Timor Leste, único lusófono do Sudeste Asiático, quer maior cooperação com Brasil

Independente há 20 anos, país deseja parceria agrícola e em educação, ainda que relações bilaterais tenham diminuído

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Guarulhos

Uma das primeiras recordações que o atual embaixador do Timor Leste em Brasília, Olímpio Miranda Branco, 68, tem do Brasil são as páginas da revista Manchete, surrupiada por ele e por colegas de suas tias que tinham em mãos a extinta publicação semanal brasileira.

Na década de 1970, afinal, o Brasil era uma espécie de irmão mais velho que havia muito tinha alcançado a independência em relação a Portugal. Já o país do Sudeste Asiático se separaria em 1975, mas logo veria a Indonésia invadi-lo, numa ocupação que durou duas décadas.

O então presidente do Brasil, Michel Temer, recebe Taur Matan Ruak, então líder do Timor Leste e hoje premiê do país, no Palácio do Planalto
O então presidente do Brasil, Michel Temer, recebe Taur Matan Ruak, então líder do Timor Leste e hoje premiê do país, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 31.out.16/Folhapress

​Hoje, o diplomata enxerga no Brasil um potencial parceiro para ajudar a solucionar o principal entrave da economia timorense: a falta de diversificação. A maior parte das finanças do país vem do petróleo, e o desejo é investir na produção de bens de primeira necessidade, para aproveitar o potencial agrícola.

O objetivo é desenvolver os ramos agrícola e alimentar com tecnologia e experiência brasileiras. "Investindo no setor produtivo, com pequenas indústrias, criamos empregos para os nossos jovens, evitando que deixem o Timor para trabalhos sazonais em outros países", diz Miranda Branco.

Apesar do desejo timorense, o movimento parece embrionário —e a pandemia não ajudou. Visitas de empresários brasileiros ao país, previamente marcadas, foram canceladas devido à crise sanitária e, diz o embaixador, devem ser retomadas em breve. Há, ainda, tentativas de diálogos no campo institucional.

O comércio entre os países é pequeno. Em 2021, o Brasil exportou US$ 10,7 milhões para o Timor Leste —muito mais do que os US$ 105 mil exportados em 2003, mas aquém do volume para vizinhos como a Indonésia (US$ 2 bilhões). Carnes e maquinário agrícola são o grosso das exportações.

Informações de 2019 do governo timorense mostram que o Brasil corresponde à fatia de 2% nos fornecimentos para o país. Já as importações do Timor para cá são irrisórias. O ano mais expressivo foi o de 2020, com US$ 82,5 mil, mostra o Comex Stat, sistema do governo para consultas do comércio exterior.

O desejo do Timor, que com o Brasil e outras sete nações forma a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), vem em meio a um refluxo na cooperação bilateral. Outrora referência na atuação no país, o Brasil tem diminuído a participação, analisam especialistas que acompanham o tema.

A falta de disposição política do Estado brasileiro não é o único fator que pesa, diz Kelly Silva, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Paloc, o laboratório de pesquisa do Museu de História Natural da França, no Timor Leste. "A falta de articulação adequada das elites timorenses para fazer lobby e a maior cooperação de outros países, como Portugal, também são importantes."

Questionado, o Itamaraty afirmou que, desde o início da relação bilateral, mais de 90 projetos foram colocados de pé. Entre os que continuam, estão cooperações nas áreas de justiça, diplomacia e militar. Nesses casos, a pedido de Díli, o governo brasileiro fornece capacitação aos profissionais timorenses.

O principal programa de cooperação na área de educação entre os dois países, no entanto, foi encerrado em 2016. Até hoje, o projeto, então gerido pelo Itamaraty e pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) com direção acadêmica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é lembrado com saudosismo por timorenses, que não entendem ao certo o motivo da interrupção.

Iniciado em 2004, o programa levava 50 professores brasileiros por ano para o Timor Leste para atuarem na formação de educadores do nível básico de ensino, bem como para contribuir em universidades e na formação continuada dos docentes. O projeto era renovado periodicamente, o que não ocorreu em 2015. De 2005 até março de 2016, quase 10 mil atendimentos a timorenses foram realizados.

Interlocutores relatam que não havia mais interesse institucional do Brasil em renovar o acordo e que a justificativa de ausência de orçamento era a principal, mas também salientam que a crise política na qual o Brasil estava imerso, em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), teve impacto. Pouco antes do encerramento, o Timor havia pedido que o dobro de professores fosse enviado na próxima turma. Questionada, a Capes disse que a iniciativa foi encerrada "após cumprir seus objetivos".​

Kelly Silva, que estuda o país desde o início dos anos 2000, lamenta o enfraquecimento da parceria. "O Brasil tem muito a contribuir principalmente com práticas pedagógicas alternativas, inspiradas em Paulo Freire, muito conhecido no Timor, e na construção de um sistema educacional mais crítico."

"O processo de disseminação da língua portuguesa com a participação do Brasil foi extremamente importante", destaca a professora Suzani Cassiani, da UFSC, que atuou na coordenação do programa.

Ainda que seja uma das línguas oficiais do Timor Leste junto com o tétum, o português é falado por poucos —em 2010, somente 24% eram fluentes. O idioma, ainda que disseminado com a colonização portuguesa, foi proibido durante a ocupação indonésia. Após a restauração da independência, foi acolhido como uma maneira de reafirmar a identidade nacional e se diferenciar dos vizinhos. Mas logo veio o desafio de disseminá-lo entre a população mais jovem, tarefa na qual o Brasil foi um grande parceiro.

O Itamaraty afirmou que há uma parceria vigente para formação em português dos funcionários da administração pública timorense e que, com a melhora da pandemia, uma visita ao país está marcada para avaliar a viabilidade de novas colaborações. A demanda por apoio para a produção animal com ajuda brasileira, mencionada pelo embaixador, também está nos planos.

Timorenses seguem vindo estudar no Brasil por meio de parcerias institucionais. De acordo com o embaixador Miranda Branco, hoje cerca de 90 cidadãos do país, entre alunos e missionários religiosos, residem no país. "Além de bolsas acadêmicas, famílias que têm dinheiro escolheram o Brasil para enviar seus filhos para estudar. É uma escolha consciente, pensando na qualidade do ensino."

Já o número de brasileiros no Timor Leste era de 123 em 2020, de acordo com relatório do Ministério das Relações Exteriores. Ainda que o Timor seja um bastião do catolicismo —mais de 90% da população é católica, mostram dados oficiais—, a antropóloga Kelly Silva relata que, nos últimos anos, cada vez mais missionários brasileiros evangélicos desembarcam no país com projetos sociais.

"Muitos desses espaços, porém, são condicionados pela conversão ao protestantismo, ainda que isso não seja colocado no espaço público, de modo que há proselitismo religioso", diz.

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