Merkel se exime de culpa por Guerra da Ucrânia em 1ª entrevista após deixar cargo

Ex-primeira-ministra da Alemanha diz que nunca teve ilusões na relação bilateral com a Rússia, mas que não podia ignorar país

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Berlim | Reuters

Angela Merkel, ex-primeira-ministra da Alemanha que em dezembro encerrou 16 anos à frente da maior economia da União Europeia (UE), participou nesta terça-feira (7) de sua primeira entrevista desde que deixou o cargo. Ela voltou a chamar a invasão russa da Ucrânia de "um grande erro".

Ela se manteve discreta, quase ausente da arena pública nos últimos meses, e chegou a receber críticas por se pronunciar pouco sobre a guerra que se desenrola no Leste Europeu há mais de cem dias. Quando esteve no poder, afinal, atuou como ponte de diálogo do Ocidente com o presidente Vladimir Putin.

A ex-primeira-ministra Angela Merkel antes de iniciar a entrevista conduzida pelo jornalista Alexander Osang, na capital Berlim - Annegret Hilse - 7.jun.22/Reuters

Na semana passada, em um evento fechado da Confederação Alemã de Sindicatos (DGB), ela havia rompido o silêncio e chamado a guerra de bárbara, segundo o relato de um participante.

Nesta terça, Merkel falou mais longamente em entrevista transmitida pela emissora ARD e citou seu papel nas negociações que tentaram impedir a eclosão do conflito. Disse que se esforçou muito quando era primeira-ministra para evitar que a situação degringolasse e que, assim, não sente culpa, porque sabe que fez o que era possível.

"É uma grande tristeza que não tenha dado certo, mas não posso me culpar por não ter tentado", afirmou. Ela se referia inicialmente aos Acordos de Minsk, tratados mediados por Alemanha e França que visavam a um cessar-fogo para a crise de 2014, mas que nunca entraram plenamente em vigor nem colocaram fim às tensões e tampouco eram populares entre a população ucraniana, segundo pesquisas pré-guerra.

A ex-primeira-ministra também relembrou que foi contra o ingresso de Kiev na Otan, a aliança militar ocidental, justamente para evitar uma escalada do conflito. O país de Volodimir Zelenski acelerou a aproximação com a aliança liderada pelos Estados Unidos. A Rússia, por sua vez, afirma que a Otan se estendeu além do limite na vizinhança de seu território, o que forçaria Moscou a se defender.

"O presidente Zelenski está lutando contra a corrupção, mas, na época, a Ucrânia era um país governado por oligarcas; você não pode simplesmente dizer 'ok, amanhã vamos levá-los para a Otan'", seguiu. Merkel disse que não há justificativa para o que chamou de "brutal desrespeito à lei internacional" cometido pelo governo de Putin.

Questionada sobre a relação bilateral que mantinha com Putin, disse que nunca teve ilusões, mas que também não poderia ignorar Moscou. Resumiu o objetivo de sua relação com o governo russo como "encontrar um modus operandi no qual não estejamos em guerra, mas sim tentemos coexistir apesar de nossas diferenças".

A alemã fala russo fluentemente —cresceu na antiga Alemanha Oriental comunista, reunificada à Ocidental em 1990. Quando primeira-ministra, apoiou a construção do gasoduto Nord Stream 2, para entregar gás russo à Alemanha. O controverso projeto, concluído em setembro de 2021, teve o início das operações congelado pelo sucessor de Merkel, Olaf Scholz, ainda antes de a guerra estourar.

O projeto ampliou a relação da Europa com a Rússia, mas também a dependência de energia, justamente quando países da região tentam se desvencilhar das importações de Moscou —seja por meio de embargos a combustíveis, da aceleração para a transição rumo a energias limpas ou do aumento, ao menos temporário, do uso de carvão.

Sobre o tema, Merkel afirmou na entrevista que as tentativas do governo do ex-presidente dos EUA Donald Trump de interromper a obra, ao impor sanções a empresas envolvidas, a incomodaram. "Isso não se faz com um país aliado", afirmou, acrescentando que foi grata a Joe Biden que, ao assumir a Casa Branca, desistiu de bloquear o projeto.

Questionada sobre como se sente em sua aposentadoria da política, afirmou que tem aproveitado para ler os longos livros que antes não conseguia e salientou que buscar um novo mandato teria sido um "anacronismo". Descartou, porém, que tenha encontrado a tranquilidade. "Ainda sou uma pessoa política e, como muitos, muitas vezes fico triste hoje em dia", disse ela, referindo-se à guerra.

A entrevista com Merkel foi realizada no teatro Berliner Ensemble, sede da companhia fundada por Bertolt Brecht na Alemanha dos anos 1940, na capital Berlim. Pessoas fizeram fila na entrada do local, onde cartazes com o rosto da ex-primeira-ministra anunciavam o evento.

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