos governamentais, deixando-os incapazes de pagar os empréstimos.

Mas agora que Orbán está de volta ao cargo em segurança a fusão continua em ritmo acelerado. "O processo do Bankholding é claramente irreversível agora, e a forma como foi conduzido, canalizando ativos através do Estado, é completamente único no mundo ocidental", diz Martin, da Transparência Internacional. "É uma parte instrumental da 'orbanomia' e a capitalização original desse sistema."

Ninguém no setor bancário estava disposto a compartilhar pessoalmente suas opiniões sobre o Bankholding, por medo de irritar o primeiro-ministro, mas muitos dizem em particular que se sentem angustiados com os riscos sistêmicos do projeto. Espera-se que os empréstimos do NER continuem, prendendo a empresa numa fase em que os mutuários e os proprietários estão igualmente em dívida com Orbán, disse outro banqueiro sênior, acrescentando: "O mundo muda, e essas empresas podem falir".

Outros estão mais tranquilos e dizem que ele pode continuar financiando o NER sem problemas sérios. "Se tiverem tempo suficiente, de quatro a cinco anos, podem juntar tudo e começar a ganhar dinheiro com ou sem favores do governo", disse uma fonte.

Para alguns, no entanto, há uma sensação de oportunidade perdida no que esse superbanco poderia ter feito pela Hungria. O projeto Bankholding "tem muitos elementos lógicos", diz outro antigo líder bancário. "Integrar as cooperativas de poupança é sábio, [e] mesclar portfólios de varejo, corporativos e de pequenas empresas é inteligente. Mas eles dificilmente podem lidar com isso, pois estão ocupados financiando o império."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.