Jovens na China abandonam nacionalismo e adotam 'filosofia da fuga' para sair do país

Desiludidos com rumos do regime, eles criticam mercado de trabalho, política demográfica, censura e restrições da pandemia

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Li Yuan
Hong Kong | The New York Times

Há quatro anos, muitos jovens chineses gostavam de usar a hashtag #AmazingChina (incrível China). Dois anos atrás, eles disseram que Pequim era o melhor aluno no controle da pandemia e instaram o resto do mundo, especialmente os Estados Unidos, a "copiar a lição de casa da China".

Agora, muitos dizem acreditar que são a geração mais sem sorte desde a década de 1980, pois a busca persistente de Pequim pela política de Covid zero está causando estragos. É difícil encontrar empregos, testes frequentes de Covid-19 ditam suas vidas, o governo impõe cada vez mais restrições à liberdade individual, enquanto os pressiona a se casar e ter mais filhos.

"Não suporto a ideia de que terei que morrer nesse lugar", diz Cheng Xinyu, 19, escritora na cidade de Chengdu, no sudoeste da China, que está pensando em migrar para outro país antes que o punho de ferro do governo a agarre. Ela também não consegue imaginar ter filhos na China.

Jovem de máscara em faixa de pedestres de Xangai
Jovem de máscara em faixa de pedestres de Xangai - Aly Song - 26.mai.22/Reuters

"Gosto de crianças, mas não me atrevo a tê-las aqui, porque não poderei protegê-las", disse, citando preocupações como funcionários de controle da pandemia invadindo apartamentos para pulverizar desinfetante, matando animais de estimação e exigindo que moradores deixem a chave na fechadura da porta de casa.

Cheng integra uma nova tendência conhecida como "filosofia da fuga" (ou "runxue"), que prega fugir da China em busca de um futuro mais seguro e feliz. Ela e milhões de outras pessoas repostaram um vídeo em que um jovem reage contra policiais que avisavam que sua família seria punida por três gerações se ele se recusasse a ir para um campo de quarentena. "Esta será nossa última geração", dizia ele.

A resposta se tornou um meme que mais tarde foi censurado. Muitos jovens se identificaram com o sentimento, dizendo que relutavam em ter filhos sob o governo cada vez mais autoritário.

"Não trazer crianças para este país será a ação mais caridosa que eu poderia fazer", escreveu um usuário do Weibo, espécie de Twitter local, sob a hashtag #thelastgeneration (a última geração), antes de ser censurado. "Como pessoas comuns que não têm direito à dignidade individual, nossos órgãos reprodutivos serão nosso último recurso", escreveu outro usuário do Weibo.

A "filosofia da fuga" e a "última geração" são os gritos de guerra de muitos chineses na faixa dos 20 e 30 anos que se desesperam com seu país e seu futuro. Eles estão entrando no mercado de trabalho, casando-se e decidindo se terão filhos num dos momentos mais sombrios da China em décadas, sendo censurados e politicamente reprimidos.

Esta é uma grande mudança para membros de uma geração antes conhecida por sua propensão nacionalista. Eles cresceram quando a China se tornou a segunda maior economia do mundo, zombaram dos críticos do histórico de direitos humanos de Pequim e boicotaram muitas marcas ocidentais por desrespeito à sua pátria. Às vezes se queixavam dos horários de trabalho extenuantes e da falta de mobilidade social. Estavam menos seguros de seu futuro pessoal, mas tinham confiança de que a China seria grande novamente, como prometeu seu líder.

Agora, fica cada vez mais claro que o regime não pode cumprir suas promessas e que o Estado tem expectativas diferentes para suas vidas.

Uma nova pesquisa com mais de 20 mil pessoas, na maioria mulheres entre 18 e 31 anos, descobriu que dois terços delas não querem ter filhos. O regime tem uma agenda diferente, pressionando as pessoas a terem três filhos para rejuvenescer uma das populações que envelhecem mais rapidamente no mundo.

Doris Wang, uma jovem profissional de Xangai, conta que nunca planejou ter filhos na China. Viver o duro bloqueio nos últimos dois meses confirmou sua decisão. As crianças devem brincar na natureza e umas com as outras, diz ela, mas estão trancadas em casa, passando por rodadas de testes de Covid, ouvindo gritos de funcionários de controle da pandemia e duros avisos de alto-falantes nas ruas.

"Até os adultos se sentem muito deprimidos, desesperados e insalubres, para não mencionar as crianças", afirma. "Elas definitivamente terão problemas psicológicos para tratar quando crescer." Wang conta que pretende migrar para um país ocidental onde possa ter uma vida normal e dignidade.

Para agravar as frustrações, os jornais estão cheios de más notícias sobre empregos. Haverá mais de 10 milhões de graduados universitários na China neste ano, um recorde. Mas muitas empresas estão demitindo ou congelando o número de funcionários enquanto tentam sobreviver aos bloqueios e às restrições regulatórias.

Para os jovens chineses, os controles sociais cada vez mais rígidos são igualmente deprimentes. É impossível medir quantos deles ficaram desiludidos com o punho de ferro do regime nos últimos bloqueios, que afetaram centenas de milhões de pessoas. Pequim tem controle total sobre os meios de propaganda, a internet, livros didáticos, escolas e quase todos os aspectos que possam tocar as ondas cerebrais do público chinês.

Mas o crescente desencanto online é inconfundível. E as pessoas sempre encontrarão maneiras de escapar da repressão. Em "1984", Winston escrevia um diário. Em "A Insustentável Leveza do Ser", Tomás e Tereza mudam-se para o campo. "Quando você descobre que, como indivíduo, não tem capacidade de lutar contra o aparelho do Estado, sua única saída é correr", diz Wang.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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