David Trimble, Nobel da Paz por acordo na Irlanda do Norte, morre aos 77

Ex-primeiro-ministro foi laureado em 1998 ao lado de John Hume, que faleceu há dois anos

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Belfast | Reuters

O ex-primeiro-ministro da Irlanda do Norte David Trimble, que ajudou a conduzir a maioria protestante a um histórico acordo com os católicos, pondo fim a décadas de um conflito sangrento, morreu nesta segunda-feira (25). Sua trajetória foi marcada ainda pela conquista do Prêmio Nobel da Paz de 1998, dividido com John Hume, líder católico morto há dois anos.

De acordo com uma nota da família divulgada pelo Partido Unionista do Ulster (UUP), o político "faleceu em paz depois de um curto período doente".

O atual premiê do Reino Unido, Boris Johnson, chamou Trimble de "gigante da política britânica e internacional" e elogiou sua determinação de defender a democracia em vez da violência.

O ex-presidente americano Bill Clinton, no poder na época do acordo, lembrou que o norte-irlandês "fez escolhas difíceis em vez das politicamente convenientes, porque acreditava que as gerações futuras mereciam crescer livres de violência e ódio". Tony Blair, líder britânico de então, afirmou que o papel de Trimble foi imenso e insubstituível, e que "amigos e inimigos lamentarão sua partida".

David Trimble, então líder do Partido Unionista, em meio às negociações de paz na Irlanda do Norte - Alan Lewis - 23.set.1998/AFP

Nascido em Belfast em 1944, ele se formou advogado na Queen's University e teve carreira mais destacada na academia. Seu envolvimento na política começou na década de 1970, quando se alinhou ao Partido da Vanguarda Unionista Progressista e era tido como linha dura.

A legenda depois se fundiria ao UUP, mais ligado ao establishment, e foi por ele que Trimble começou a ganhar destaque, conduzindo o partido, então relutante em seguir esse caminho, às conversas que levariam ao acordo de 1998. A posição fez com que, por muito tempo, ele tenha sido visto como um traidor pelos protestantes na Irlanda do Norte.

As negociações para valer começariam em 1993, quando Hume fez parte das primeiras tentativas de diálogo com Gerry Adams, à época líder do Sinn Féin, partido que era a ala política do Exército Republicano Irlandês (IRA) —o grupo terrorista foi responsável por vários ataques que causaram, até a assinatura do pacto de paz, mais de 3.600 mortes.

Esses primeiros contatos ajudaram a pavimentar o caminho para uma iniciativa conjunta dos governos britânico e irlandês, que ao fim levaria a uma trégua anunciada pelo IRA em 1994. No ano seguinte, Trimble chegaria à liderança do UUP, após a renúncia do veterano James Molyneaux.

Em 1998, as tratativas levariam à formação de um sistema de governo com o compartilhamento de poder, por meio do qual o político assumiria como primeiro-ministro. No mesmo ano, o pacto histórico conhecido como Acordo de Belfast, ou Acordo da Sexta-Feira Santa, pôs fim a 22 meses de negociação e a décadas de conflitos —o que levou seus líderes a serem lembrados para o Nobel.

O comitê do prêmio sueco considerou Trimble e Hume peças fundamentais para a assinatura do documento e um exemplo para outros conflitos no mundo. Adams, do Sinn Féin, ficou de fora da premiação, mas na ocasião se disse satisfeito por Hume e pleiteou a participação do partido no governo de Trimble, o que o então primeiro-ministro recusava.

Nesta segunda, o antigo líder do que hoje é a principal força política da Irlanda do Norte lembrou a contribuição do ex-premiê para os 25 anos de relativa paz. "Ele enfrentou grandes desafios e levou o UUP às negociações, convenceu o partido a assinar o acordo. É crédito dele, e eu o agradeço por isso", disse em comunicado.

A atual ascensão do Sinn Féin é considerada um abalo sísmico no poder do país.

Trimble renunciou à liderança do UUP em 2005 e assumiu um título vitalício na Câmara dos Lordes britânica um ano depois. Mais recentemente, apoiou o brexit e se opôs fortemente às barreiras comerciais resultantes da saída do Reino Unido da União Europeia, que criaram uma nova divisão entre políticos nacionalistas e unionistas.

"Trimble era um homem de coragem e visão. Escolheu agarrar a oportunidade da paz quando ela se apresentou e buscou encerrar décadas de violência que assolaram seu amado país", disse nesta segunda o atual líder do Partido Unionista do Ulster, Doug Beattie. "Será para sempre lembrado pela liderança que demonstrou nas negociações para o Acordo de Belfast."

O premiê da Irlanda, Micheál Martin, lembrou a referência à "política do possível" feita por Trimble em seu discurso no Nobel. O político deixa a esposa, Daphne, e quatro filhos.

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