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Premiê do Sri Lanka renuncia após protestos ligados à crise econômica

Pandemia acelerou descontentamento; deputado governista morre em meio a manifestações, que deixaram 140 feridos

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Colombo | Reuters e AFP

O premiê do Sri Lanka, país asiático de 22 milhões de habitantes, apresentou sua renúncia ao cargo nesta segunda-feira (9) em meio a protestos relacionados à pior crise econômica desde que a nação conquistou sua independência do Reino Unido, em 1948.

Mahinda Rajapaksa, 76, enviou sua carta de renúncia ao presidente Gotabaya Rajapaksa, que é seu irmão mais novo, pouco após um toque de recolher ser determinado por autoridades de segurança na tentativa de conter novos protestos de rua. Os atos —que vêm depois de uma onda de manifestações em março— deixaram cinco mortos e quase 200 feridos e pediram a saída dos governantes devido ao fracasso de sua agenda econômica.

O premiê demissionário do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, durante evento em Colombo - Dinuka Liyanawatte - 9.ago.20/Reuters

Milhares de simpatizantes do governo, armados com paus e pedras, atacaram nesta segunda os manifestantes que acampam desde 9 de abril em frente à sede presidencial. À noite, foram ouvidos disparos da residência oficial do primeiro-ministro.

No texto de renúncia, o premiê diz que está deixando o cargo para permitir que o país forme um governo de unidade. "Várias partes indicaram que a melhor solução para a crise atual seria a formação de um governo interino, com todos os partidos; por isso apresentei minha demissão, para que os próximos passos da Constituição sejam dados."

O porta-voz do governo comunicou à imprensa que todos os demais membros do gabinete também deixaram o cargo e que o presidente deve chamar os partidos políticos para formar um novo governo de unidade. "O presidente se reunirá com partidos independentes e de oposição, e esperamos um novo governo nos próximos dias."

Atingido duramente pela pandemia de Covid-19, o país insular também convive com o aumento dos preços de combustíveis e se preparava para uma reunião virtual com o Fundo Monetário Internacional (FMI) na tentativa de obter assistência financeira emergencial.

Longas filas para comprar gás de cozinha nas últimas semanas desaguaram em protestos improvisados, inicialmente puxados por consumidores insatisfeitos que bloquearam estradas. Empresas de energia disseram que estão com poucos estoques de gás.

Manifestantes pró-governo, segundo relatos da agência Reuters, atacaram opositores com barras de ferro e outros artefatos durante os protestos. Os confrontos ocorreram principalmente perto das tendas do recém-criado movimento Gota Go Home —vá para casa, Gota (em referência ao nome do presidente)—, que, em seu site oficial, se define como uma plataforma gerida majoritariamente por jovens para exigir o fim da corrupção e a renúncia do governo Rajapaksa.

Cento e oitenta e uma pessoas foram hospitalizadas, informou um porta-voz do Hospital Nacional de Colombo à AFP. Além disso, foram registrados oito feridos em outros pontos do país.

De acordo com a polícia, na cidade de Nittambuwa o deputado governista Amarakeerthi Athukorala atirou e feriu com gravidade duas pessoas que bloqueavam a passagem de seu carro —uma delas morreu— e, depois, suicidou-se perto do local. Seu guarda-costas também foi encontrado morto, acrescentou a polícia.

Outro político do partido governista, não identificado, abriu fogo contra um grupo de manifestantes na localidade de Weeraketiya, no sul, matando duas pessoas e ferindo cinco, segundo a polícia. O líder da oposição, Sajith Premadasa, tentou se aproximar da área de confrontos, mas foi atacado pela multidão e teve que ser rapidamente retirado pelos seguranças.

O líder sindical Ravi Kumudesh alertou neste fim de semana que mobilizará os trabalhadores do setor público e privado para invadir o Parlamento nacional na abertura dos trabalhos, no dia 17 de maio.

Na sexta-feira, o presidente declarou estado de emergência pela segunda vez em cinco semanas, concedendo poderes ampliados às forças de segurança, inclusive autorizando a detenção de suspeitos por longos períodos sem supervisão judicial. Ele também autorizou o envio dos militares para manter a ordem, como reforço da polícia.

O agora ex-premiê e o presidente pediram calma à população. "Condenamos veementemente os atos de violência registrados, independentemente da filiação política daqueles que os praticam", escreveu o presidente Rajapaksa em uma rede social. "A violência não vai resolver os problemas atuais do Sri Lanka."

Por sua vez, a embaixadora dos Estados Unidos na ilha, Julie Chung, condenou a violência perpetrada "contra manifestantes pacíficos" e instou o governo a abrir uma investigação aprofundada sobre os eventos.

Pandemia e crise econômica

Ainda que a crise sanitária tenha dado o empurrão que faltava para o caos político e social, manifestantes e analistas apontam que a crise econômica tem origem na administração da família Rajapaksa. Os governantes anunciaram grandes cortes de impostos, que afetaram a arrecadação do governo e fizeram o país ter de usar suas reservas.

A campanha oficial de proibição do uso de fertilizantes químicos, sob a alegada justificativa de promover a agricultura orgânica para fins de saúde pública, também teve peso, com agricultores tendo uma das piores colheitas no ano passado, e a população assistindo ao preço de produtos alimentícios básicos subir.

Calculada em US$ 51 bilhões, a grande dívida externa do país levou o governo a decretar a moratória de pagamentos em 12 de abril.

De família tradicional na política, Mahinda Rajapaksa assumiu uma cadeira no Parlamento do Sri Lanka pela primeira vez em 1970, quando, aos 24 anos, tornou-se seu membro mais jovem. Décadas depois, em 2005, foi eleito presidente —cargo que ocupou até 2015.

O principal marco de seu governo foi a vitória que conquistou sobre os separatistas conhecidos como Tigres Tâmeis em 2009, episódio que catapultou sua popularidade doméstica, mas também rendeu críticas de observadores internacionais devido a relatos de violência.

O Sri Lanka assistiu a décadas de conflito, desde os anos 1980, entre os rebeldes separatistas tâmil, majoritariamente hindus, que lutavam pela criação de um Estado independente ao norte, e a maioria cingalesa, predominantemente budista. Mediado pela Noruega, um acordo de cessar-fogo chegou a ser firmado em 2002. Quando presidente, porém, Rajapaksa tornou objetivo de seu mandato erradicar os Tigres Tâmeis, derrotados em 2009, pondo fim à longa guerra civil.​

Em relatório publicado em fevereiro, a alta comissária das Nações Unidas para direitos humanos, Michelle Bachelet, manifestou preocupação com o que descreveu como "tendências contínuas de militarização e nacionalismo étnico-religioso" no Sri Lanka que, seguiu, "minam as instituições democráticas, aumentam a tensão entre as minorias e impedem a reconciliação".

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