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Gail Collins e Bret Stephens

Governo Biden tem problemas políticos sérios, e desafios devem aumentar

Democrata enfrenta queda de popularidade e aumento da inflação; leia bate-papo de colunistas do New York Times

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Gail Collins Bret Stephens
The New York Times

Gail Collins e Bret Stephens são colunistas do jornal The New York Times e toda semana travam um diálogo na seção de opinião do veículo americano. Desta vez, os dois discutem os problemas do governo Joe Biden, como a queda de popularidade e a alta da inflação, as audiências na Câmara dos EUA sobre a invasão do Capitólio e o papel da Casa Branca na Guerra da Ucrânia, entre outros assuntos.

Bret Stephens: Oi, Gail. A Presidência de Joe Biden está tendo problemas políticos sérios. Seu índice de aprovação está caindo para profundezas sub-trumpianas. As coisas ainda vão piorar. O presidente precisa ouvir algumas verdades desagradáveis. O que você acha?

Gail Collins: Caramba, Bret, você não prefere começar falando das audiências sobre o 6 de Janeiro? Ou das finais da NBA? Ou até do clima?

Bret: Me espanta quantos torcedores dos Golden State Warriors [time de basquete de San Francisco] há no New York Times. Eles sabem quem são. Os conspiradores do 6 de Janeiro também sabem. Vamos falar deles já já.

Audiência do comitê que investiga a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em Washington
Audiência do comitê que investiga a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em Washington - Mandel Ngan - 13.jun.22/Reuters

Gail: A inflação é obviamente um problema terrível, mas não sei se há muito que Biden possa fazer em relação a isso. Enxugar seus planos de gastos não vai ajudar se o Congresso não vai aprová-los, para começar. É agora que devo dizer "tudo depende do Fed"? Adoro culpar o Fed por todos os nossos problemas.

Bret: O primeiro conselho que eu daria a Biden seria substituir Janet Yellen como secretária do Tesouro por Larry Summers, que ocupou o cargo durante o governo de Bill Clinton.

Summers já estava alertando sobre os riscos inflacionários no início do ano passado, enquanto Yellen os estava minimizando, como ela reconheceu. Ele é o único peso-pesado democrata que daria credibilidade imediata ao desafio –no Salão Oval, junto aos mercados e entre republicanos centristas. Os progressistas o odeiam. Os bancos centrais ouvem o que ele diz. Transmitiria a impressão de Biden tomando as rédeas e assumindo a responsabilidade pelo problema, em vez de agir como refém dos acontecimentos.

Gail: Bem, Yellen admitiu que errou em relação ao perigo de inflação. Portanto, se Biden quiser demonstrar que está tomando uma medida concreta, acho que não há por que não atirá-la aos lobos, já que Washington é o que é. Mas se o que queremos é derrotar a inflação, gosto da ideia maior de Biden: elevar os impostos sobre os ricos para reduzir o déficit.

Bret: Se você quiser fazer os especuladores pagarem caro, controlar a inflação e ajudar os poupadores da classe média, elevar os juros me parece uma solução muito melhor do que aumentar os impostos. Provavelmente provocaria uma recessão acentuada, mas de curta duração, mas acho que também restauraria a confiança doméstica no Federal Reserve e a confiança internacional nos EUA.

Gail: Bom, você e eu discordamos. O que mais você tem em sua lista de tarefas para o presidente?

Bret: A segunda coisa que penso é que o presidente precisa fazer ainda mais para ajudar a Ucrânia a conquistar uma vitória decisiva nas principais batalhas que está travando. O modo como os EUA vêm administrando a guerra tem sido um ponto positivo para o governo, mas Biden precisa fazer mais do que apenas garantir que a Ucrânia sobreviva como um Estado remanescente depois de a Rússia ter arrancado suas regiões ricas em recursos. Se ao final de tudo Vladimir Putin parecer que conseguiu a maior parte do que queria, isso consolidará a percepção pública de um presidente americano que levou a pior.

Gail: Quando começamos a ter nossas conversas, anos atrás, você concordou generosamente com meu pedido de que não falássemos de assuntos internacionais —logo, não vou entrar numa discussão sobre isso. Só vou resmungar que já estamos fazendo muita coisa para ajudar a Ucrânia.

Bret: Você tem razão. O conselho que dou à equipe de Biden é um pouco como a instrução que o personagem de Bill Murray recebe do diretor japonês em "Encontros e Desencontros": "Mais intensidade!"

Gail: Você tem algum terceiro ponto a comentar?

Bret: Meu último conselho ou dica para Biden é que ele reencontre sua voz em questões de lei e ordem e aproveite o recall –por um eleitorado muito progressista— do promotor municipal Chesa Boudin, em San Francisco. Não basta o presidente dizer que é contra o desfinanciamento da polícia. Ele precisa cooperar visivelmente com republicanos como o senador Tim Scott, da Carolina do Sul, e democratas como o prefeito de Nova York, Eric Adams, para destacar o fato de que a segurança nos bairros é um direito cívico fundamental e que ninguém precisa dela mais que as comunidades minoritárias. Combine isso com a legislação inadequada, mas melhor do que nada sobre segurança de armas de fogo que está parecendo que pode realmente ser aprovada no Senado, e temos os ingredientes para um projeto de lei bipartidário.

Gail: Sabia que você acabaria falando de San Francisco.

Bret: Como cantou Tony Bennett, "I Heart my Left in San Francisco" [o título original da canção é "I Left my Heart in San Francisco", deixei meu coração em San Francisco; a tradução do trocadilho poderia ser "eu amo minha esquerda de San Francisco"].

Gail: Faz séculos que você prevê esse tipo de revolta da lei e da ordem pública. Desta vez não vou reagir observando que a situação da criminalidade já esteve muito pior do que agora muitas outras vezes no passado. Isso não serve de consolo a alguém que acaba de ser assaltado depois de estacionar o carro.

Bret: Verdade.

Gail: Só quero mencionar que combater o crime custa caro. Se você não gosta do nosso sistema atual de pagamento de fiança, vai ter que gastar muito mais com juízes e funcionários de tribunais. Se você quiser mais patrulhas policiais, policiais custam caro. Contratar assistentes sociais para cuidar de coisas como disputas domésticas, aliviando a carga de trabalho da polícia, ainda implica contratar mais funcionários públicos.

Bret: Sim, sim e sim. Para mim, tudo bem o Congresso e os estados gastarem fartamente com tudo isso.

Gail: Você e eu estamos totalmente em sintonia na questão do controle de armas orientado pelo bom senso. Fico feliz pelo fato de o Congresso aparentemente estar preparado para aprovar uma lei sobre armas, depois de tantos anos, e aplausos para o senador Chris Murphy e os outros que lutaram por um acordo. Mas o acordo é muito parco em reformas de amplo alcance. Rifles de assalto ainda podem ser vendidos a jovens de 18 anos. Tem dias que me dá desespero. E você?

Bret: Sempre que penso nos democratas e perco a esperança, penso nos republicanos e vomito. Os mesmos conservadores que nos dizem que temos uma crise de saúde mental, especialmente entre garotos e rapazes, não veem problema algum em dar acesso quase irrestrito a armas a esses mesmos rapazes. É como mandar uma pessoa querida à clínica Betty Ford e ao mesmo tempo exigir que a clínica sirva drinques de graça em seu saguão toda terça-feira. Falando em vomitar, as críticas de republicanos ao comitê sobre o 6 de Janeiro são espantosas. O que pensa sobre isso?

Gail: Pode dizer que sou maluca, mas acho que, quando um partido político basicamente se recusa a participar de um comitê sobre um dos acontecimentos mais importantes da história americana recente, o país deve encarar suas críticas com um pouco de ceticismo. Ou talvez com muito.

Bret: Ou talvez com ceticismo absoluto. Continue.

Gail: A audiência inicial, que aconteceu no horário nobre, foi importante para apresentar os pontos básicos, mas estou superansiosa para ouvir mais sobre como a insurreição foi planejada, o papel de Trump e seus comandos etc.

Bret: Eu também. E graças a Deus por Liz Cheney, que é como o tigre-dentes-de-sabre do Partido Republicano: magnífica, feroz mas, tragicamente, a caminho da extinção. Ela resumiu muito bem o que se pode dizer sobre aqueles que agora estão levando adiante a mensagem do ex-presidente: "Digo o seguinte a meus colegas republicanos que estão defendendo o indefensável: chegará um dia em que Donald Trump terá desaparecido, mas a desonra de vocês vai permanecer".

Gail: Amém.

Bret: Por outro lado, receio que a estratégia política dos democratas agora seja excessivamente baseada em descobrir as minúcias da tentativa de golpe. Todas as pessoas que poderiam ser persuadidas já sabem disso, e quem não sabe não pode ser persuadido. O que quero dizer é que os democratas devem tomar o cuidado de não confiar demais nessas audiências para lhes trazer vitórias políticas.

Outra pergunta para você, Gail. Falamos algumas semanas atrás sobre se é aconselhável permitir protestos públicos diante da residência de juízes da Suprema Corte. Agora houve um atentado muito sério contra o juiz Brett Kavanaugh. Isso muda sua opinião sobre o assunto?

O juiz da Suprema Corte dos EUA, Brett Kavanaugh
O juiz da Suprema Corte dos EUA, Brett Kavanaugh - Jim Bourg - 27.set.18/Reuters

Gail: Bem, o resumo da história é que temos um homem doente mental que viaja de avião da Califórnia com a intenção de matar Kavanaugh, mas vê a equipe de segurança perto da casa do juiz e imediatamente confessa sua intenção pelo telefone.

É claro que esse tipo de coisa deve ser levada muito, muito a sério. Mas a moral da história, para mim, não é que protestos bem contidos e supervisionados não devam ser autorizados perto da casa dos juízes. É que a segurança funcionou, graças a Deus.

Bret: Entendo. Mas eu gostaria que líderes políticos de ambos os lados aconselhassem as pessoas que protestam contra juízes da Suprema Corte e outras figuras governamentais a fazê-lo nos locais de trabalho dos juízes, não em frente às suas casas, onde vivem seus filhos. Do mesmo modo que não queremos ver os Proud Boys diante da casa da futura juíza do Supremo Ketanji Brown Jackson, não queremos ver a Antifa em frente à casa da juíza Amy Coney Barrett.

Gail: Falando na Suprema Corte, aquela decisão sobre o aborto vai sair muito em breve. Se, conforme o previsto, os juízes votarem para derrubar Roe, teremos uma maioria que inclui um juiz, Clarence Thomas, cuja esposa andou por aí conspirando para derrubar a eleição de Joe Biden. E uma maioria de juízes que foi criada em parte pela recusa de Mitch McConnell em deixar o indicado por Barack Obama ser votado no Senado. Sem falar em várias pessoas que juraram de pé junto que seguiriam os precedentes, mas depois parecem ter esquecido o que juraram. Que consequências isso terá para a Suprema Corte e para o país?

Bret: Os conservadores na Suprema Corte talvez pensem que, derrubando Roe, eles deixarão 50 anos de ativismo judicial para trás. Mas talvez não demorem a lamentar ter sua autoridade diminuída por um país que aprenderá a ignorar suas decisões.

Tradução de Clara Allain 

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