Exército do EUA sofre para recrutar soldados com queda no interesse em alistamento

Forças Armadas veem contingente diminuir à metade do que era na década de 1980

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Dave Philipps
Fountain (Colorado) | The New York Times

O posto local fixo estava vazio. O Walmart mais próximo, normalmente um bom lugar para procurar possíveis interessados, não deu em nada. Com milhares de soldados faltando para o Exército dos Estados Unidos alcançar sua meta de recrutamento, o comandante do posto, sargento James Pulliam, em uniforme de camuflagem, vasculhou o estacionamento de um shopping.

Vendo uma mulher jovem saindo de um carro, abriu seu melhor sorriso de vendedor. "Ei, como você sabia que eu estaria aqui hoje?", disse, como se estivesse cumprimentando uma velha amiga. "Vou te ajudar a entrar para o Exército!"

São tempos difíceis para o recrutamento militar. Quase todos os setores das Forças Armadas estão com déficits de alistamento neste ano —que se encaminha para ser o pior de qualquer ano desde logo após a Guerra do Vietnã. A falta de soldados rasos ameaça atrapalhar o funcionamento da máquina militar, deixando cargos críticos desocupados e pelotões sem um número suficiente de pessoas para funcionar.

Army recruiters speak to shoppers in a Walmart, in Colorado Springs, Colo., on July 6, 2022. Military recruiters visit shopping centers to look for young people who might consider enlisting. (Michael Ciaglo/The New York Times)
Recrutadores do Exército conversam com jovens em mercado Walmart de Colorado Springs - Michael Ciaglo - 6.jul.22/The New York Times

Parte do problema é a Covid. Os lockdowns prejudicaram a capacidade dos recrutadores de criar vínculos cara a cara com possíveis recrutas. E a obrigatoriedade da vacinação para militares afasta algumas pessoas que de outro modo poderiam ter interesse em ser recrutadas.

O mercado de trabalho altamente aquecido, com muito mais vagas de trabalho abertas do que pessoas para preenchê-las, é outro fator, na medida em que salários e benefícios crescentes do setor civil reduzem a atração do serviço militar.

Mas as tendências demográficas de mais longo prazo são outro fator que vem se fazendo sentir. Menos de um quarto dos adultos americanos jovens têm o nível de aptidão física necessário para se alistar e não têm antecedentes criminais que os desqualifiquem —essa parcela vem encolhendo constantemente.

E uma mudança nas atitudes em relação ao serviço militar faz com que hoje apenas um em cada dez jovens diga que ao menos cogitaria em prestá-lo.

Para tentar contrapor-se a esses fatores, as Forças Armadas elevaram os bônus de alistamento para até US$ 50 mil e oferecem um adicional de até US$ 10 mil para certos recrutas que podem partir para fazer treinamento básico em 30 dias. As armas afrouxaram restrições feitas a tatuagens no pescoço, e em junho o Exército chegou a abrir mão brevemente da exigência de diploma do ensino médio —mas decidiu que essa era uma má ideia e revogou a alteração.

O Exército é a maior das forças e a mais duramente afetada por esse fenômeno. Até o final de junho, havia recrutado apenas 40% dos 57 mil novos soldados rasos que quer ter prontos para ação até 30 de setembro, fim do ano fiscal. Por isso Pulliam, 41, mecânico de helicópteros que há cinco anos se tornou recrutador, está à procura de qualquer pessoa que possa querer entrar para o Exército.

Antes de se alistar, em 2012, ele tinha 31 anos e trabalhava num armazém na Carolina do Norte. Um ano mais tarde, estava trabalhando com helicópteros Apache AH-64, com casa e educação pagas pelo Exército. "Isso transformou minha vida completamente", diz. "E é o presente que tenho para oferecer a outras pessoas, é só encontrar as que precisam dele."

A moça no estacionamento do shopping estava indo buscar uma pizza e, confusa, acabou se desculpando educadamente dizendo que não poderia se alistar, apontando para uma bomba de insulina presa ao short. O sargento não desistiu: "Me dê um nome —só um nome, um número para o qual eu possa ligar. Você deve conhecer alguém que pode querer se alistar".

Segundos mais tarde ele estava falando ao telefone com um amigo da mulher, mas logo fez uma pausa, se virou e exclamou: "O sujeito desligou na minha cara!".

A situação não está mais fácil para as outras armas. A Marinha e o corpo de fuzileiros navais não divulgam números de recrutamento antes do fim do ano fiscal, mas ambos admitem que terão dificuldade em alcançar suas cotas. Mesmo a Força Aérea, que raramente teve problemas para atrair talentos no passado, está com 4.000 recrutas a menos que o número que normalmente alcança.

"A verdade, para falar francamente, é que é uma luta que travamos a cada semana", diz o general Edward Thomas Jr., comandante do Serviço de Recrutamento da Força Aérea. "Estamos começando a ter esperança de podermos cumprir a missão deste ano, mas isso ainda não é certo."

Thomas afirma que a Covid manteve recrutadores distantes de feiras e festivais de rua, mas também de colégios de ensino médio, seu terreno mais produtivo. Um aumento modesto de recrutamento devido aos comerciais chamativos que as Forças Armadas veicularam antes das sessões de "Top Gun: Maverick" ajudou um pouco, mas há preocupações maiores e de longo prazo com o conjunto cada vez menor de americanos jovens aptos e interessados em servir.

O Pentágono tem constatado que 76% dos adultos na faixa dos 17 aos 24 anos ou são obesos demais para qualificar-se para o serviço militar ou têm outros problemas médicos ou antecedentes criminais que os impossibilitaria de fazê-lo sem autorização especial. E a parcela de adultos jovens que poderiam se interessar em servir vem caindo constantemente: antes da pandemia estava em 13%, agora é de 9%.

"São os níveis mais baixos de confiança no governo e nas Forças Armadas americanas", diz o general.

Nunca foi fácil manter uma das maiores forças militares do mundo inteiramente com voluntários, e essa não é a primeira vez que faltam recrutas nos 49 anos passados desde que os EUA acabaram com o alistamento obrigatório. Quando empregos no setor civil estão abundantes, como agora, há duas táticas: tornar a adesão mais atraente, com prêmios a quem se alista e salários melhores; e rebaixar um pouco os critérios.

As Forças Armadas também vêm reduzindo seus contingentes, adaptando-se à nova situação. O número de militares na ativa hoje é mais ou menos a metade do que era na década de 1980 e está projetado para continuar a diminuir.

Tradução de Clara Allain

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