Descrição de chapéu União Europeia

Entenda por que a Itália tem instabilidade política tão grande

Premiê Mario Draghi anunciou renúncia nesta quinta-feira, rejeitada pelo presidente

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São Paulo

Depois de renunciar, ser convencido pelo presidente Sergio Mattarella a tentar repactuar sua coalizão e falhar na empreitada, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, anunciou nesta quinta-feira (21) sua renúncia final —agora aceita pelo presidente, que dissolveu o Parlamento e antecipou eleições. A decisão foi tomada depois de uma crise detonada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), que compunha a ampla aliança governista, que se espraiou para outros dois partidos da base, mais à direita.

O país já teve dez trocas no comando desde 1998, e mesmo os períodos de relativa estabilidade foram complicados. De 1989 para cá, o único premiê que concluiu o mandato de cinco anos foi Silvio Berlusconi, falastrão cujo nome se tornou sinônimo de escândalos.

Nesse mesmo período, a Alemanha tem em Olaf Scholz seu terceiro primeiro-ministro, e a França, com Emmanuel Macron recém-reeleito, o quarto presidente.

O premiê italiano, Mario Draghi (à dir.), ao lado do antecessor Giuseppe Conte na cerimônia de transmissão de posse, em 2021 - Andrew Medichini - 13.fev.21/Pool/Reuters

A instabilidade política em Roma tem raízes no sistema eleitoral adotado depois da Segunda Guerra, puramente proporcional. Isso resultou, conforme análise do jornal The Washington Post, em grande número de pequenos partidos e em governos de coalizão e impasses políticos.

Em 1994 o país viu a conclusão da Operação Mãos Limpas, que serviu de inspiração para a brasileira Lava Jato anos depois. O escândalo de corrupção varreu com os poucos elementos de estabilidade —em particular o popular Partido Democrata Cristão— e, de lá para cá, tentativas de reforma falharam. O governo de centro-esquerda de Matteo Renzi foi derrotado em 2016 em um referendo que teria mudado a Constituição para turbinar os poderes do primeiro-ministro.

Uma reforma separada criou um sistema de voto misto para o Legislativo, com dois terços dos legisladores sendo eleitos proporcionalmente e o terço restante, por voto distrital direto. Mas os resultados do pleito de março de 2018 indicaram que o novo sistema pouco fez para criar estabilidade.

Partidos antes nanicos como o M5S e a Liga, de Matteo Salvini, ganharam apoio, superando forças tradicionais e pronunciando a fragmentação política. A atual legislatura, por exemplo, já teve diversas formatações, com o M5S participando de todas elas e implodindo a mais recente.

O antecessor do premiê demissionário, o populista Giuseppe Conte, primeiro dividiu a coalizão com a Liga. Quando Salvini provocou a queda do governo, em 2019, ele refez a maioria com o Partido Democrático, para depois renunciar em fevereiro de 2021, após outra crise.

À época, Draghi assumiu o chamado governo de união nacional. Criado numa família de classe média alta em Roma, ele gozava de popularidade por ter chefiado o Banco Central Europeu (responsável pela política monetária dos países que usam o euro) em uma de suas crises mais graves.

Ele estudou em escolas jesuítas e teve que assumir as rédeas da família na adolescência, quando o pai, diretor do Banco da Itália, e a mãe, farmacêutica, morreram em um intervalo de poucos meses. Um perfil publicado pela Folha na época de sua posse lembrou que um amigo de escola e hoje diplomata, Staffan de Mistura, o descreveu como um "garoto de equipe": "No campo, ele sempre passava a bola. Não era o melhor jogador que tínhamos, mas sempre tinha uma estratégia".

Draghi fez doutorado no MIT, experiência que, segundo ele, fortaleceu sua convicção no projeto da União Europeia. Ele trabalhou no Banco Mundial e entrou para a administração pública como diretor-geral do Tesouro da Itália em 1991, trabalhando pela adoção de uma moeda única na UE (a adesão da Itália ao euro veio em 1999). Depois, passou pelo setor privado no Goldman Sachs e em 2006 chegou ao Banco da Itália.

Herdou uma grave crise ao assumir o BCE, em 2011, com a endividada Grécia ameaçando deixar a UE. Um discurso contundente em 2012, em que ele prometeu "fazer tudo o que for necessário para preservar o euro", é apontado como ponto de virada nas expectativas. "Acreditem, será o suficiente."

Negociações e políticas de socorro se alongaram por meses, mas a Grécia foi socorrida e a firmeza garantiu a Draghi o apelido de "Super Mario". Ao deixar o BCE, em 2019, disse que abandonaria a cena pública, mas a promessa caiu em 2021, quando ele se tornou premiê na primeira disputa política da vida.

O clima de apaziguamento pareceu tão forte que ele chegou a ser cogitado para o cargo de presidente no pleito do início deste ano —no qual Sergio Mattarella acabou reeleito.

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