Descrição de chapéu The New York Times

Países mudaram de rumo após massacres com armas de fogo, e o efeito foi notável

Apenas os EUA têm se recusado constantemente a responder a esses eventos com a adoção de leis mais proibitivas

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Max Fischer
The New York Times

Em todo o mundo, os assassinatos em massa frequentemente provocam uma resposta comum: as autoridades impõem novas restrições à posse de armas de fogo. Os massacres a tiros tornam-se mais raros. Homicídios e suicídios também tendem a diminuir.

Após um atirador matar 16 pessoas em 1987, o Reino Unido proibiu a venda de armas semiautomáticas. A mesma proibição foi aplicada à maioria das armas de porte depois de um ataque a uma escola, em 1996. O país tem hoje uma das taxas de mortes por arma de fogo mais baixas do mundo desenvolvido.

Na Austrália, um massacre em 1996 suscitou uma política de recompra obrigatória de armas graças à qual até 1 milhão de armas de fogo foram destruídas. A frequência dos incidentes de assassinatos em massa a tiros caiu de um a cada 18 meses para, até agora, um nos 26 anos desde a adoção da medida.

Memorial em homenagem às vítimas de massacre a tiros em frente à escola de ensino fundamental Robb, em Uvalde, no Texas
Memorial em homenagem às vítimas de massacre a tiros em frente à escola de ensino fundamental Robb, em Uvalde, no Texas - Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

O Canadá também reforçou suas leis sobre armas de fogo após um massacre a tiros em 1989. A Alemanha fez o mesmo em 2002, a Nova Zelândia, em 2019, e a Noruega, no ano passado.

Apenas os Estados Unidos, onde a frequência e a gravidade dos massacres a tiros não têm paralelo, exceto em zonas de conflito, têm se recusado constantemente a responder a esses eventos com a adoção de leis mais proibitivas. Embora restrições como essas sempre tenham suscitado alguma controvérsia, a maioria delas recebeu a adesão ampla dos eleitores em outros países.

Mesmo na Austrália, onde a política de viés conservador e as tradições rurais sempre favoreceram a posse de armas, a maioria dos cidadãos aceitou a recompra obrigatória. Numa demonstração de apoio ao endurecimento das leis, australianos chegaram a entregar armas que poderiam conservar legalmente.

Cada massacre a tiros é em certo sentido um acontecimento singular motivado por fatores pontuais como a ideologia ou as circunstâncias pessoais do atirador. É impossível eliminar o risco completamente.

Mas os fatos são inequívocos e são confirmados por vários estudos que analisaram os efeitos de políticas públicas como as que foram adotadas pelo Reino Unido e pela Austrália: quando os países endurecem as leis de controle de armas, o número de armas em mãos de cidadãos particulares diminui, e isso, por sua vez, leva a menos violência com armas de fogo —e menos massacres a tiros.

Reino Unido: proibição ampla

O Reino Unido hoje tem um dos regimes de controle de armas mais restritivo do mundo desenvolvido, tanto que mesmo muitos policiais não portam armas. Mas nem sempre foi assim. A importância histórica da caça esportiva no país criou uma longa tradição de posse de armas, especialmente em áreas rurais.

Isso começou a mudar em 1987, após o chamado massacre de Hungerford, que deve seu nome à pequena cidade inglesa onde aconteceu. Um homem de 27 anos usou dois fuzis semiautomáticos e uma arma de cano curto, que possuía legalmente, para matar 16 pessoas. Sua motivação não chegou a ser descoberta.

O governo britânico conservador prontamente proibiu os fuzis como os que o atirador havia usado e determinou que os donos de espingardas teriam que registrar suas armas junto à polícia.

O massacre a tiros de 1996 numa pequena cidade escocesa, onde um habitante matou 15 alunos e uma professora, levou à adoção de mais mudanças. Um inquérito do governo recomendou que o acesso a armas de porte fosse restrito. O governo conservador foi ainda mais longe, proibindo todas as armas de porte, menos as de calibre menor, que um governo trabalhista subsequente proibiu no ano seguinte.

As reformas também obrigam os donos de armas de fogo permitidas a passar por um processo rígido de licenciamento, que envolve entrevistas e visitas domiciliares pela polícia local, que pode negar a aprovação se julgar que o interessado em adquirir uma arma é um potencial risco à segurança pública.

Os massacres a tiros não desapareceram por completo no Reino Unido: um atirador matou 12 pessoas em 2010 e outro matou cinco em 2021. Mas todas as formas de violência com armas de fogo caíram. Hoje há cerca de cinco armas de fogo para cada cem pessoas no Reino Unido (com exceção da Irlanda do Norte, onde o número é mais alto), uma das taxas mais baixas do mundo desenvolvido. O índice de homicídios com armas de fogo é cerca de 0,7 por milhão, também um dos menores.

Austrália: programas nacionais de recompra de armas

Ativistas americanos do controle de armas frequentemente citam os programas amplos de recompra de armas na Austrália. Embora nenhum outro país rivalize com os Estados Unidos em termos da razão entre armas e habitantes, que nos EUA é mais que o dobro da do segundo colocado, o Iêmen, a Austrália teve no passado afinidades culturais e políticas semelhantes relativas à posse de armas.

Apesar disso, após um incidente em 1996 em que um atirador matou 35 pessoas na cidade de Port Arthur, as autoridades impuseram novas restrições amplas e bem-sucedidas.

O programa nacional de recompra acabou tirando de circulação entre uma em cada cinco e uma em cada três armas de fogo nas mãos de particulares. As armas visadas foram principalmente rifles semiautomáticos e muitas espingardas que não eram mais permitidas sob a nova legislação.

O país também alterou a posse de armas, que, de direito inerente, como é em apenas um punhado de países como os EUA, passou a ser um privilégio que os cidadãos precisam conquistar de modo afirmativo.

Hoje os australianos que quiserem ter uma arma precisam se registrar num cadastro nacional, aguardar 28 dias e passar por um processo de licenciamento que inclui demonstrar uma razão válida para possuírem uma arma. Desde então, os massacres a tiros desapareceram no país. Algo que se repetia quase anualmente ocorreu só uma vez desde as reformas, um ataque em 2018 que deixou sete mortos.

Mas o efeito maior pode ter sido sobre outras formas de violência. Um levantamento feito em 2011 de dados sobre crimes e suicídios concluiu que o programa de controle de armas "parece ter sido incrivelmente bem-sucedido em termos de vidas salvas". O índice de homicídios com armas de fogo caiu pela metade, assim como o de suicídios, constatou o estudo. Os homicídios e suicídios não cometidos com armas de fogo não aumentaram. Pesquisas subsequentes confirmaram essas conclusões.

Apesar disso, nos últimos anos a taxa de posse de armas na Austrália vem subindo pouco a pouco, assim como a de homicídios cometidos com armas.

Canadá e Noruega: mudanças graduais

Nem todas as reformas têm sido tão dramáticas quanto as do Reino Unido ou da Austrália. O Canadá endureceu as restrições à posse de armas em resposta a um incidente em 1989 em que 14 estudantes universitárias foram mortas. Licenças passaram a ser exigidas para espingardas e rifles, que passaram a ter que ser registrados com as autoridades. Já havia regras semelhantes relativas às armas de porte.

Mas as novas regras, que criaram controvérsia em comunidades rurais, só foram aplicadas em 1995, seis anos após o massacre, e a maioria delas foi abolida em 2012. As leis canadenses sobre armas de fogo ainda são muito mais restritivas que as dos Estados Unidos, mas são mais permissivas que as de muitos outros países. Os índices de posse de armas, homicídio com armas de fogo e frequência de assassinatos em massa com armas de fogo no país seguem um padrão semelhante: são uma fração dos índices dos EUA, mas superiores aos da maioria dos outros países desenvolvidos.

Também a Noruega reagiu relativamente devagar na esteira de um ataque terrorista de extrema direita em 2011 que fez 77 mortos. Embora o país tenha um dos maiores índices de posse de armas da Europa, seus índices de violência com armas de fogo são relativamente mais baixos.

A Noruega tem regras rígidas, incluindo aulas obrigatórias de uso seguro de armas e um processo de licenciamento trabalhoso. Mas levou sete anos após o massacre de 2011 para implementar uma proibição a armas semiautomáticas inspirada pelo massacre. A medida entrou em vigor no final do ano passado.

A Nova Zelândia, que, como a Noruega, tradicionalmente teve um alto índice de posse de armas mas também restrições rígidas, além de baixas taxas de violência com armas, agiu mais prontamente.

Em 2019, quando um atirador de extrema direita matou 50 muçulmanos em duas mesquitas, as autoridades levaram menos de uma semana para anunciar a proibição de rifles semiautomáticos de estilo militar e pentes de munição de alta capacidade, como as que o atirador usou. Mas Noruega, Nova Zelândia, Canadá e Austrália são todos atípicos de uma maneira importante: cada um desses países começou com altos índices de posse de armas, relativamente poucas restrições ou as duas coisas.

Tradução de Clara Allain

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