Demissões de secretários indicam golpe final para governo de Boris Johnson

Rishi Sunak e Sajid Javid, que chefiavam Finanças e Saúde, renunciam, junto a outros parlamentares da sigla do premiê

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Londres | Reuters

Uma avalanche de renúncias no governo britânico, nesta terça-feira (5), voltou a colocar o premiê Boris Johnson na situação com a qual ele mais se acostumou a viver nos últimos meses: crise.

A saída de dois dos membros mais experientes da gestão —Rishi Sunak e Sajid Javid, secretários de Finanças e Saúde—, indica que esse pode ser o golpe final após uma onda de turbulências, do "partygate" a uma acusação de assédio contra um aliado de seu partido, da qual Boris teria ciência e nada teria feito.

O premiê Boris Johnson deixa a sede do governo britânico, no número 10 de Downing Street, em Londres
O premiê Boris Johnson deixa a sede do governo britânico, no número 10 de Downing Street, em Londres - Justin Tallis/AFP

Após os ministros renunciarem, foi a vez de Bim Alofami, um dos vice-presidentes do Partido Conservador, anunciar, ao vivo na TV, que deixaria o cargo. Na sequência, quatro parlamentares, Saqib Bhattti, Nicola Richards, Jonathan Gullis e Virginia Crosbie, renunciaram a papéis menores que tinham no governo.

Ao anunciar a saída, Javid, que comandava a pasta de Saúde, escreveu em uma nota que não poderia permanecer no cargo em "sã consciência" e que "muitos deputados e a população perderam a confiança na capacidade de Boris de governar de acordo com o interesse nacional". "Lamento dizer, mas está claro que esta situação não mudará sob a sua liderança —e, portanto, você também perdeu a minha confiança."

Já Sunak, que teria entrado em conflito com o premiê, disse que deixar o cargo enquanto o mundo sofre as consequências da Covid e da Guerra da Ucrânia é uma decisão que ele não toma de "espírito tranquilo". "Porém, a população, com razão, espera que o governo seja conduzido de forma adequada, competente e séria. Este pode ser meu último cargo ministerial, mas acredito que vale a pena lutar por esses padrões."

A menção às crises globais é uma tentativa de Sunak de capitalizar os elogios que recebeu devido à resposta à turbulência econômica provocada pela pandemia de Covid, um aspecto positivo que se transformou em críticas após as revelações de que sua mulher driblou o pagamento de impostos.

Em uma carta dirigida aos agora ex-ministros, Boris disse lamentar as renúncias. Tanto Sunak quanto Javid apoiaram publicamente o premiê no escândalo sobre a conduta de seu governo no auge da crise sanitária —um relatório apontou que Downing Street, sede do governo, abrigou festas que desrespeitavam o lockdown imposto aos britânicos em 2020, e o primeiro-ministro participou de algumas delas.

Em uma sinalização de que quer permanecer no poder pelo tempo que for possível, Boris nomeou Steve Barclay, até então seu chefe do gabinete, para a Saúde e Nadhim Zahawi, antes na pasta de Educação, para as Finanças. Apesar das deserções, o primeiro-ministro mantém o apoio de nomes de peso, como a secretária de Relações Exteriores, Liz Truss, e o secretário de Defesa, Ben Wallace.

Jacob Rees-Mogg, ministro para oportunidades do brexit, disse à rede Sky News que se encontrou com Boris e disse que vai continuar a apoiá-lo. Questionado sobre o humor do primeiro-ministro, desconversou. "Ah, o trabalho segue da mesma forma. Ele tem um trabalho a fazer. Ele ganhou um mandato em uma eleição geral, um voto do povo britânico, e isso não deve ser tirado porque várias pessoas renunciaram."

Já o líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, chamou de cúmplices os que ainda apoiam o premiê e defendeu a realização de eleições antecipadas. "Depois de todo o desprezo, dos escândalos e do fracasso, está claro que este governo entrou em colapso. Precisamos de um novo começo para o Reino Unido."

As renúncias ocorrem no dia em que Boris pediu desculpas por, segundo ele, não ter percebido que Chris Pincher, vice do cargo conhecido como "chief whip" —responsável pela disciplina parlamentar dos deputados—, não tinha o perfil adequado para a posição. Ele é alvo de denúncias de assédio sexual.

"Olhando em retrospectiva, foi a coisa errada a se fazer. Peço desculpas a todos que foram gravemente afetados por isso", disse o primeiro-ministro britânico. Fontes anônimas relataram a veículos de imprensa que Pincher teria assediado sexualmente dois homens, um dos quais um deputado, num clube privado no centro de Londres. O parlamentar renunciou na quinta (30), e sua saída desencadeou mudanças na narrativa do governo sobre o que Boris sabia a respeito do comportamento do agora ex-aliado.

Boris reunido com seus ministros em Downing Street, em dia de renúncias - Justin Tallis -5.jul.22/Pool/Reuters

Após um ex-alto funcionário acusar o governo de mentir, o porta-voz do premiê foi forçado a dizer que o líder britânico havia sido informado "de alguma forma" sobre o caso, mas que havia se esquecido disso. Para muitos, a explicação de uma suposta perda de memória só ampliou a frustração com Boris.

O colapso do governo ocorre, também, um mês após o premiê sobreviver a um voto de desconfiança que poderia tê-lo tirado do governo. Sob as regras atuais, ele está a salvo pelo prazo de um ano, mas seu partido pode rever as normas e tentar uma nova votação, algo que o deputado Anthony Browne já pediu.​

Além das polêmicas que o próprio governo produz, Boris é criticado pela população por uma suposta falta de ações para enfrentar a alta do custo de vida, um fenômeno intensificado pela Guerra da Ucrânia, com muitos britânicos tendo de lidar com o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos.

Após a renúncia de Sunak, o valor da libra caiu, mas economistas dizem que a saída do premiê pode trazer estabilidade ao país e oferecer um impulso à moeda britânica e aos mercados no médio prazo.


Polêmicas do governo Boris Johnson

Festas na sede do governo durante a pandemia
Apesar de ter proibido encontros familiares em ambientes fechados devido à pandemia de Covid, Boris e outros membros do governo participaram de festas organizadas em Downing Street, a residência oficial e escritório do primeiro-ministro. O premiê chegou a ser multado pela polícia devido à infração

Reformas no apartamento
Boris também foi responsabilizado por uma reforma feita em seu apartamento em Downing Street com verba não declarada oriunda de uma doação privada. A Comissão Eleitoral multou o Partido Conservador por deixar de relatar a doação de 67,8 mil libras (R$ 499 mil) recebida em outubro de 2020

Denúncias de assédio contra aliado
O deputado conservador Christopher Pincher renunciou após denúncias de que teria assediado sexualmente dois homens. A reação inicial do governo, de considerar o caso encerrado após o anúncio de que sairia do governo, provocou uma avalanche de demissões no alto escalão do governo britânico. Boris inicialmente disse que não tinha informações prévias do caso, mas depois foi obrigado a recuar

Resgate de animais no Afeganistão
Cerca de 150 cães e gatos foram retirados do Afeganistão em meio ao resgate de civis às vésperas da tomada do poder pelo Talibã. O governo foi acusado de priorizar animais em vez de pessoas, e o premiê negou envolvimento. E-mails da chancelaria divulgados em janeiro, no entanto, apontaram que Boris não só sabia da ação, como participou da decisão de autorizar o pouso da aeronave em Cabul

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