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'Temos que resistir à sedução teatral do jornalismo neutro', diz Ronan Farrow

Jornalista é produtor-executivo do documentário 'Endangered', dirigido por Rachel Grady e Heidi Ewing

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Lúcia Guimarães
Nova York

"A imprensa americana precisa recuperar o tempo perdido sem confrontar o avanço autoritário", afirma Ronan Farrow, jornalista e um dos autores das reportagens que revelaram os crimes sexuais do produtor Harvey Weinstein. A cobertura rendeu um Pulitzer ao New York Times e à revista The New Yorker, em 2018.

O jornalista, filho de Mia Farrow e Woody Allen, é o produtor-executivo do documentário "Endangered" (ameaçados de extinção), que estreia nos EUA nesta terça (28) e no Brasil no dia 5 de julho. O filme tem direção das americanas Rachel Grady e Heidi Ewing, indicadas ao Oscar por "Jesus Camp" (2006).

O jornalista Ronan Farrow durante evento em Beverly Hills, na Califórnia
O jornalista Ronan Farrow durante evento em Beverly Hills, na Califórnia - Patrick T. Fallon - 27.mar.22/AFP

Farrow e Grady falaram sobre o filme, que acompanha a rotina de quatro jornalistas de países democráticos enfrentando riscos em coberturas sobre política, conflitos raciais e direitos humanos. Um dos personagens é Patrícia Campos Mello, repórter da Folha e alvo de ataques da família Bolsonaro.

"Estamos numa situação em que não há dois lados, e temos que resistir à sedução teatral do jornalismo neutro. A imprensa foi reticente com Trump no começo, com medo de parecer partidária", diz Farrow.

Como a ideia de filmar "Endangered" tomou forma?

Rachel Grady O Ronan já estava envolvido com a HBO para produzir documentários e procurava projetos. Ele entrou em contato conosco e começamos a procurar juntos. Conversamos muito até chegar ao conceito que reúne verdade, liberdade de expressão e perigo físico.

O documentário acompanha um fotojornalista negro americano, um repórter britânico cobrindo Donald Trump até a invasão do Capitólio, uma jornalista brasileira cobrindo desinformação no governo Bolsonaro e a fotojornalista mexicana, a que mais corre riscos em protestos de mulheres —​ela chega a ser presa e apanha da polícia. Jornalistas de democracias mais jovens são mais alertas para a repressão do Estado?

RG Concordo 100%. Os americanos, até pouco tempo, achavam que a liberdade de imprensa era um direito garantido. Como a própria Patrícia diz no filme, brasileiros têm memória de períodos de repressão.

Ronan Farrow Para todos nós nesta profissão, num país onde se espera respeito às leis, a perseguição costuma se limitar à intimidação legal ou espionagem, não é como na Rússia ou no Paquistão. Mas qualquer um que trabalha para revelar a verdade sabe que a situação pode se deteriorar. Tive experiências similares à da Patrícia e me senti mais forte conhecendo a história dela. [Farrow foi seguido por ex-espiões israelenses contratados por Harvey Weinstein e sofreu campanhas de difamação online.]

A documentarista americana Rachel Grady, diretora de 'Endangered'
A documentarista americana Rachel Grady, diretora de 'Endangered' - Charlie Gross/Divulgação

No processo para selecionar os personagens, perceberam como autocratas sexualizam os ataques às mulheres jornalistas, que trabalham sob este risco extra?

RF Sabemos que há misoginia sistêmica. Onde você trabalha e o quanto chega perto de fontes de intimidação parece ter esta constante, o sexismo está em toda parte.

Durante a produção, o possível risco de aparecer no filme foi um fator de preocupação?

RG Em qualquer documentário, sempre levamos em conta o impacto sobre os personagens que filmamos. Às vezes, a pessoa não percebe, no centro da ação, o nível de risco. No caso de "Endangered", estávamos lidando com gente muito inteligente. Todos tinham os olhos bem abertos e sabiam das repercussões potenciais. A Patrícia, por exemplo, não quer atenção. Ela é tímida e sabe que pode trabalhar melhor se ninguém a reconhecer. Mas ela também é dedicada aos temas de sua cobertura.

Redações nos EUA criaram "editorias de democracia" para cobrir política neste ano. É uma boa iniciativa?

RF Este movimento, que não conheço em detalhes, é correto. Estamos enfrentando uma situação em que não há dois lados, e todos nós temos que resistir a esta sedução teatral do jornalismo neutro. Meu trabalho na New Yorker implica não ver o mundo com preconceito progressista, expor fatos em qualquer parte do espectro político. Mas tendências fascistas e radicais precisam ser expostas. Donald Trump começou como um produto da mídia de Nova York e de uma rede de TV. A imprensa americana foi reticente no começo, com medo de parecer partidária. Ela precisa recuperar o tempo perdido.

O senhor foi funcionário do Departamento de Estado e escreveu sobre o desmonte recente da diplomacia americana em benefício do establishment militar –"atirar primeiro, fazer perguntas depois". Esta ausência diplomática, acelerada sob Trump, facilitou o avanço autocrático em países aliados dos EUA e contribuiu para erodir a liberdade de imprensa no mundo? O governo Biden tenta corrigir isto?

RF Quero ser cuidadoso para não conflagrar fenômenos diferentes, já que a política externa americana se realiza com alternância de partidos no poder. A expansão do complexo industrial militar é um fato. Hoje o governo faz um esforço —nem sempre bem-sucedido— para reverter isto. A resposta à militarização de democracias, à retórica anti-imprensa e à emergência de autoritários é mais jornalismo de qualidade.

Endangered

  • Quando Lançamento em 28.jun
  • Elenco Sáshenka Gutiérrez, Carl Juste, Oliver Laughland, Patrícia Campos Mello e Joel Simon
  • Produção HBO Max
  • Direção Rachel Grady e Heidi Ewing
  • Duração 90 min

Raio-x

Ronan Farrow

O jornalista nascido em Nova York publicou textos em jornais e revistas como Los Angeles Times, The New Yorker e Wall Street Journal. É autor de reportagens que revelaram os crimes sexuais do produtor Harvey Weinstein. É filho da atriz Mia Farrow e do cineasta Woody Allen.


Rachel Grady

Documentarista americana, é codiretora de produções como "Jesus Camp" (2006), indicado ao Oscar em 2007 na categoria Melhor Documentário, "Detropia" (2012), vencedor do Emmy em 2014 na categoria Notícias e Documentário e "Os Meninos de Baraka" (2005).

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