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Documentário 'Endangered' retrata jornalistas ameaçados em países democráticos

Filme mostra história de Patricia Campos Mello, repórter da Folha e alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro

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Lúcia Guimarães
Nova York

Jornalistas têm filhos, cachorros e usam pijama. E também ficam de lombeira com a família no sofá.

Se esse detalhe mundano não merece primeira página em nenhum jornal, o retrato de jornalistas é humanizado no documentário "Endangered" (ameaçados de extinção), com cenas de domesticidade em contraponto à rotina de risco de morte, balas de borracha e perseguição digital como a enfrentada por Patrícia Campos Mello, da Folha, uma entre quatro repórteres que a obra acompanha, a partir de 2020.

Cenas do documentário 'Endangered', sobre jornalistas em risco em países democráticos
Cenas do documentário 'Endangered', sobre jornalistas em risco em países democráticos - Divulgação

Nas primeiras cenas do filme, que estreou no domingo (12), no festival Tribeca, em Nova York, ouvimos o hino nacional sobre imagens de Patrícia dirigindo e, em seguida, num comício pró-Bolsonaro na avenida Paulista. Assistimos a falas violentas sobre a mídia —"esta gente tem que ser exterminada", diz um orador.

Ela explica que o Brasil é uma democracia jovem em que a liberdade de imprensa ainda é frágil. E relata como se tornou alvo de ataques de Jair Bolsonaro, motivo de uma ação que ganhou contra o presidente.

Além de Patrícia, elas acompanham a fotojornalista mexicana Sáshenka Gutiérrez, o fotojornalista Carl Juste, do jornal Miami Herald, e o britânico Oliver Laughland, correspondente do Guardian nos EUA, que aparece cobrindo a campanha de Donald Trump e sendo hostilizado por apoiadores do ex-presidente.

O critério de escolha dos personagens pelas diretoras, Heidi Ewing e Rachel Grady —indicadas ao Oscar por "Jesus Camp" (2006), sobre uma colônia de férias na qual crianças recebem doutrinação evangélica—, foi o fato de os jornalistas pertencerem a quatro democracias, para melhor examinar o declínio da liberdade de imprensa, agravada pelo desaparecimento de empresas de jornalismo local nos EUA.

Após a sessão de estreia, as diretoras e os quatro repórteres se juntaram no palco da sala de cinema ao produtor-executivo do filme, o autor e jornalista Ronan Farrow, filho de Woody Allen e Mia Farrow.

Da esq. para a dir., a fotojornalista mexicana Sáshenka Gutiérrez, de branco, acompanhada de uma tradutora, à esq., a repórter da Folha Patricia Campo Mello, Jodie Ginsberg, presidente do Comitê para a Proteção de Jornalistas, o correspondente do Guardian Oliver Laughland e o fotojornalista Carl Juste, do Miami Herald, em Nova York
Da esq. para a dir., a fotojornalista mexicana Sáshenka Gutiérrez, de branco, acompanhada de uma tradutora, à esq., a repórter da Folha Patricia Campo Mello, Jodie Ginsberg, presidente do Comitê para a Proteção de Jornalistas, o correspondente do Guardian Oliver Laughland e o fotojornalista Carl Juste, do Miami Herald, em Nova York - Lúcia Guimarães/Folhapress

Ewing afirmou que jornalista não gosta de dar entrevista ou ser notícia. Patrícia concordou, mas se disse satisfeita por ver que o filme mostra que ser repórter é um trabalho como qualquer outro, apesar dos riscos. O fotógrafo Juste, nascido no Haiti, diz que aceitou ser filmado ao longo dos protestos raciais após o assassinato de George Floyd para deixar um testemunho para a geração de seu filho.

Juste e Patrícia aparecem no documentário conversando com os filhos, alertas sobre as hostilidades que fazem parte da rotina dos repórteres. Ambos têm senso de humor sobre os desafios dos pais. O filho de Patrícia, que no começo das gravações tinha sete anos de idade, a certa altura conta triunfante que chamou de analfabeto um troll que fez um ataque online a sua mãe, escrevendo em português incorreto.

A pandemia aparece em falas negacionistas de Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador, presidente do México. Na Cidade do México, aliás, Gutiérrez documenta famílias de mortos aos prantos em um hospital.

A experiência dos quatro jornalistas mostra aspectos diferentes que conferem mais clareza aos desafios da profissão no presente. Juste, que é negro, documenta a violência racial. O britânico Laughland escreve sobre o declínio da democracia americana desde que se mudou para o país, em 2014. Gutiérrez acompanha atos de mulheres contra feminicídio que são alvo de repressão violenta da polícia. E Patrícia relata sua experiência de intimidação e ataques misóginos online, mostrando memes grotescos no celular.

A desinformação é destacada, mas o filme perde a chance de mostrar o papel das redes sociais na erosão de democracias, um tema que deu projeção internacional a Patrícia, autora do livro "A Máquina de Ódio".

Farrow, celebrizado como um dos repórteres que denunciaram os crimes sexuais de Harvey Weinstein, disse que reconheceu, nos problemas enfrentados pela jornalista brasileira, momentos que ele passou. Em 2017, contou, o produtor contratou ex-agentes do serviço secreto israelense para espioná-lo. Ele, então, saiu temporariamente de seu apartamento e chegou a ser aconselhado a comprar uma arma.

"São problemas idiossincráticos", comentou. Tem razão. Os riscos corridos pelos quatros jornalistas em "Endangered" não se comparam a cenários plausíveis de intimidação em Nova York contra Farrow, proeminente ex-funcionário do Departamento de Estado no governo de Barack Obama.

Endangered

  • Quando Lançamento em 28.jun
  • Elenco Sáshenka Gutiérrez, Carl Juste, Oliver Laughland, Patrícia Campos Mello e Joel Simon
  • Produção HBO Max
  • Direção Rachel Grady e Heidi Ewing
  • Duração 90 min
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