Guerra desperta Europa para gasto com defesa, diz maior fabricante de armas da Suécia

Presidente da Saab vê oportunidades e desafios caso país nórdico seja aceito na Otan

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São Paulo

O presidente da Saab, principal fabricante de armas da Suécia, avalia que a Guerra da Ucrânia despertou a Europa para a necessidade de se preocupar com seus gastos com defesa, que irão crescer "dramaticamente" devido à ameaça colocada pela Rússia de Vladimir Putin.

Para Micael Johansson, 61, o pedido de admissão de seu país na Otan, o clube militar liderado pelos EUA, representa uma oportunidade de expansão, embora haja o risco inerente da exposição a mais competição.

O novo caça sueco Gripen E voa sobre a ilha de Gotland, ponto estratégico no mar Báltico
O novo caça sueco Gripen E voa sobre a ilha de Gotland, ponto estratégico no mar Báltico - Henrik Montgomery - 11.mai.22/TT News Agency/Reuters

"O conflito foi uma chamada de despertar para vários países, incluindo o meu. Infelizmente, a guerra deixou isso bem claro, ao vermos o que exatamente os ucranianos precisam para se defender", disse.

À Folha por chamada de vídeo desde Brasília ele afirma que "o mercado de defesa na Europa vai crescer enormemente". "E estamos posicionados." Desde que os mísseis russos caíram sobre o vizinho, toda a postura continental mudou. O caso alemão é eloquente: refratário a questões de defesa desde o fim da Guerra Fria, o país triplicou seu orçamento de defesa com a criação de um fundo de € 100 bilhões (R$ 544 bilhões) a serem gastos neste ano. Outros, como a Polônia, já anunciaram compras militares.

Mais próximo de Johansson, há o caso nórdico: a Suécia abandonou mais de 200 anos de neutralidade para pedir sua entrada na Otan, assim como a vizinha Finlândia, que mantinha sete décadas de não alinhamento militar para evitar melindrar Moscou. "Eu não esperava ver isso na minha vida", afirmou o executivo. "A decisão sueca é política, não me cabe comentar, mas assumo que a adesão irá acontecer. Tenho dificuldade em ver algo negativo nisso, como indústria, se formos competitivos", afirma.

O presidente da fabricante de defesa sueca Saab, Micael Johansson, à frente de um Gripen
O presidente da fabricante de defesa sueca Saab, Micael Johansson, à frente de um Gripen - Divulgação/Saab

"Mesmo que todos os nossos sistemas sejam compatíveis com a Otan, a aliança não costuma comprar equipamentos de países que não são membros", diz ele. "Em algumas áreas, como comando e controle ou guerra eletrônica, se você está fora da aliança eles podem não confiar muito."

Johansson admite, contudo, que as oportunidades vêm acompanhadas de riscos, como é no caso dos caças, seu mais famoso produto de exportação. O modelo Gripen, por exemplo, perdeu concorrências importantes neste ano: na Finlândia (64 unidades) e no Canadá, membro da Otan (88 aviões).

O vencedor foi o americano F-35, que vem se firmando como o modelo padrão do clube militar ocidental —a Alemanha já anunciou que irá comprar o avião com capacidades furtivas ao radar.

"Independentemente de quão fantástico é o seu produto, essas aquisições são políticas no fim. Temos de ter isso em conta quando estamos numa campanha de vendas, temos de saber que somos expostos a isso", diz, ressaltando "respeitar a decisão da Finlândia nos termos que são mais importantes para eles".

Com efeito, como no caso da venda do Gripen ao Brasil que motivou a visita de Johansson nesta semana, a quantidade de intercâmbio tecnológico colocado nesses negócios amarra governos por várias décadas.

A Saab produz uma grande linha de defesa, com submarinos, peças de artilharia e sistemas eletrônicos, além dos caças. Na Ucrânia, seus lançadores portáteis de mísseis antitanque NLAW foram, ao lado dos Javelin americanos, a linha de frente da resistência de Kiev à atabalhoada invasão inicial dos russos.

Apesar de seu foco no mercado europeu como um todo, embora seja cauteloso em falar em corrida armamentista, ele enfatiza o peso das necessidades suecas. "A Otan não vai tomar conta da defesa nacional, os políticos têm de entender isso", disse, defendendo os 84 anos de legado da empresa.

É um pequeno paradoxo. A indústria militar sueca é forte porque foi organizada para a defesa de sua neutralidade, e no pós-Guerra Fria ganhou tração como exportadora —entre 65% e 85% da receita da Saab vem de vendas externas. A empresa figura no pelotão inferior das top 30 do mundo. Agora, diz Johansson, os novos compromissos deverão aumentar a necessidade de exercitar a musculatura bélica do país. "Espero que tenhamos mais responsabilidade sobre a região do mar Báltico, sobre a defesa dos nórdicos."

Hoje a Suécia tem 96 Gripen modelo C/D na linha de frente, que serão substituídos pela nova geração E/F, a mesma comprada pelo Brasil em 2014. "Nos próximos meses saberemos o quão rápido chegaremos aos 2% [de gasto do PIB com defesa, marca desejada na Otan]", afirmou. A Suécia gasta atualmente 1,3%.

Mesmo que a Turquia barre o desejo sueco-finlandês de aderir à Otan, ele diz acreditar no aquecimento das necessidades europeias. Desde o início da guerra, o valor de mercado da empresa quase dobrou: suas ações eram negociadas na véspera do conflito na casa das 210 coroas suecas, e hoje estão na das 400 coroas. O lucro operacional no primeiro quadrimestre ficou acima do esperado, em US$ 69 milhões.

A guerra é boa para os negócios, então? Ante a questão assumidamente retórica, Johansson responde o possível. "Eu só vejo conflitos como um completo erro, uma tragédia e um desastre humanitário. Não é por isso que fazemos o que fazemos. Fazemos porque queremos proteger a sociedade, as pessoas", afirma.

Ele conta que, antes das hostilidades, havia um maior questionamento acerca do papel da indústria de defesa, já que fazer armas letais não encaixa muito bem no conceito em voga do ESG (Ambiente, Sustentabilidade e Governança, na sigla em inglês). "Tínhamos políticos em Bruxelas [sede da UE] dizendo que precisávamos de uma capacidade de defesa e elogiando nossas empresas, mas por outro lado eles falavam que talvez fizéssemos coisas perigosas, socialmente danosas. É absolutamente inacreditável, não há lógica", afirmou. "Mas isso foi antes da guerra. Agora, todas essas discussões desapareceram."

Eleição pode afetar cronograma de novos Gripen no Brasil

Johansson está em uma de suas passagens regulares pelo Brasil para discutir o andamento do programa do Gripen. A Força Aérea acaba de anunciar que a encomenda inicial de 36 aviões, parte fabricada em conjunto com a Embraer localmente, terá mais quatro unidades.

O executivo não falou em detalhes sobre isso ou sobre a pretensão da FAB (Força Aérea Brasileira) em adquirir o segundo lote de caças, com 26 unidades, também já anunciado. "Também há eleições chegando, e, claro, elas podem afetar o cronograma. Mas o diálogo é construtivo", afirmou.

A compra do Gripen foi finalizada no governo de Dilma Rousseff (PT), então parece improvável que uma eventual vitória de Lula vá mudar o cenário. O mesmo não pode ser dito da Colômbia, onde o caça disputa com o F-16 americano a primazia da troca da frota de antigos modelos Kfir operados pelo país.

Lá, o processo está avançado, mas o presidente eleito no domingo (19), o esquerdista Gustavo Petro, disse durante a campanha que não iria gastar dinheiro com o armamento. Johansson é, claro, diplomático. "Nós temos bom apoio da Força Aérea, estamos esperando o que a nova administração irá fazer. Tudo o que sabemos é que eles precisam trocar seus aviões", afirmou.

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