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Primeiro turno na Colômbia foi terremoto, mas não mudança histórica, diz analista

Para sociólogo Juan Gabriel Tokatlian, elite local deve se reorganizar para tentar voltar ao poder após o pleito

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Buenos Aires

Para Juan Gabriel Tokatlian, o primeiro turno da eleição presidencial na Colômbia, marcado pela derrota das forças políticas tradicionais, representa um abalo importante, mas não necessariamente uma mudança histórica.

Segundo o sociólogo, que viveu 18 anos no país, a elite local que governou por décadas deve se reorganizar para tentar voltar ao poder após a rodada final do pleito, no próximo domingo (19).

As principais pesquisas indicam que o esquerdista Gustavo Petro e o populista Rodolfo Hernández estão em um empate técnico dentro da margem de erro, com vantagem numérica para o segundo.

Propaganda da campanha do candidato da esquerda, Gustavo Petro, à Presidência da Colômbia, em Bogotá
Propaganda da campanha do candidato da esquerda, Gustavo Petro, à Presidência da Colômbia, em Bogotá - Raul Arboleda - 14.jun.22/AFP

Esta eleição representa uma mudança histórica? Temos de esperar a eleição seguinte para saber se a mudança é real e estrutural. A elite colombiana soube governar com violência, desigualdade, cooptação e sempre teve apoio pleno dos EUA —contra os cartéis, contra as guerrilhas. Parece-me apressado falar em mudança histórica. Estamos vendo um terremoto das estruturas colombianas, mas estamos diante da elite que melhor soube governar, em comparação a outros países da América Latina. É melhor esperar.

E esse terremoto tem quais características? A chave para entender a eleição é um forte sentimento contra o establishment. É um dado presente no voto em Petro e em Hernández, ainda que por razões distintas. Os partidos tradicionais e as forças mais clássicas sofreram uma dura derrota. Isso é o mais forte.

Isso segue uma tendência mundial? Sim, é algo de época. Na eleição francesa, os líderes tradicionais ficaram deslocados. Há algo que faz com que o sentimento antiestablishment tenha uma tendência a vencer eleições. Outro elemento é a pandemia, que trouxe um sentimento contra quem está no poder. É menos provável uma reeleição ou um presidente que faça o sucessor. [Iván] Duque apoiou Fico [Gutiérrez] e o fez afundar nas pesquisas. A Covid criou um fenômeno marcado pelo mal-estar. As Américas não superam 12% da população mundial, mas tiveram 43% dos mortos, é um desastre.

Como imagina o início de um governo Petro ou Hernández? Petro está mais bem preparado, tem equipe, bancada no Congresso. Mas [opositores] vão fazer de sua vida um inferno, não só em questões de segurança pessoal. Imagino muita campanha contra ele desde o primeiro dia. Já a Hernández creio que darão cem dias de trégua —e depois também vão tornar sua vida impossível.

Pesquisas mostram certa desaceleração de Hernández. A que se deve isso? No primeiro turno não se exigiu muito dele, ele se esquivou dos debates e cresceu devido à estratégia nas redes sociais. No segundo turno, embora não tenha havido debates, ele foi mais exposto. E muita gente começou a se perguntar: "Por que estamos votando nesse senhor?". É o tipo de candidato que é melhor conhecer menos do que mais. Pode estar chegando a seu teto —o que não significa que ele não pode vencer a eleição.

O sr. dá muitos méritos à campanha. Ela foi muito bem desenhada para um personagem como ele. Frases e mensagens curtas são mais difíceis de desconstruir; não ter que debater faz com que não se entre em questões polêmicas que poderiam complicá-lo. É um personagem que já disse coisas opostas do que diz hoje. No primeiro turno falava de empoderamento feminino, agora soltou frases machistas ["O ideal seria que as mulheres se dedicassem à criação dos filhos em casa" e "as pessoas não gostam de mulheres metidas no governo"]. A campanha também o fez falar frases fáceis sobre questões difíceis, como "sou a favor da paz" ou "quero melhorar relações com a Venezuela", sem apresentar um programa para isso.

A questão da governabilidade também pesa? Para um eleitorado mais ilustrado e conservador foi fácil apoiar Hernández, mas agora fica mais claro que a dificuldade no Congresso será enorme [seu partido terá apenas dois parlamentares], suas sondagens para o ministério enfrentam dificuldades. Assim, podemos elucubrar que ele deve querer governar por decreto, decidir coisas importantes de modo unilateral.

A desarticulação do centro permitiu o surgimento de Hernández? O esvaziamento, sim, porque esses votos parecem ter corrido para ele. Ele é produto de uma nova forma de política, que prima o individual. Houve um voto movido pela emoção, em um senhor de 77 anos que parece um colombiano comum, tem patrimônio construído pelo trabalho, uma filha desaparecida por ação do Exército de Libertação Nacional.

Em um país em que se vota pouco, há setores que se sentem representados por esse tipo de pessoa que é Hernández, que trabalhou muito e agora se sente sozinho, desamparado pelo Estado, que crê ser preciso tomar decisões drásticas e está cansado dos políticos. Petro não pode fazer o mesmo, não pode reforçar características de sua trajetória porque foi guerrilheiro. Ao contrário, tem que mostrar que se moderou.


Raio-x | Juan Gabriel Tokatlian, 68

Nascido em Buenos Aires, é sociólogo com especialização em relações internacionais pela Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins (EUA). Vice-reitor do departamento de ciência política e estudos internacionais da Universidade Di Tella (Argentina), viveu 18 anos na Colômbia e foi professor da Universidade Nacional e da Universidade dos Andes

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