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Emails lançam luz sobre plano de Trump de criar 'eleitores falsos' e reverter eleição

Conversas privadas entre assessores do ex-presidente americano fornecem nova visão sobre o 6 de janeiro

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Maggie Haberman Luke Broadwater
Washington | The New York Times

Emails até agora não divulgados oferecem uma visão interna das tentativas cada vez mais desesperadas e muitas vezes estabanadas dos assessores do ex-presidente Donald Trump para reverter a derrota eleitoral nas semanas que antecederam o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio, incluindo admissões de que um elemento-chave do plano era de legalidade duvidosa e fazia jus às acusações de que era falso.

As dezenas de emails entre pessoas ligadas à campanha de Trump, assessores externos e associados próximos mostram um enfoque especial na criação de listas de pessoas que afirmariam –sem base– ser eleitores do Colégio Eleitoral a favor do republicano em estados de grande disputa onde ele perdeu.

Em emails vistos pelo New York Times e autenticados por pessoas que trabalharam na campanha do ex-presidente, um advogado envolvido nas discussões usou repetidamente a palavra "fake" (falso) para se referir aos supostos eleitores, que pretendiam fornecer ao vice Mike Pence e a aliados de Trump no Congresso uma justificativa para impedir o processo de certificação do resultado da eleição.

Os advogados que trabalharam na proposta deixaram claro ter conhecimento de que os eleitores pró-Trump que estavam apresentando poderiam não resistir a uma análise legal.

Membros do comitê da Câmara que investiga o ataque ao Capitólio dos EUA exibem vídeo de Donald Trump pedindo a apoiadores para voltarem para casa
Membros do comitê da Câmara que investiga o ataque ao Capitólio dos EUA exibem vídeo de Donald Trump pedindo a apoiadores para voltarem para casa - Saul Loeb - 21.jul.22/AFP

"Estaríamos enviando votos eleitorais 'falsos' para Pence, para que 'alguém' no Congresso pudesse fazer uma objeção quando começassem a contar os votos, argumentando que os votos 'falsos' deveriam ser contados", escreveu Jack Wilenchik, advogado que ajudou a organizar os eleitores pró-Trump no Arizona, em um email de 8 de dezembro de 2020 para Boris Epshteyn, consultor estratégico da campanha.

Em um email na sequência, Wilenchik escreveu que "'votos 'alternativos' provavelmente fosse um termo melhor que 'falsos'", acrescentando um emoji de carinha sorridente. Os emails oferecem mais detalhes de como uma ala da campanha de Trump trabalhou com advogados e conselheiros externos para organizar o plano eleitoral e buscar uma série de outras opções, muitas vezes sem pensar em sua viabilidade.

Um email mostrou que muitos dos principais conselheiros do ex-presidente foram informados de problemas para nomear eleitores de Trump em Michigan –estado no qual ele perdeu– porque as regras da pandemia fecharam o prédio do Capitólio estadual, onde os supostos eleitores deveriam se reunir.

Os emails também mostram que participantes das discussões relataram detalhes das atividades a Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump, e em ao menos um caso a Mark Meadows, chefe de gabinete da Casa Branca. À época, segundo o comitê da Câmara que investiga o 6 de Janeiro, Meadows enviou um email a outro assessor, dizendo: "Só precisamos ter alguém coordenando os eleitores para os estados".

Muitos dos emails foram para Epshteyn, que atuava como coordenador de pessoas dentro e fora da campanha de Trump e da Casa Branca e continua sendo um assessor próximo ao ex-presidente. Conforme mostram os emails, ele era um ponto de contato habitual de John Eastman, advogado cujo plano de inviabilizar a certificação do resultado do Colégio Eleitoral em 6 de janeiro de 2021 foi adotado por Trump.

Epshteyn não apenas apresentou e transmitiu a Giuliani a proposta detalhada preparada por Eastman; ele também tratou de questões sobre como pagar Eastman e fez arranjos para que ele visitasse a Casa Branca em 4 de janeiro de 2021, como mostram os emails. Esse foi o dia da reunião no Salão Oval em que Trump e Eastman pressionaram, sem sucesso, Pence a adotar o plano –comunicação testemunhada pelos dois principais assessores de Pence, Marc Short e Greg Jacob, que depuseram na semana passada no tribunal do júri federal que investiga o assalto ao Capitólio e o que conduziu a ele.

Os emails destacam que grande parte do trabalho de encontrar maneiras de contestar a derrota nos estados mais disputados foi feita por Mike Roman, diretor de operações do Dia da Eleição na campanha de Trump. Epshteyn e Roman, segundo os emails, estavam coordenados com outros que tinham funções na assessoria de Trump, como os advogados Jenna Ellis e Bruce Marks; Gary Michael Brown, que atuou como vice-diretor de operações do Dia da Eleição na campanha; e Christina Bobb, que na época trabalhava para a One America News Network e hoje atua com o comitê de ação política (PAC) de Trump.

O ex-vice-presidente dos EUA Mike Pence participa de sessão conjunta do Congresso para ratificar o resultado das eleições de 2020 no Capitólio, em Washington
O ex-vice-presidente dos EUA Mike Pence participa de sessão conjunta do Congresso para ratificar o resultado das eleições de 2020 no Capitólio, em Washington - Erin Schaff - 6.jan.21/Reuters

Os emails aparentemente não foram compartilhados com membros do gabinete do advogado da Casa Branca, que informaram que o plano dos "eleitores falsos" não era legalmente sólido, ou com outros advogados da campanha. Alguns dos participantes também expressaram aprovação nos emails por manter algumas de suas atividades longe da vista do público.

Após Trump receber legisladores estaduais da Pensilvânia na Casa Branca no final de novembro para discutir a reversão do resultado da eleição, Epshteyn comemorou quando as notícias da reunião não vazaram rapidamente. "A reunião não foi divulgada, o que é chocante e ótimo", escreveu ele a Ellis.

Em 8 de dezembro de 2020, Wilenchik escreveu que Kelli Ward, republicana do Arizona que participou do plano de eleitores falsos, recomendou "manter em segredo até que o Congresso conte os votos em 6 de janeiro (para que possamos tentar 'surpreender' os democratas e a mídia)". "Tendo a concordar com ela".

Epshteyn, Wilenchik, Roman, Eastman, Bobb e James Troupis, outro advogado envolvido no plano, recusaram-se a comentar ou não responderam a emails ou a ligações com pedidos de comentários. Marks, em um email, negou que houvesse algo impróprio ou inadequado acontecendo.

"Não acredito que houve algo 'falso' ou ilegal nas chapas alternativas de delegados, e particularmente na Pensilvânia", disse ele. "Houve um histórico de chapas alternativas do Havaí em 1960. Não havia segredo sobre isso –elas foram fornecidas ao Arquivo Nacional, pelo que entendo do procedimento, e então cabia ao Congresso decidir o que fazer." Marks acrescentou: "Não tive nenhum envolvimento com o conselho do professor Eastman sobre o papel do vice, sobre o qual só fiquei sabendo após o fato —e não apoio".

O comitê da Câmara que investiga o ataque do 6 de Janeiro ao Capitólio produziu evidências de que Trump estava ciente do plano dos eleitores. Ronna McDaniel, presidente do Comitê Nacional Republicano, disse em depoimento aos deputados que o ex-presidente ligou a ela e colocou Eastman ao telefone "para falar sobre a importância de o comitê ajudar a campanha a reunir esses eleitores contingentes".

Vídeo do ex-presidente dos EUA Donald Trump é exibido em audiência do comitê da Câmara que investiga o 6 de Janeiro, em Washington
Vídeo do ex-presidente dos EUA Donald Trump é exibido em audiência do comitê da Câmara que investiga o 6 de Janeiro, em Washington - Anna Moneymaker - 28.jun.22/Reuters

O painel também ouviu o testemunho de Jacob, que era o advogado de Pence na Casa Branca, de que Eastman admitiu na reunião no Salão Oval em 4 de janeiro, com a presença de Trump, que o plano de fazer o vice-presidente obstruir a certificação eleitoral violou a Lei de Apuração Eleitoral.

No início de dezembro, Epshteyn aparentemente estava ajudando a coordenar os esforços, comunicando-se diversas vezes com Marks e outros. Wilenchik disse a seus colegas advogados que estava discutindo uma ideia proposta por outro advogado que trabalhava na campanha, Kenneth Chesebro, um aliado de Eastman, para apresentar chapas de eleitores leais a Trump.

"Sua ideia é que todos nós (Geórgia, Wisconsin, Arizona, Pensilvânia etc.) façamos nossos eleitores enviarem seus votos (mesmo que não sejam legais sob a lei federal, porque não são assinados pelo governador) para que os membros do Congresso possam discutir se devem ser contados em 6 de janeiro", escreveu Wilenchik no email de 8 de dezembro de 2020 para Epshteyn e mais meia dúzia de pessoas.

"Meio selvagem/criativo –fico feliz em discutir", continuou Wilenchik. "Meu comentário para ele foi que acho que não há mal nenhum nisso (pelo menos legalmente) –ou seja, apenas enviaríamos votos eleitorais 'falsos' para Pence para que 'alguém' no Congresso pudesse fazer uma objeção quando eles começarem a contar e passe a argumentar que os votos 'falsos' devem ser contados."

Os emails mostraram que o grupo inicialmente esperava que as legislaturas estaduais ou governadores republicanos aderissem a seus planos e lhes dessem legitimidade. Mas em dezembro ficou claro que nenhuma autoridade concordaria, então os advogados de Trump se concentraram em pressionar Pence, que deveria presidir a sessão conjunta do Congresso em 6 de janeiro.

Em 7 de dezembro, Troupis, que trabalhou na campanha de Trump em Wisconsin, escreveu a Epshteyn que "não havia necessidade de os legisladores agirem". Ele citou a análise legal de Chesebro de que a chave para as esperanças de Trump não era bloquear a certificação estadual dos eleitores, em 14 de dezembro, mas criar uma razão para Pence bloquear ou atrasar a certificação pelo Congresso em 6 de janeiro.

Os advogados estavam cientes de que seus esforços legais estavam sendo ridicularizados. Em 23 de dezembro, Marks escreveu: "Vocês estão sendo mortos na mídia devido à estratégia de litígio, até mesmo na Fox e entre conservadores". Mas eles não se intimidaram. Na véspera de Natal, parece que Eastman quis aproveitar os milhões de apoiadores de Trump. Às 20h04 daquela noite, enviou a Epshteyn um email que ele havia recebido, no qual uma mulher lhe implorava que pedisse a Trump "para divulgar o que ele gostaria que seus 74 milhões de seguidores fizessem para ajudar". Acrescentou: "Precisamos ser uma única voz, com foco a laser, FALANDO COM A FORÇA DE 74 MILHÕES".

Em 27 de dezembro, Epshteyn escreveu que Trump "gostou" de uma abordagem agressiva proposta pelos advogados e que Eastman seria a "face da estratégia de mídia", junto com Giuliani. "Precisamos de uma voz lá fora", escreveu Epshteyn sobre Eastman, dizendo que ele "já foi escolhido/aprovado pelo POTUS [sigla em inglês para presidente dos EUA]". Faltavam apenas alguns dias para 6 de janeiro.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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