Descrição de chapéu The New York Times

Onda de ataques nos EUA tem atiradores cada vez mais jovens

Seis dos nove tiroteios mais mortíferos no país desde 2018 foram cometidos por pessoas com 21 anos ou menos

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Glenn Thrush Matt Richtel
Washington | The New York Times

Os dois jovens acusados de cometer os massacres em Buffalo, no estado de Nova York, e Uvalde, no Texas, seguiram um caminho conhecido: compraram legalmente rifles semiautomáticos logo após completar 18 anos, postaram imagens destinadas a mostrar sua força e depois usaram essas armas contra pessoas inocentes.

À medida que investigadores e pesquisadores determinam como as tragédias se desenrolaram, a idade dos acusados surgiu como um fator chave para se entender como dois adolescentes foram levados a adquirir tal poder de fogo mortal e como isso os levou a praticar chacinas.

Eles se encaixam numa faixa etária crítica —15 a 25 anos—, que especialistas consideram uma encruzilhada perigosa para homens, período em que estão sujeitos a mudanças no desenvolvimento e pressões sociais que podem levá-los à violência em geral.

Americana carrega cartaz contra armas em protesto em frente ao Capitólio, em Washington - Drew Angerer - 6.jun.22/Getty Images/AFP

Seis dos nove tiroteios mais mortíferos nos Estados Unidos desde 2018 foram cometidos por pessoas com 21 anos ou menos, representando uma mudança nos ataques, que antes de 2000 eram mais frequentemente praticados por homens nas faixas de 20, 30 e 40 anos.

"Quando se trata de atiradores em massa, há pessoas na faixa dos 40 anos, que atacam no local de trabalho, e um grupo muito grande de jovens que parecem arrebatados pelo contágio social da matança", diz Jillian Peterson, professora de justiça criminal que ajudou a fundar o Projeto Violência.

Não há explicação única e fácil para a maior tendência de rapazes praticarem ataques —meninas e mulheres representam pequena porcentagem de perpetradores. Mas muitas explicações citadas com mais frequência parecem intuitivas —intimidação online, marketing agressivo para meninos, leis estaduais frouxas e estatutos federais que tornam legal a compra de armas semiautomáticas aos 18 anos.

Os ataques ocorrem em um cenário de agravamento da crise de saúde mental dos adolescentes, que era anterior à pandemia, mas foi intensificado por ela. Grande parte do desespero nesse grupo foi direcionada para dentro, com taxas crescentes de automutilação e suicídio. Nesse sentido, perpetradores de ataques a tiros representam uma minoria radical, mas que exemplifica tendências mais amplas de solidão, desesperança e o lado mais sombrio de uma cultura saturada por redes sociais e conteúdo violento.

Além de Buffalo e Uvalde, houve uma ação num supermercado em Boulder, no Colorado, em março de 2021, que a polícia disse ter sido praticada por um homem de 21 anos; um massacre por um homem de 21 anos contra compradores hispânicos em um supermercado em El Paso, no Texas, em agosto de 2019, com 23 mortes; um numa escola em Santa Fe, no Texas, no qual um estudante de 17 anos foi acusado de matar oito alunos e dois professores em maio de 2018; e o assassinato de 17 pessoas na escola Marjory Stoneman Douglas em Parkland, na Flórida, em fevereiro de 2018 por um ex-aluno de 19 anos.

Só dois dos 30 tiroteios mais mortais registrados de 1949 a 2017 envolveram homens armados com menos de 21 anos: o massacre de 13 pessoas por dois adolescentes na escola Columbine, em Littleton, no estado do Colorado, em 1999; e quando um jovem de 20 anos matou 27 pessoas, na maioria crianças, na escola Sandy Hook em Newtown, em Connecticut, em 2012.

O ataque do dia 1º em Tulsa, no estado de Oklahoma, com quatro mortos num hospital, desafiou o padrão recente: a polícia disse acreditar que o atirador, que não foi identificado, tivesse entre 35 e 40 anos.

Frank T. McAndrew, professor de psicologia do Knox College, diz que quase todos os jovens assassinos que pesquisou foram motivados pela necessidade de se provar. "Eles se sentem perdedores e têm uma vontade esmagadora de mostrar que não estão por baixo", diz. "Desde Columbine eles tendem a estudar e imitar um ao outro. É um problema crescente."

Em quase todos os casos, as redes sociais ou plataformas de jogos online desempenharam algum papel. Um estudante universitário de 22 anos que assassinou seis pessoas em Santa Barbara, na Califórnia, em 2014, ofereceu uma das expressões mais diretas da mentalidade de um atirador em um vídeo postado no YouTube: a arma lhe deu uma sensação de poder, disse.

O atirador de Buffalo, imitando o terrorista de 28 anos que massacrou 51 pessoas em Christchurch, na Nova Zelândia, três anos atrás, transmitiu ao vivo na internet enquanto matava os compradores porque eram negros. O homem acusado dos assassinatos em Uvalde usou o Yubo para compartilhar mensagens ameaçadoras nas quais parecia telegrafar seus planos.

Além da rede social, há um componente biológico. Os cientistas sabem há muito tempo que o período da adolescência é crítico para o desenvolvimento do cérebro e, para a maioria, muitas vezes se caracteriza por comportamento agressivo e impulsivo. As meninas da mesma idade, em comparação, têm maior controle sobre seus impulsos e emoções.

Em geral, meninos e homens jovens respondem pela metade de todos os homicídios envolvendo armas de fogo, ou qualquer outra arma, em todos os EUA, porcentagem que vem aumentando constantemente.

Ataques em massa, que envolvem a morte de mais de quatro pessoas, são raros; na escala de Buffalo e de Uvalde, com mais de dez vítimas, são ainda menos comuns. De todas as ações no país, 99% envolvem menos vítimas, são resultado de crimes ou disputas pessoais e motivados por drogas, conflitos de gangues e violência doméstica, segundo estatísticas compiladas pelo governo federal e por acadêmicos.

Laurence Steinberg, professor de psicologia e neurociência na Universidade Temple, trabalhou extensamente em questões relacionadas ao desenvolvimento do cérebro adolescente e se debruçou sobre o número desproporcional de crimes cometidos por homens de vinte e poucos anos ou menos.

A explicação, segundo ele, inclui a neurobiologia cada vez mais bem compreendida da adolescência.

Nessa fase, desenvolve-se uma "enorme incompatibilidade" entre as partes do cérebro que causam comportamento impulsivo e sensibilidade emocional e outras partes que regulam a manifestação física desses impulsos. Os homens, acrescenta, normalmente tendem a ter um pico ainda mais alto e mais rápido de excitação, enquanto as mulheres veem um pico mais alto de regulação em idade mais precoce —e, portanto, "em todas as idades, os homens buscam mais sensações".

O auge dessa incompatibilidade tende a ser no final da adolescência. "Os sistemas regulatórios começam a acompanhar os impulsos, e há uma melhora gradual na capacidade de controlar pensamentos, emoções e comportamentos que ocorre no início da faixa de 20 anos", diz Steinberg.

No entanto, o que diferencia assassinos em massa de outros jovens que não seguem esses impulsos é difícil de definir e ainda mais difícil de combater —mesmo porque a maioria dos jovens com transtornos mentais, mesmo graves, nunca comete atos de violência.

Políticos republicanos, contrariando os apelos de democratas por controles de armas mais rígidos, empenharam-se em melhorar a segurança nas escolas e modernizar os serviços de saúde mental após os recentes massacres. Os conservadores também estão resistindo aos esforços dos congressistas democratas para aumentar a idade legal para a compra de fuzis semiautomáticos de 18 para 21 anos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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