Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Putin descobre da pior forma os problemas de se tornar ditador, diz autor americano

Para Tom G. Palmer, Rússia tem se tornado estado totalitário, em que qualquer dissenso é proibido

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São Paulo

Para o escritor americano Tom G. Palmer, o desenrolar da Guerra da Ucrânia tem mostrado ao presidente Vladimir Putin, e da pior forma, o que acontece quando você se torna um ditador.

Nesse cenário, seus assessores e conselheiros não querem dar notícias ruins, temendo acabar na prisão ou sofrer um acidente mal explicado, e, sem compreensão clara do cenário, você passa a acreditar na própria propaganda e toma decisões com base em análises malfeitas.

"Isso fica claro quando Putin demite seus conselheiros de inteligência mais próximos", diz, fazendo referência a relatos de que teria havido um expurgo no Kremlin depois de a guerra durar mais do que o previsto inicialmente. "Todos [os oficiais] tinham receio de dizer a ele qual era a real situação do Exército russo e a real condição de resistência da Ucrânia."

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em evento no Kremlin - Natalia Kolesnikova/AFP

Até o começo do conflito, o político acreditava que suas forças marchariam sobre o vizinho muito facilmente e, depois, que o Kremlin teria apoiadores no país em número suficiente para tomar o poder. "Nada disso era verdade", diz Palmer, doutor em ciência política pela Universidade de Oxford.

Pesquisador do think tank Cato Institute e vice-presidente da Atlas Network —organização focada na promoção de ideias liberais—, ele atua no Leste Europeu desde o fim dos anos 1980, quando, ao fim da União Soviética, contrabandeou livros e até máquinas de xerox para difundir ideias libertárias em repúblicas socialistas da região.

O autor acaba de voltar da Ucrânia, onde viu de perto alguns dos efeitos da guerra, que em menos de dois meses deixou mais de 5 milhões de refugiados, na crise migratória mais acelerada desde a Segunda Guerra Mundial. Como voluntário, participou de operações de ajuda humanitária, entrega de materiais para hospitais e retirada de refugiados pela Polônia.

"Todas as pessoas que eu ajudei a retirar, todas elas, falavam russo. Algumas nem entendiam ucraniano bem. E todas diziam que não concordavam com essa suposta 'liberação'. Tinham o russo como língua principal, mas diziam querer continuar a ser ucranianos", relata.

Segundo o pesquisador, a Rússia de Putin, assim como a China de Xi Jinping, tem feito a transição de um Estado autoritário para um totalitário.

No passado, enquanto ocupavam o campo do autoritarismo, esses países permitiam algum nível de discordância do regime, sobretudo em círculos acadêmicos, por considerarem que não valia a pena o desgaste de reprimir ideias que circulariam pouco, uma vez que o Estado detinha o controle sobre praticamente toda a imprensa.

"Deixavam intelectuais produzirem críticas e permitiam veículos como a Novaia Gazeta, que não eram necessariamente uma ameaça porque a maior parte da população se informa pela televisão, e o regime controla esse meio", afirma ele, referindo-se ao jornal independente russo cujo editor-chefe ganhou o Nobel da Paz em 2021 por defender a liberdade de expressão.

Mas a situação em Pequim e Moscou se desenrolou ao ponto de nenhum dissenso ser tolerado, diz, consolidando-se assim como regimes totalitários. "Todos devem concordar integralmente com os pensamentos do líder ou serão punidos, como acontece com quem protesta contra a guerra." Na Rússia, chamar de guerra o que o Kremlin define como uma "operação militar especial" na Ucrânia pode levar a 15 anos de prisão.

Ao mesmo tempo que Putin toma essas medidas totalitárias, do outro lado do front o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também proibiu partidos políticos oposicionistas, um deles com 44 assentos no Parlamento, depois que a guerra começou.

Questionado sobre o quanto essa medida também não pode ser classificada como autoritária, Palmer afirma que a suspensão se deu não porque fossem legendas da oposição, mas sim financiadas pela Rússia, pró-Kremlin e, em parte, contrárias à própria independência ucraniana.

"É um contexto de conflito. A Suíça fechou o Partido Nazista [em 1940, na Segunda Guerra]. O Reino Unido também fechou o partido União Britânica de Fascistas enquanto guerreava contra Mussolini. Não é uma medida incomum em tempos de guerra proibir a atuação de grupos que defendem o agressor. Mas o que é interessante é que, até a guerra começar, esses partidos estavam em pleno funcionamento. Ao contrário da Rússia, que acabou com a oposição interna em tempos de paz. Isso me parece fazer muita diferença."

Tom G. Palmer, escritor americano e ativista liberal
Tom G. Palmer, escritor americano e ativista liberal - Divulgação

​Palmer acaba de lançar o livro "Development with Dignity - Self-determination, Localization, and the End to Poverty" (desenvolvimento com dignidade - autodeterminação, localização e o fim da pobreza), ainda sem tradução no Brasil, em que defende que o fim da pobreza só pode ser atingido ao se priorizar a dignidade humana e que a prosperidade plena depende do reconhecimento da autonomia do indivíduo.

Observador da política internacional, não só do Leste Europeu, ele também acompanha de perto o Brasil e se diz preocupado que o país venha "passando por um período muito difícil" nos últimos anos, agravado pela pandemia da Covid-19. Além dos efeitos da doença, ele alerta para o dano que o negacionismo causou no combate à crise sanitária.

"Aconteceu algo similar ao que ocorreu nos EUA, com uma estranha guerra cultural em relação à pandemia, em que no fim o próprio [ex-presidente Donald] Trump foi vaiado ao admitir, envergonhado, que tinha tomado a vacina da Covid-19. Um episódio muito estranho de testemunhar e que lembra a situação do Brasil. Acredito que são coisas extremamente disruptivas e danosas ao país", diz ele.

Ativista libertário, Palmer também se diz preocupado com as frequentes manifestações públicas do presidente Jair Bolsonaro (PL) em apoio à ditadura militar. "Definitivamente não é algo de se orgulhar. Os brasileiros deveriam ter orgulho de sair da ditadura, não de terem sido uma. O trabalho dos militares é o de proteger o país, não de comandá-lo. A ideia de voltar a isso é preocupante."

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