Filho de ditador toma posse nas Filipinas 36 anos após revolta popular derrubar seu pai

Após vitória acachapante, Ferdinand Marcos Jr. assume Presidência no lugar de Rodrigo Duterte

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Manila | Reuters e AFP

A família Marcos voltou ao poder nas Filipinas nesta quinta-feira (30), 36 anos após uma revolta popular derrubar o patriarca, o ditador Ferdinand Marcos. Seu filho, Ferdinand Marcos Jr., 64, foi eleito presidente do país no mês passado em uma vitória acachapante e tomou posse nesta quinta, com elogios ao pai em uma tentativa de recuperar o legado da família, expulsa do poder em 1986.

"Estamos aqui para consertar uma casa dividida, para torná-la inteira e para ficarmos fortes novamente", disse o presidente, conhecido como "Bongbong", em um discurso de posse de 30 minutos que contou com a presença da irmã Imee, senadora, e da mãe Imelda, figura controversa durante os anos ditatoriais.

Ferdinand Marcos Jr. em cerimônia de posse como novo presidente das Filipinas - Rouelle Umali/Xinhua

O falecido ditador Ferdinand Marcos comandou as Filipinas por duas décadas, a partir de 1965, quase metade desse período sob a famosa lei marcial de 1972, espécie de AI-5 filipino, que, sob o pretexto de evitar uma revolta comunista, prendeu opositores, cometeu abusos de direitos humanos contra 11 mil pessoas e foi responsável pela morte de 2.326 pessoas, além de 1.922 casos documentados de tortura, de acordo com um órgão do governo criado para apurar os crimes do período.

Sob o ditador, o nome da família tornou-se sinônimo de clientelismo, extravagância e roubo de bilhões de dólares de dinheiro público. A família Marcos nega peculato. "Não estou aqui para falar do passado. Estou aqui para falar do nosso futuro", disse Marcos Jr. diante de milhares de apoiadores agitando bandeiras e vestindo vermelho, cor associada ao pai. "Sem olhar para trás com raiva ou nostalgia."

Apesar da promessa, o novo presidente defendeu o legado do ditador e disse que vai tentar repetir suas conquistas. "Uma vez conheci um homem que viu quão pouco havia sido alcançado desde a independência (...), mas ele conseguiu [fazer o país se desenvolver]. Às vezes com o apoio necessário, às vezes sem. E assim será com seu filho. Vocês não ouvirão desculpas de mim", disse.

Marcos Jr. fez o juramento no fortemente vigiado Museu Nacional, antiga sede do Parlamento e palco de várias manifestações contra o regime de seu pai. Ele prometeu criar postos de trabalho e reduzir a inflação no país de 110 milhões de pessoas, quase um quarto das quais vive com menos de US$ 2 por dia.

Ele sucede Rodrigo Duterte, presidente mais popular da história recente das Filipinas, mas questionado internacionalmente devido à violenta política de guerra às drogas. Antes da posse, Duterte recebeu Marcos Jr. no palácio presidencial de Malacañán, a residência que a família do ditador teve que abandonar às pressas antes de fugir para o exílio. Antes rivais, as famílias se aliaram para as eleições, nas quais o filho do ditador fez campanha ao lado da filha do agora ex-presidente, Sara Duterte, eleita vice-presidente.

Analistas afirmam que o novo presidente deve abandonar a controversa política antidrogas. "A elite política das Filipinas está preparada para virar a página da violência da guerra às drogas", disse Greg Wyatt, da PSA Philippines Consultancy. "A guerra contra as drogas já atraiu suficiente atenção negativa".

No cenário internacional, o novo presidente pretende defender os direitos das Filipinas no disputado Mar do Sul da China, cujo controle é reivindicado por Pequim. Ao contrário de Duterte, que se distanciou dos EUA e se aproximou da China, Marcos Jr. disse que deseja ter uma relação equilibrada com os dois países. No mês passado, ele definiu sua política internacional como "amigo de todos, inimigo de ninguém".

A cerimônia de posse desta quinta-feira teve as presenças do vice-presidente chinês, Wang Qishan, e do segundo-cavalheiro dos Estados Unidos, Douglas Emhoff, marido da vice-presidente Kamala Harris.

Nas redondezas, centenas de pessoas protestaram. Com faixas como "Rejeite Marcos", eles se reuniram na praça Miranda, onde alguns opositores de seu pai foram mortos e feridos em um atentado. Vítimas de perseguição prometeram se proteger contra o que chamaram de tirania e mentiras. "Os sobreviventes são uma raça em extinção, e a hora de corrigir falsidades e revelar a verdade é agora", disse Cristina Bawagan.

Marcos Jr. fez uma campanha baseada nas redes sociais e num esforço para mudar a imagem do período ditatorial, um "tempo de ouro" para o país, segundo o presidente, sob o slogan "juntos ressuscitaremos".

Muitos esperam que "Bongbong" seja menos violento e mais previsível do que Duterte, mas ativistas e a igreja temem que ele use sua vitória esmagadora para reforçar seu poder. "A recusa de Marcos Jr. a reconhecer os abusos e os erros do passado, elogiando a ditadura como 'anos dourados', torna muito provável que continue o legado sombrio em seu mandato", alertou a aliança de esquerda Bayan.

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