Famílias do Texas se mudam para Lisboa em busca de escolas mais seguras

Pais reafirmam escolha após ataque a tiros que matou 19 crianças em instituição dos EUA há menos de um mês

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Macy Lipkin
Mensagem de Lisboa

Quando a filha de Tara Fisher-Muñoz começou o décimo ano numa escola pública em Lisboa, ela perguntou quando haveria uma simulação de tiroteio. Foi confrontada com olhares de espanto e informada que na capital portuguesa isso não se faz.

"Acho que meus filhos tinham estresse pós-traumático só por fazerem a simulação desde o jardim da infância", diz. Ela, o marido e os dois filhos adolescentes mudaram-se para o bairro do Areeiro vindos de Austin, cidade no Texas, em julho passado.

Os Fisher-Munoz no Centro Cultural de Belém
A família Fisher-Munoz no Centro Cultural de Belém - Arquivo pessoal

Embora Austin seja uma cidade muito progressistas, num Texas onde os republicanos levaram ao extremo a política de armas livres, a família Fisher-Muñoz procurava em Lisboa uma fuga da política dos Estados Unidos e uma vida de alta qualidade, mas mais acessível economicamente. Juntaram-se assim ao número crescente de americanos que se mudaram para Portugal por razões semelhantes.

Toda a família fala espanhol —o marido, Fernando, é chileno—, então seria natural eles se mudarem para a Espanha. Mas o processo para obter um visto para Portugal era mais fácil, e "tudo em Portugal é incrível", diz Fisher-Muñoz. Foram para Lisboa com vistos D7 —para pessoas aposentadas e trabalhadores a distância que não precisam procurar emprego no país e querem autorização de residência.

A filha de Fisher-Muñoz quer fazer animação, e a família se mudou para Areeiro, nas proximidades da escola pública de artes António Arroio. "E é muito seguro, calçadas planas, sem colinas", diz Fisher-Muñoz, que adora o seu bairro. Estão alugando uma casa, mas querem comprar um apartamento em breve.

"Mas é muito caro aqui", desabafa, embora isso não espante, tendo em conta a quantidade de relatos de compatriotas que vai encontrando com o mesmo interesse por meio de seu blog.

Fisher-Muñoz começou um blog no ano passado chamado Vegan Family Adventures, para escrever sobre viagens, comida e episódios da logística da mudança para Portugal. Começou como um hobby, mas está crescendo e começando a ser também uma fonte de rendimentos. "Tenho por missão espalhar o veganismo em Portugal e dizer a todo o mundo quais são as opções aqui."

Fernando trabalha remotamente para uma empresa em Austin e tem um estúdio de arte na LxFactory, em Lisboa, no qual trabalha três ou quatro vezes por semana. Tem feito amizade com outros artistas em eventos. "É divertido, porque é uma comunidade muito internacional."

Quando ela mencionou a ideia de se mudarem para Portugal, a filha, que agora tem 16 anos, e o filho, 14, perguntaram o motivo. "Mas, depois, com as notícias e as escolas com os problemas de insegurança que têm, disseram 'sim, queremos mudar para um país mais seguro'."

O que aconteceu recentemente provou que ela estava certa: em maio, um atirador matou 19 crianças e duas professoras numa escola primária a apenas cerca de 250 km de Austin.

A família Fisher-Muñoz não foi a única que foi para Lisboa para encontrar escolas mais seguras.

Allison Baxley se mudou com o marido e os dois filhos para Cascais, em julho do ano passado. Moraram no Brooklyn por 12 anos —ela e o esposo cresceram na pequena cidade de Rockport, no Texas.

Quando a pandemia começou, eles estavam organizando uma mudança para Budapeste. Os meses se arrastaram e, sem outra oferta de trabalho internacional, acabaram por fazer a mudança sozinhos.

Baxley gostou muito de Lisboa quando visitou a cidade em 2012, mas queria morar num lugar onde os filhos —com 3 e 6 anos— tivessem espaço para brincar ao ar livre. Em Cascais, encontraram sol o ano todo, proximidade da capital e escolas internacionais. Após escolher a cidade, escolheram uma escola.

Allison e o marido, Dustin Baxley
Allison e o marido, Dustin Baxley, com os filhos - Arquivo pessoal

A mãe queria uma que ensinasse português sem excluí-los por ainda não falarem a língua. "Eles vão ser fluentes muito antes do que eu", diz. O filho de 3 anos já sabe as cores em português. O custo baixo é um bônus: "Pagamos agora por dois filhos o mesmo que pagávamos só para a creche de um em Nova York."

Lá, Baxley trabalhava em publicidade, e o marido, com cinema. Ele agora trabalha em projetos remotamente. Ela deixou a publicidade e começou um blog, Renovating Life (renovando a vida), sobre a mudança para Portugal. "É sobre como estamos mudando as nossas vidas por nos mudarmos para cá", diz ela. "Tenho focado muito a escrita, o que já não fazia no mundo da publicidade", diz.

"Estão acontecendo muitas coisas nos Estados Unidos que são comoventes e frustrantes", diz Baxley. "Queremos que nossos filhos estejam seguros na escola. Com o que aconteceu recentemente, é mais que óbvio que as coisas não vão numa boa direção", diz.

Portugal é o terceiro país mais seguro no mundo. Houve um tiroteio numa escola em 2018, mas não envolvia estudantes nem pessoal escolar. Em fevereiro, um homem que teria planejado um ataque a uma universidade foi preso. O país não está livre de crimes, mas não sofre com ataques frequentemente.

Qualquer pessoa que queira uma arma de fogo em Portugal tem que pedir legalmente autorização de porte de arma, e as leis são restritivas. "Sabia que nunca podíamos voltar a morar no Texas após Trump e as coisas feias que vieram disso. Ainda é difícil para mim voltar", diz Baxley.

Ela diz que a sua cidade natal, Rockport, é parecida com Cascais, uma "vila pequena, costeira, piscatória". Por isso, depois de anos a morar em cidades grandes —Chicago, Nova York, Londres, ​Berlim—, em Portugal se sentiu como se voltasse às suas raízes. "Só que na versão portuguesa", diz, sorrindo.

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