Descrição de chapéu The New York Times drogas

Maconha fica mais potente, e adolescentes relatam vício, vômitos e psicose

Uso recreativo é ilegal nos EUA para menores de 21 anos, mas produtos com teor elevado de THC estão mais acessíveis

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Christina Caron
The New York Times

Elysse tinha 14 anos quando começou a fumar maconha em um cigarro eletrônico.

Não tinha cheiro, razão pela qual era mais fácil esconder de seus pais o que ela estava fazendo. E era conveniente: bastava pressionar um botão e tragar. Depois da segunda ou terceira tentativa, ela ficou viciada.

"Era uma loucura. Uma euforia inacreditável", contou Elysse, que hoje tem 18 anos e cujo sobrenome não foi informado para proteger sua privacidade. "Tudo começava a ficar devagar. Eu ficava morrendo de fome. Tudo era hilário."

Homem com cigarro eletrônico cor de rosa na orelha, com cabeça deitada sobre coxas de mulher que segura cigarro eletrônico verde
Casal com cigarros eletrônicos de maconha, em Los Angeles - Michelle Groskopf/The New York Times

Mas a euforia acabou se transformando em algo mais perturbador. Às vezes a maconha fazia Elysse sentir-se mais ansiosa ou triste. Em outra ocasião ela desmaiou debaixo do chuveiro e só acordou meia hora mais tarde.

Não era uma maconha comum. Os óleos e ceras que Elysse comprava de traficantes geralmente tinham cerca de 90% de THC, o componente psicoativo da maconha. Mas, pelo fato de esses produtos serem derivados da cânabis, e porque quase todo mundo que ela conhecia os estava usando, Elysse imaginou que fossem mais ou menos seguros. Ela começou a fumar várias vezes por dia. Seus pais só descobriram um ano mais tarde, em 2019.

"Nós a colocamos num programa para ajudá-la a superar a dependência. Adotamos linha dura. Tentamos de tudo", disse o pai de Elysse.

A partir de 2020 ela começou a ter crises misteriosas nas quais vomitava repetidamente. Num primeiro momento, ela e seus pais ficaram perplexos —os médicos dela, também. Elysse contou que em um episódio ela passou uma hora num banheiro de shopping, vomitando sem parar. "Parecia que meu corpo estava levitando." Em outro incidente, ela estima que vomitou pelo menos 20 vezes em duas horas.

Foi apenas em 2021, depois de meia dúzia de idas ao pronto-socorro por crises gastrointestinais, incluindo algumas que a levaram a ser internada, que um gastroenterologista diagnosticou seu problema como síndrome de hiperêmese canabinoide, uma condição que provoca vômito recorrente em usuários intensivos de maconha.

Embora a maconha recreativa seja ilegal nos Estados Unidos para menores de 21 anos, tornou-se mais acessível depois de ser legalizada em muitos estados. Mas especialistas dizem que os produtos canabinoides de hoje, com teor elevado de THC —muito diferentes dos baseados fumados décadas atrás— estão intoxicando alguns usuários intensivos, incluindo adolescentes.

A maconha não é uma droga tão perigosa quanto o fentanil, mas mesmo assim pode ter efeitos prejudiciais, especialmente para pessoas jovens, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento. Além do vômito incontrolável e do risco de dependência, adolescentes que consomem doses altas de cânabis com frequência podem apresentar psicose que pode conduzir a transtornos psiquiátricos vitalícios, uma tendência aumentada de desenvolver depressão e ideações suicidas, alterações na anatomia e conectividade cerebral e deterioração da memória.

Mas, apesar desses perigos, a potência dos produtos no mercado quase não é regulamentada.

Mulher loira fuma vaporizador
Jovem usa vaporizador para fumar concentrado de THC, em Los Angeles - Michelle Groskopf/The New York Times

'Me senti num beco sem saída'

A concentração média de THC nas amostras de cânabis apreendidas pela Drug Enforcement Agency (DEA), órgão da polícia federal dos EUA responsável pela repressão e controle das drogas, em 1995 era de 4%, em média. Em 2017, já havia subido para 17%. E agora os produtores de cânabis estão extraindo THC para fabricar óleos, produtos comestíveis, cera, cristais do tamanho de cubinhos de açúcar e produtos de aparência vítrea conhecidos como "shatter" que são anunciados como tendo níveis elevados de THC —em alguns casos superiores a 95%.

Enquanto isso, o nível médio de CBD —o composto não psicoativo da planta cânabis que está ligado ao alívio de convulsões, dor, ansiedade e inflamação— vem caindo nas plantas de cânabis. Estudos sugerem que níveis mais baixos de CBD podem tornar a cânabis mais viciante.

Os produtos com THC concentrado "são tão parecidos com a planta da cânabis quanto morangos são parecidos com Pop Tarts de morango com açúcar polvilhado", escreveu Beatriz Carlini, cientista pesquisadora do Instituto de Dependências Químicas, Droga e Álcool da Universidade de Washington, num artigo sobre os riscos para a saúde da cânabis altamente concentrada.

Embora a maconha seja legalmente permitida para fins recreativos em 19 estados e Washington e para fins medicinais em 37 estados e Washington, apenas os estados de Vermont e Connecticut definiram limites à concentração de THC. Ambos proíbem concentrações superiores a 60%, com a exceção de cartuchos previamente preenchidos, e não permitem que material vegetal de cânabis tenha THC superior a 30%. Mas há poucas evidências de que esses níveis específicos sejam mais seguros.

Pesquisas nacionais sugerem que o consumo de maconha entre alunos da 8ª, 10ª e 12ª séries diminuiu em 2021, fato atribuído em parte à pandemia. Mas no intervalo de dois anos entre 2017 e 2019, o número de adolescentes que relatou ter fumado maconha em cigarros eletrônicos nos 30 dias anteriores subiu em todas as séries, quase triplicando entre os alunos da última série do ensino médio. Em 2020, 35% dos alunos da última série do ensino médio e até 44% dos estudantes universitários relataram ter consumido maconha nos 12 meses anteriores.

Elysse abandonou a maconha antes de entrar na faculdade, mas descobriu em pouco tempo que praticamente todos os outros alunos de sua moradia universitária fumavam maconha regularmente.

"Não apenas cartuchos [usados em cigarros eletrônicos], mas também bongs , pipes, bowls, tudo." Toda manhã ela encontrava estudantes lavando seus bongs no banheiro comunitário às 8h da manhã para preparar seu "fumo matinal".

Elysse contou que depois de algumas semanas voltou a fumar THC concentrado com cigarro eletrônico e também começou a ter pensamentos negativos e sombrios. Às vezes ficava sentada sozinha em seu quarto, chorando por horas a fio.

"Eu me sentia num beco sem saída", ela contou. "Já não era divertido, de jeito nenhum." Hoje, ela está sem fumar há dois meses.

Cigarro eletrônico com aparência de caixinha de suco sobre cama desarrumada
Cigarro eletrônico com aparência de caixinha de suco em quarto de menina - Michelle Groskopf/The New York Times

Adolescentes são especialmente afetados pela cânabis

Michael McDonnell, da faculdade de medicina da Universidade do Estado de Washington, é especialista no tratamento de viciados. Ele disse que são necessárias mais pesquisas para chegar a um entendimento maior da prevalência de psicose e síndrome de hiperêmese canabinoide entre adolescentes e outras pessoas que usam produtos de alta potência.

Mesmo assim, segundo ele, "sabemos definitivamente que há uma relação entre THC e psicose que depende da dose de THC".

Um estudo rigoroso concluiu que o risco de sofrer um transtorno psicótico é cinco vezes maior entre usuários diários de cânabis de alta potência na Europa e no Brasil que entre pessoas que nunca usaram o produto.

Outro estudo, este publicado em 2021 na JAMA Psychiatry, relatou que em 1995 2% dos diagnósticos de esquizofrenia na Dinamarca estavam associados ao uso de maconha, mas que em 2010 essa porcentagem havia subido para entre 6% e 8%, algo que pesquisadores associaram ao aumento do consumo e potência da maconha.

A síndrome de hiperêmese canabinoide, que frequentemente pode ser alivada por banhos quentes, também está ligada ao uso prolongado de altas doses de cânabis. Como no caso da psicose, não está claro por que algumas pessoas a desenvolvem e outras, não.

Sharon Levy, diretora do programa de uso e dependência de substâncias por adolescentes no Hospital Infantil de Boston, disse que "não há dúvida de que os produtos de concentração mais alta estão elevando o número de pessoas que têm experiências negativas com cânabis".

'Qual é o problema? É só maconha'

Laura Stack, que vive em Highlands Ranch, no Colorado, disse que, quando seu filho Johnny confessou estar consumindo maconha, aos 14 anos, ela pensou: "Tudo bem, é só maconha. Graças a Deus que não é cocaína."

Ela própria havia fumado maconha algumas vezes no colégio e avisou seu filho que a maconha "pode devorar suas células cerebrais". Mas não ficou especialmente preocupada: "Eu usei e estou ótima. Qual é o problema?"

"Mas eu não fazia ideia", prosseguiu, aludindo a como a maconha mudou nos últimos anos. "Muitos pais e mães são totalmente ignorantes sobre o assunto, como eu."

Num primeiro momento, seu filho não apresentou nenhum problema de saúde mental. Seu desempenho escolar era excelente. Mas, depois de algum tempo, ele começou a usar produtos de maconha de alta potência várias vezes por dia, e isso, disse Stack, "o deixou delirante".

Quando Johnny chegou à faculdade, já havia passado por vários programas de tratamento de dependentes químicos. Havia ficado tão paranoico, disse Stack, que achava que a máfia estava atrás dele e que sua faculdade era uma base do FBI. Em dado momento ele ameaçou matar o cachorro da família se seus pais não lhe dessem dinheiro. Mais tarde, sua mãe descobriu que quando completou 18 anos Johnny conseguiu um cartão que o autorizava a comprar maconha para fins medicinais e começara a vender para adolescentes mais jovens.

Depois de várias passagens por clínicas psiquiátricas, os médicos determinaram que Johnny sofria de um caso grave de abuso de THC. Um medicamento antipsicótico lhe foi receitado e o ajudou, mas então ele parou de tomá-lo. Johnny morreu em 2019 depois de jogar-se do sexto andar de um prédio. Tinha 19 anos. Alguns dias antes de morrer, Stack contou, Johnny lhe pediu desculpas, dizendo que a maconha tinha estragado sua cabeça e sua vida e dizendo "desculpe, eu te amo".

Cigarros eletrônicos ao lado de embalagem de resina de cânabis sobre mesa de cabeceira com luminária
Cigarros eletrônicos ao lado de embalagem de resina de cânabis - Michelle Groskopf/The New York Times

​Não existe 'limite seguro conhecido'

Pode ser difícil determinar exatamente quanto THC penetra no cérebro de uma pessoa quando ela usa cânabis. Isso ocorre não apenas porque a frequência de uso e a concentração de THC afetam a dosagem —depende também da velocidade em que as substâncias chegam ao cérebro. Com vaporizadores, a rapidez do processo pode mudar dependendo da base em que o THC está dissolvido, a potência da bateria do aparelho e a temperatura que o produto atinge quando é aquecido.

Doses mais elevadas de THC têm probabilidade maior de gerar ansiedade, agitação, paranoia e psicose.

"Quanto mais jovem é a pessoa, mais seu cérebro é vulnerável a desenvolver esses problemas", disse Levy.

Segundo a Administração de Serviços de Abuso de Substâncias e Saúde Mental, os jovens têm mais tendência a desenvolver dependência quando começam a usar maconha antes dos 18 anos.

Além disso, há evidências crescentes de que a cânabis pode alterar o cérebro durante a adolescência, um período quando o cérebro já está passando por mudanças estruturais. Enquanto não se souber mais sobre isso, pesquisadores e médicos recomendam que o consumo de cânabis seja adiado até mais tarde na vida.

"Sempre sou procurado por adolescentes que me perguntam ‘e se eu fumar só uma vez por mês, tudo bem?’", disse Levy. "Só posso lhes dizer que não existe limite seguro conhecido."

Tradução de Clara Allain

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