Pelosi faz visita surpresa à Ucrânia, em novo aceno dos EUA contra Rússia

Visita de presidente da Câmara americana coincide com anúncio de ataque de Moscou contra armas doadas pelo Ocidente

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Kiev e Bezimenne | AFP e Reuters

No dia em que a Rússia afirmou ter atacado depósitos de armas fornecidas por países ocidentais no sul da Ucrânia, a presidente da Câmara de Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, reuniu-se com o líder da Ucrânia, Volodimir Zelenski, durante uma visita surpresa a Kiev neste domingo (1º). Trata-se da mais alta autoridade política americana a viajar para a nação ora invadida desde o início da guerra contra a Rússia.

"Agradeço aos EUA por ajudarem a proteger a soberania e a integridade territorial do nosso Estado", escreveu Zelenski no Twitter, numa mensagem junto com um vídeo que mostra ele, cercado de guardas armados, recebendo Pelosi e a delegação do Congresso dos EUA na entrada da Presidência em Kiev.

A presidente da Câmara dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, recebe a medalha da ordem da princesa Olga do líder ucraniano, Volodimir Zelenski, após reunião em Kiev
A presidente da Câmara dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, recebe a medalha da ordem da princesa Olga do líder ucraniano, Volodimir Zelenski, após reunião em Kiev - Presidência da Ucrânia via Reuters

Em nota, a delegação americana, que depois viajou ao sudeste da Polônia e para Varsóvia, afirmou ter realizado a visita "para enviar uma mensagem inequívoca e retumbante ao mundo: os EUA estão com a Ucrânia". "Um apoio adicional americano está a caminho", destacaram os legisladores, dizendo que "vão converter a demanda de financiamento do presidente [Joe] Biden em um pacote legislativo".

A passagem por Kiev foi mantida em segredo até que a missão retornasse à Polônia, onde Pelosi e os parlamentares realizaram uma entrevista coletiva, prometendo apoiar a Ucrânia "até a vitória". A democrata também condenou a "invasão diabólica" liderada pelo líder russo, Vladimir Putin.

Em outra fala na linha de que os EUA estão aprofundando a ajuda para derrotar a Rússia, Jason Crow, deputado democrata pelo Colorado e ex-militar, disse ter viajado à Ucrânia com três prioridades: "Armas, armas e armas". "Precisamos ter a certeza de que os ucranianos têm o que necessitam para vencer."

Em uma dramática escalada dos esforços dos EUA contra a Rússia, Biden pediu na última quinta (28) US$ 33 bilhões (cerca de R$ 166,6 bilhões) ao Congresso americano em ajuda à Ucrânia.

A ampla solicitação de financiamento inclui mais de US$ 20 bilhões (R$ 100,7 bilhões) para armas, munições e outros tipos de assistência militar e US$ 8,5 bilhões (R$ 42,8 bilhões) em ajuda econômica direta ao governo em Kiev, além de US$ 3 bilhões (R$ 15,1 bilhões) para auxílio humanitário e alimentar.

A Rússia, que já havia alertado os EUA a "não continuarem testando a paciência" de Moscou, numa referência à visita a Kiev dos secretários de Estado, Antony Blinken, e de Defesa, Lloyd Austin, afirmou neste sábado (30), por meio de seu chanceler, Serguei Lavrov, que, se Washington e outros aliados da Otan estiverem realmente interessados em resolver o conflito, devem parar de enviar armas para a Ucrânia.

A declaração do ministro das Relações Exteriores da Rússia parece ter sido respondida por Pelosi neste domingo, quando disse que não seria dissuadida por ameaças do Kremlin em torno do fornecimento das armas necessárias para a Ucrânia vencer. "Não se intimide pelos intimidadores", afirmou ela.

Durante a passagem pela Ucrânia, Blinken e Austin anunciaram o retorno progressivo da presença diplomática americana no país e uma ajuda adicional, direta e indireta, de mais de US$ 700 milhões.

Ainda que Biden e parceiros ocidentais tenham insistido reiteradamente que não participariam diretamente da guerra, citando o risco de a disputa descambar para o uso de armas nucleares, no segundo dia do conflito já havia uma engrenagem de ajuda militar em curso. Ela já superou os US$ 7 bilhões, quase o dobro do orçamento de defesa anual de Kiev, US$ 3,7 bilhões só dos EUA.

Zelenski agradeceu neste domingo os "sinais muito importantes" dados pelos EUA e por Biden, entre os quais um programa similar ao criado durante a Segunda Guerra Mundial para proporcionar a países aliados equipamento militar sem, em tese, intervir diretamente no conflito.

O ato do Lend-Lease (Empréstimo-Arrendamento) remete a iniciativa semelhante de março de 1941, quando os EUA passaram a ajudar os rivais da Alemanha nazista, como Reino Unido e União Soviética, com alimentos, armas e transferência tecnológica. Naquele momento, os americanos passaram a ser vistos como hostis de fato ao Eixo, embora jurassem que não queria ver a Segunda Guerra de perto.

Os movimentos mais incisivos de Biden na Guerra da Ucrânia ocorrem num momento em que ele tem apenas 41,7% de aprovação, segundo o site americano de estatísticas FiveThirtyEight, que faz a média de diversas pesquisas de popularidade, e em que a eleição de meio de mandato nos EUA, em novembro, aproxima-se. No pleito, os democratas colocam em jogo a estreita maioria que mantêm no Congresso.

Quase cem civis são resgatados de siderúrgica em Mariupol, diz Zelenski

Um comboio de quase cem civis foi retirado neste domingo dos bunkers da siderúrgica Azovstal, na portuária Mariupol, depois de as Nações Unidas e a Cruz Vermelha liderarem um acordo para aliviar o cerco mais destrutivo da Guerra da Ucrânia até aqui. Crianças estavam entre os resgatados.

Sob ataque há quase dois meses, a cidade se transformou numa espécie de terreno baldio, com número desconhecido de mortos e milhares de pessoas tentando sobreviver sem água, comida e saneamento.

"Começou a retirada de civis de Azovstal. O primeiro grupo de quase cem civis já está a caminho de uma área controlada. Amanhã nos reuniremos com eles", escreveu Zelenski no Twitter. Os resgatados foram levados ao vilarejo de Bezimenne, área de Donetsk sob controle de separatistas apoiados pela Rússia.

​Mariupol está sob controle russo, mas alguns combatentes e civis se abrigaram no subsolo da siderúrgica da era soviética, fundada sob Josef Stálin e projetada como um labirinto de bunkers e túneis para resistir a ataques. Natalia Usmanova, 37, que foi retirada dali, conta ter vivido dias de terror.

"Quando o bunker começou a tremer, fiquei histérica. Minha preocupação era que [o local] desabasse", afirmou ela, que também se lembrou da falta de oxigênio nos abrigos e do medo que tomou conta de todos. ​"Você não pode imaginar o que passamos, o terror", disse. "Morei lá, trabalhei lá toda a minha vida, mas o que vimos lá foi terrível", afirmou Usmanova, que é funcionária da usina.

Na Praça de São Pedro para a bênção dominical, o papa Francisco disse que Mariupol foi "barbaramente bombardeada e destruída" numa guerra que chamou de "regressão macabra da humanidade".

Numa demonstração prática de sua retórica contra a ajuda ocidental dada a Kiev, a Defesa da Rússia disse neste domingo ter conduzido um ataque com mísseis contra um aeródromo militar perto de Odessa, destruindo uma pista e um hangar com armas e munições fornecidas por EUA e países europeus.

No sábado, a Ucrânia já havia dito que mísseis russos derrubaram uma pista recém-construída no principal aeroporto local —não ficou claro se as autoridades ucranianas estavam se referindo ao mesmo incidente, e a agência de notícias Reuters não pôde verificar imediatamente as afirmações.

Moscou voltou seu foco na guerra para o sul e para o leste da Ucrânia depois de não conseguir capturar Kiev nas primeiras semanas de um conflito que destruiu cidades, matou milhares de civis e forçou mais de 5 milhões de pessoas a fugir do país. As forças russas capturaram em março Kherson, cidade 100 km ao norte da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, e desde então ocuparam Mariupol.

O tempo melhorou sobre o Donbass, o leste russófono ucraniano objeto de ofensiva de Moscou. A previsão para dez dias indica ausência da chuva que vinha atrapalhando os russos em suas ações em campo aberto, com elevação da temperatura que pode solidificar caminhos hoje enlameados.

Já neste domingo, os russos começaram a bombardear o entorno de Liman, pequena cidade vital por seu entroncamento ferroviário, que fornece suprimentos para as forças de Kiev que estão sendo cercadas a leste, sul e norte pelos russos. Do lado ucraniano, foram relatados os primeiros usos de obuseiros de 155 mm norte-americanos contra posições russas na região.

Com informações do New York Times

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