Descrição de chapéu Mundo leu Rússia

Narrativa sedutora de livro sobre 2ª Guerra funciona como desabafo sobre conflito

Bem escrito, 'Breve História da Segunda Guerra Mundial' desperta prazer, em que pese o assunto entre o amargo e o azedo

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São Paulo

Adolf Hitler, além de notório monstro moral, foi de profunda burrice em relação à história. Acreditava que a Primeira Guerra havia sido provocada por uma conspiração judaica. Em janeiro de 1939, em discurso para lembrar os seis anos de poder nazista, voltou a mentir. "Se o judaísmo financeiro novamente empurrar os povos a uma guerra, em lugar da bolchevização do mundo acontecerá o extermínio da raça judaica."

Muitas barbaridades cometidas em tão poucas palavras: os banqueiros judeus não eram bolchevistas, judeus não são raça, e, o pior, Hitler evocava em contagem regressiva o Holocausto.

Ruínas de igreja em Dresden, na Alemanha, destruída após bombardeio na Segunda Guerra Mundial
Ruínas de igreja em Dresden, na Alemanha, destruída após bombardeio na Segunda Guerra Mundial - fev.45/Slub Dresden Deutsche Fotothek via AFP

Em julho do ano anterior, a Conferência de Evian, na França, já havia demonstrado a indiferença pelos refugiados judeus, e em novembro a Noite dos Cristais antecipara a tragédia com 91 assassinatos antissemitas, o incêndio de sinagogas e a destruição de empresas de judeus. Tais fatos são objeto de longos e numerosos compêndios sobre o criminoso cochilo da ética nos anos 1939-1945.

O chamamento à memória é um dos méritos de "Breve História da Segunda Guerra Mundial", do jornalista alemão Ralf Georg Reuth, que a Todavia acaba de traduzir no Brasil. Breve em termos. São 400 páginas de uma narrativa sedutora, que não traz propriamente novidades factuais, mas funciona, com austeridade, como desabafo sobre um conflito que, entre civis e militares, provocou 55 milhões de mortos.

Outro dos méritos está em não pendurar o cordão umbilical da Segunda Guerra no conflito anterior, na Conferência de Versalhes e nas condições "de escravidão" que ela impôs à Alemanha, que teve de afundar 74 embarcações para redimensionar sua Marinha por imposição dos ex-inimigos franco-britânicos.

O fato é que Hitler rearmou seu país a partir de 1933, instalou arsenais na beira do Reno e mandou às favas a imposição de limitar o Exército a 100 mil homens. Ele tinha planos explícitos de expansão do Terceiro Reich, mas por meio de pequenas conquistas —como a da Áustria— ou da submissão da Tchecoslováquia ao protetorado. Ele acreditava que uma guerra de verdade só eclodiria em 1943.

A Alemanha deveria se tornar, para o establishment nazista, a grande potência europeia, sem que houvesse nisso uma relação com a derrota do Eixo na carnificina de 1914-1918. A Polônia foi invadida em setembro de 1939, o que estourou o conflito, e a seguir Hitler também invade Ucrânia e Rússia, com a Operação Barbarossa, cuja reviravolta, em 1944, marcou o início do recuo alemão, que acabaria em 1945 com o marechal russo Georgi Jukov conquistando geograficamente Berlim.

Reuth argumenta que a guerra em solo soviético foi o grande campo experimental de Hitler, na qual ele arriscou tudo e tudo perdeu. Não obteve os campos de trigo ou as reservas de petróleo. E, sobretudo, ficou sem a capitulação de Leningrado. A metrópole de Catarina, a Grande, para onde ela mudou a capital russa no século 18, permaneceu cercada entre novembro de 1941 e janeiro de 1944. Um milhão de civis russos morreram durante o cerco de 872 dias, levados pela fome e por doenças derivadas da desnutrição.

O livro do jornalista alemão, paradoxalmente, não reserva a Leningrado um capítulo em separado, conforme versões épicas da Segunda Guerra que discorrem sobre o heroísmo soviético e a ocorrência de canibalismo com cadáveres desenterrados para sobreviver com alguma proteína.

O autor tampouco produz capítulo exclusivo sobre 6 de junho de 1944, quando os aliados desembarcaram na Normandia e passaram a comer a ocupação alemã pelas bordas, até a libertação de Paris (agosto) e a marcha em direção à Alemanha. Bem antes disso, outra data de capital importância foi 7 de dezembro de 1941, quando a Marinha Imperial Japonesa destruiu a frota norte-americana em Pearl Harbour.

Os EUA enfim entraram na guerra —Franklin Roosevelt trazia aos pés o peso do pacifismo construído por Woodrow Wilson, o que atrapalhou seus planos. Stálin e Churchill estavam agora na companhia do país que assumiria a liderança econômica, política e militar mundial. Simples assim.

O trabalho de Reuth em nenhum momento puxa a narrativa para seu país, a Alemanha. Hitler possui centralidade mais que justificável, com tudo o que de mal ele o mereça. A seguir, a história da Segunda Guerra é exaustiva. Termina com a bomba em Nagasaki e a rendição do Japão. Por fim, é um livro muito bem escrito. Desperta sensação de prazer, em que pese o assunto por vezes entre o amargo e o azedo.

Breve História da Segunda Guerra Mundial

  • Preço R$ 89,90 (livro físico), R$ 54,90 (e-book)
  • Autor Ralf Georg Reuth
  • Editora Todavia
  • Págs. 400
  • Tradução Claudia Abeling
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