Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

General russo que apresentou Fidel à União Soviética morre aos 93

Nikolai Leonov era especialista em América Latina e foi número 2 da KGB até o fim do regime

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São Paulo

O general Nikolai Sergueiévitch Leonov, o homem que fez a ligação entre Cuba e a União Soviética, cujos efeitos influenciam a política na América Latina há 60 anos, morreu em Moscou. Ele tinha 93 anos e uma legião de fãs na comunidade de inteligência e entre acadêmicos russos.

A história de Leonov se confunde com a da Revolução Cubana de 1959. Jovem diplomata, ele conheceu em um navio voltando de um festival socialista na Romênia Raúl Castro, então com 22 anos. Era 1953 e, trocando experiências no xadrez e no pingue-pongue, ambos se aproximaram.

Nikolai Leonov (à esq., de gravata listrada) observa Fidel cumprimentar o líder soviético Nikita Kruschov na visita a Moscou de 1963
Nikolai Leonov (à esq., de gravata listrada) observa Fidel cumprimentar o líder soviético Nikita Kruschov na visita a Moscou de 1963 - Divulgação

Três anos depois, Raúl estava exilado na Cidade do México, com o irmão Fidel (1926-2016) e outros revolucionários, e retomou acidentalmente o contato com Leonov —que ocupava um posto secundário na embaixada soviética.

Deixou certa vez um cartão de visitas com Ernesto Guevara (1928-67), que foi preso logo depois. A associação com o argentino que seria imortalizado no panteão da esquerda como Che acabou o levando a ser convidado a deixar o México, e Leonov voltou para Moscou. Deixou o serviço diplomático e entrou na vida acadêmica, como historiador.

Em 1958, foi abordado por seu conhecimento de espanhol e da América Central pela KGB, o temido serviço secreto soviético. Moscou acompanhava com atenção todo movimento antiamericano na região, visto que a luta contra o que se convencionava chamar de imperialismo facilmente era convertida para a moldura comunista.

Assim, quando a revolução estourou em Cuba, em 1959, ele virou o principal acompanhante do poderoso vice-premiê Anastas Mikoian, que no ano seguinte visitaria Havana. O líder do movimento, contudo, não era nem de longe o ícone socialista que virou.

"Não, ele nunca foi comunista. Os EUA criaram o comunismo cubano. Fidel fez sua primeira visita aos EUA, mas não foi recebido", contou Leonov à Folha no final 2007, numa das ocasiões em que falou com a reportagem. A conversão por conveniência ocorreu após a tentativa de invasão na baía dos Porcos, malfeita pela CIA em 1961.

Tanto naquela visita de Mikoian quanto na histórica passagem de Fidel por Moscou em 1963, o intérprete louro, magro e alto em todas as fotografias é Leonov. Em 1962, ele foi um dos ouvidos do lado soviético durante a crise dos mísseis, mas nunca acreditou que os líderes iriam às vias de fato nuclear.

No fim da década de 1960, ele voltou para Moscou e galgou postos na hierarquia da KGB, na qual chegou a tenente-general (três estrelas, um posto antes do topo). Ajudou a montar a operação para tentar apoiar a ditadura anticomunista argentina contra Londres na Guerra das Malvinas (1982), mas fracassou. Sempre disse que nunca houve ações ou "ouro de Moscou" no Brasil.

Virou o principal analista de América Latina e, de 1983 até 1991, foi o diretor-adjunto do órgão de inteligência. Nesta função, foi superior daquele que em 2017 ele chamou em outra entrevista à Folha de "agente medíocre", um certo Vladimir Putin, que havia sido postado em Dresden —uma posição lateral na antiga Alemanha Oriental.

Sempre negou ter sido mentor de Putin e, na realidade, era um duro crítico de seu governo. Leonov manteve-se fiel ao ideário socialista até o fim e tinha conversas constantes com Raúl Castro —em 2016, passou seis meses na ilha, para um documentário disponível no YouTube. Negava-se a criticar o fato de que o regime cubano é uma ditadura.

Chegou a namorar a política, elegendo-se deputado em 2013 por um partido nacionalista, mas abandonou a carreira no primeiro mandato. Vivia cercado por seus ex-alunos do MGIMO, o Instituto Rio Branco russo, no qual começou a lecionar em 1998. Em 2017, sofreu um derrame, que progressivamente minou sua saúde até sua morte, na quarta passada (27).

Já enfermo, ele não chegou a se pronunciar sobre a Guerra da Ucrânia. Mas era um crítico das aventuras militares de Putin, como na Geórgia em 2008 e na própria Ucrânia, em 2014. Nascido na aldeia de Almazovo, 300 km ao sul de Moscou, ele faria 94 anos em agosto. Deixa a mulher, Ievguênia, e uma filha.

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