Para o escritor americano Tom G. Palmer, o desenrolar da Guerra da Ucrânia tem mostrado ao presidente Vladimir Putin, e da pior forma, o que acontece quando você se torna um ditador.
Nesse cenário, seus assessores e conselheiros não querem dar notícias ruins, temendo acabar na prisão ou sofrer um acidente mal explicado, e, sem compreensão clara do cenário, você passa a acreditar na própria propaganda e toma decisões com base em análises malfeitas.
"Isso fica claro quando Putin demite seus conselheiros de inteligência mais próximos", diz, fazendo referência a relatos de que teria havido um expurgo no Kremlin depois de a guerra durar mais do que o previsto inicialmente. "Todos [os oficiais] tinham receio de dizer a ele qual era a real situação do Exército russo e a real condição de resistência da Ucrânia."
Até o começo do conflito, o político acreditava que suas forças marchariam sobre o vizinho muito facilmente e, depois, que o Kremlin teria apoiadores no país em número suficiente para tomar o poder. "Nada disso era verdade", diz Palmer, doutor em ciência política pela Universidade de Oxford.
Pesquisador do think tank Cato Institute e vice-presidente da Atlas Network —organização focada na promoção de ideias liberais—, ele atua no Leste Europeu desde o fim dos anos 1980, quando, ao fim da União Soviética, contrabandeou livros e até máquinas de xerox para difundir ideias libertárias em repúblicas socialistas da região.
O autor acaba de voltar da Ucrânia, onde viu de perto alguns dos efeitos da guerra, que em menos de dois meses deixou mais de 5 milhões de refugiados, na crise migratória mais acelerada desde a Segunda Guerra Mundial. Como voluntário, participou de operações de ajuda humanitária, entrega de materiais para hospitais e retirada de refugiados pela Polônia.
"Todas as pessoas que eu ajudei a retirar, todas elas, falavam russo. Algumas nem entendiam ucraniano bem. E todas diziam que não concordavam com essa suposta 'liberação'. Tinham o russo como língua principal, mas diziam querer continuar a ser ucranianos", relata.
Segundo o pesquisador, a Rússia de Putin, assim como a China de Xi Jinping, tem feito a transição de um Estado autoritário para um totalitário.
No passado, enquanto ocupavam o campo do autoritarismo, esses países permitiam algum nível de discordância do regime, sobretudo em círculos acadêmicos, por considerarem que não valia a pena o desgaste de reprimir ideias que circulariam pouco, uma vez que o Estado detinha o controle sobre praticamente toda a imprensa.
"Deixavam intelectuais produzirem críticas e permitiam veículos como a Novaia Gazeta, que não eram necessariamente uma ameaça porque a maior parte da população se informa pela televisão, e o regime controla esse meio", afirma ele, referindo-se ao jornal independente russo cujo editor-chefe ganhou o Nobel da Paz em 2021 por defender a liberdade de expressão.
Mas a situação em Pequim e Moscou se desenrolou ao ponto de nenhum dissenso ser tolerado, diz, consolidando-se assim como regimes totalitários. "Todos devem concordar integralmente com os pensamentos do líder ou serão punidos, como acontece com quem protesta contra a guerra." Na Rússia, chamar de guerra o que o Kremlin define como uma "operação militar especial" na Ucrânia pode levar a 15 anos de prisão.
Ao mesmo tempo que Putin toma essas medidas totalitárias, do outro lado do front o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também proibiu partidos políticos oposicionistas, um deles com 44 assentos no Parlamento, depois que a guerra começou.
Questionado sobre o quanto essa medida também não pode ser classificada como autoritária, Palmer afirma que a suspensão se deu não porque fossem legendas da oposição, mas sim financiadas pela Rússia, pró-Kremlin e, em parte, contrárias à própria independência ucraniana.
"É um contexto de conflito. A Suíça fechou o Partido Nazista [em 1940, na Segunda Guerra]. O Reino Unido também fechou o partido União Britânica de Fascistas enquanto guerreava contra Mussolini. Não é uma medida incomum em tempos de guerra proibir a atuação de grupos que defendem o agressor. Mas o que é interessante é que, até a guerra começar, esses partidos estavam em pleno funcionamento. Ao contrário da Rússia, que acabou com a oposição interna em tempos de paz. Isso me parece fazer muita diferença."
Palmer acaba de lançar o livro "Development with Dignity - Self-determination, Localization, and the End to Poverty" (desenvolvimento com dignidade - autodeterminação, localização e o fim da pobreza), ainda sem tradução no Brasil, em que defende que o fim da pobreza só pode ser atingido ao se priorizar a dignidade humana e que a prosperidade plena depende do reconhecimento da autonomia do indivíduo.
Observador da política internacional, não só do Leste Europeu, ele também acompanha de perto o Brasil e se diz preocupado que o país venha "passando por um período muito difícil" nos últimos anos, agravado pela pandemia da Covid-19. Além dos efeitos da doença, ele alerta para o dano que o negacionismo causou no combate à crise sanitária.
"Aconteceu algo similar ao que ocorreu nos EUA, com uma estranha guerra cultural em relação à pandemia, em que no fim o próprio [ex-presidente Donald] Trump foi vaiado ao admitir, envergonhado, que tinha tomado a vacina da Covid-19. Um episódio muito estranho de testemunhar e que lembra a situação do Brasil. Acredito que são coisas extremamente disruptivas e danosas ao país", diz ele.
Ativista libertário, Palmer também se diz preocupado com as frequentes manifestações públicas do presidente Jair Bolsonaro (PL) em apoio à ditadura militar. "Definitivamente não é algo de se orgulhar. Os brasileiros deveriam ter orgulho de sair da ditadura, não de terem sido uma. O trabalho dos militares é o de proteger o país, não de comandá-lo. A ideia de voltar a isso é preocupante."
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.