Hungria quis 'mostrar apoio', não sugerir interferência na eleição do Brasil, diz ministério

Ministra registrou pergunta de chanceler; oposição quer convocar Cristiane Britto na Câmara

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Brasília

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou nesta quinta-feira (28) que o chanceler da Hungria, Péter Szijjártó, quis "prestar apoio público" à gestão de Jair Bolsonaro (PL) e que sua oferta de ajuda para a reeleição do presidente não ocorreu no sentido de interferir "no processo eleitoral brasileiro".

Nesta quarta (27), a Folha revelou que Szijjártó, em reunião com a ministra Cristiane Britto, em Londres, no início de julho, ofereceu ajuda para a reeleição de Bolsonaro. Segundo relato registrado em documento interno pela própria Cristiane, o titular da pasta de Negócios Estrangeiros e Comércio do país europeu afirmou ter solicitado o encontro porque os países compartilham a mesma visão sobre o conceito de família.

O presidente Jair Bolsonaro durante declaração conjunta com o premiê da Hungria, Viktor Orbán, em Budapeste
O presidente Jair Bolsonaro durante declaração conjunta com o premiê da Hungria, Viktor Orbán, em Budapeste - Bernadett Szabo - 17.fev.22/Reuters

"Em segundo lugar, devido ao interesse em saber mais do cenário eleitoral. Ele questionou se haveria algo que o governo húngaro poderia fazer para ajudar na reeleição do presidente Bolsonaro", escreveu ela.

Procurada antes da publicação da reportagem, a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não respondeu aos questionamentos da Folha. Nesta quinta, o ministério divulgou a nota, na qual diz que Cristiane "manteve diálogo republicano e cordial com o ministro húngaro Péter Szijjártó".

"A interpretação de uma mensagem de apoio e simpatia entre autoridades proferida em reunião pública e oficial como uma tentativa de interferência no processo eleitoral brasileiro extrapola todos os limites da razoabilidade", afirma o comunicado. "A ministra e toda a comitiva entenderam que o posicionamento do representante húngaro ocorreu em demonstração de apreço, no sentido de prestar apoio público a esta gestão, e nunca de interferência daquele país no processo eleitoral brasileiro."

Diante do episódio, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) anunciou que pretende apresentar, na volta do recesso parlamentar, um requerimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara para convocar a ministra Cristiane Britto. A ideia é que ela esclareça a oferta de ajuda da Hungria à reeleição de Bolsonaro.

"Pelo princípio da não intervenção, nenhum país pode interferir no processo eleitoral brasileiro. Isso é um fato muito grave, que fere a soberania nacional", afirma Vaz. "Vamos pedir a convocação da ministra e cobrar explicações sobre essa suposta ajuda. Bolsonaro e seus aliados estão desesperados."

O parlamentar não foi o único a comentar o episódio. O líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (MG), avalia que o caso pode configurar crime eleitoral. "Um fascista cheira o outro", disse, em referência à proximidade de Bolsonaro com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban. O brasileiro esteve em Budapeste no começo do ano, quando chamou o ultradireitista de irmão e destacou que ambos compartilham valores.

Nesta quinta, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) rotulou a aliança entre os dois líderes de gabinete do ódio transnacional. "A extrema direita racista, preconceituosa, contra a liberdade de imprensa, contra a democracia, vem sendo derrotada em várias partes do mundo e, em especial, na América Latina."

Orbán tem o mandato marcado por uma erosão dos mecanismos democráticos e, nesta semana, se vê às voltas com críticas por ter feito falas de conotação racista sobre o acolhimento de imigrantes e a miscigenação. O petista fez alusão ainda a vitórias eleitorais recentes de partidos de esquerda em países como Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Peru.

Padilha também relacionou o caso do relatório do MMFDH à recente exposição que o presidente fez a embaixadores com ataques ao sistema eleitoral, ameaças golpistas e teorias conspiratórias já desmentidas. "Bolsonaro tentou criar um clima internacional a favor da sua tentativa de golpear o sistema eleitoral e agora se abraça ao único que resta no 'gabinete do ódio transcontinental'", disse.

O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, também se revoltou com a oferta de ajuda de uma autoridade húngara ao presidente. "É inadmissível qualquer intromissão de um Estado estrangeiro nos processos decisórios do povo brasileiro", disse. "Se comprovado que Bolsonaro usou o cargo para buscar aliados fora do país, será mais um crime para a longa lista de atrocidades cometidas por ele."

A ligação do presidente com Orbán —de resto hoje um raro aliado internacional— vem desde a posse, em 2019, da qual o premiê húngaro foi um dos poucos líderes estrangeiros a participar. A cortesia foi retribuída em fevereiro deste ano, depois da viagem de Bolsonaro à Rússia.

Em 9 de julho, foi a vez de a presidente da Hungria, Katalin Novák, vir ao Brasil —o cargo no país europeu envolve funções cerimoniais. A agenda dela no país envolveu uma reunião e um almoço com Bolsonaro. Antes do encontro, o mandatário brasileiro voltou a destacar a proximidade ideológica dos governos: "Temos muita coisa em comum, [relação] comercial, os valores que defendemos. E, obviamente, ela não viria aqui para uma primeira visita se não houvesse uma simpatia entre as nossas políticas".

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