Indiana volta para casa no Paquistão 75 anos após fugir na guerra e diz realizar sonho

Hindu, família de Reena Varma se viu forçada a deixar cidade na época da divisão dos dois países

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Lahore e Rawalpindi (Paquistão) | Reuters

Depois de 75 anos, a cidadã indiana Reena Varma, 90, pôde voltar para casa e visitar o imóvel no qual passou a infância no Paquistão. A família deixou o lugar durante a guerra indo-paquistanesa, e ela foi a única daquele grupo que viveu para conseguir voltar.

"Meu sonho se tornou realidade", disse, lembrando da irmã que morreu sem nunca poder realizar o mesmo desejo. A família, com seis crianças, estava entre outros milhões de pessoas que tiveram o cotidiano interrompido em 1947, quando os administradores coloniais britânicos que partiam ordenaram a criação de dois Estados —um majoritariamente muçulmano, o Paquistão, e outro majoritariamente hindu, a Índia.

Reena Varma, cidadã indiana de 90 anos nascida no Paquistão, fica na casa de uma vizinha ao lado de sua casa ancestral, que ela visita após 75 anos, em Rawalpindi, no Paquistão
Reena Varma, cidadã indiana de 90 anos nascida no Paquistão, fica na casa de uma vizinha ao lado de sua casa ancestral, que ela visita após 75 anos, em Rawalpindi, no Paquistão - Waseem Khan - 20.jul.22/Reuters

Seguiu-se uma migração em massa de cerca de 15 milhões de muçulmanos, hindus e sikhs, que, temendo discriminação, trocaram de país em uma violenta convulsão política e social que custou mais de 1 milhão de vidas. Varma e a família tiveram que deixar a cidade de Rawalpindi quando ela tinha 14 anos e fugir para a região onde hoje é Pune, no oeste da Índia, pouco antes da divisão dos dois Estados.

Desde então, Índia e Paquistão entraram em conflito ao menos três vezes, e as relações permanecem tensas —particularmente em relação à região da Caxemira, que ambos reivindicam integralmente.

Os pais e os irmãos de Varma já morreram e, embora ela tenha conseguido viajar uma vez para a cidade paquistanesa de Lahore quando jovem, nunca mais havia voltado para Rawalpindi. Ela passou décadas tentando conseguir um visto e se disse tocada por poder empreender a viagem agora.

"Eu não conseguia imaginar ou prever como reagiria quando chegasse e visse minha casa ancestral", afirmou. "Quando atravessei a fronteira e vi as placas indicando Paquistão e Índia, já fiquei emocionada."

A guerra e a partida

O próximo 14 de agosto marcará os 75 anos da divisão dos dois países —que incluiu a partilha ao meio da província de Punjab, na qual, do lado paquistanês, está Rawalpindi, vizinha à capital Islamabad. Varma conta que se lembra desses dias tumultuados: "Inicialmente não entendíamos o que havia acontecido".

A família decidiu partir, preocupada com os relatos de incidentes violentos; o pai deixou para trás o emprego público, e as crianças pararam de ir à escola. Segundo ela, a mãe por muito tempo não quis acreditar que as nações haviam sido divididas e apostava na volta da família para Rawalpindi —no fim ela acabou aceitando a realidade da separação de Índia e Paquistão.

Varma tentava obter um visto para o Paquistão ao menos desde 1965. Em 2022, a chanceler do Paquistão, Hina Rabbani Khar, e o Clube da Herança Indo-Paquistanesa entraram em cena para finalmente ajudar com o processo, depois de uma postagem sobre o caso nas redes sociais chamar a atenção.

A organização, que trabalha para "destacar a herança compartilhada por cidadãos de ambos os lados da fronteira e reunir os membros de famílias separadas pela partição [dos Estados]", é dirigida por Imran William. Foi ele quem recebeu Varma em sua cidade, depois da viagem de carro que cruzou a fronteira.

"A Índia e o Paquistão hoje são dois países separados, mas podemos trazer paz entre eles por meio do amor e do contato entre as pessoas", disse William. A hóspede, em entrevistas, pediu a ambos os países para facilitar seus regimes de vistos, permitindo que indianos e paquistaneses se reúnam com mais frequência. Ela, que é hindu, disse que quando estava deixando a Índia para fazer a visita muitos a avisaram para não viajar para um país de maioria muçulmana —os alertas não a impediram.

"Peço às novas gerações que trabalhem em conjunto para tornar as coisas mais fáceis. Temos a mesma cultura, todos queremos viver com amor e em paz."

Reena Varma, caminha com moradores locais ao longo de uma rua em Rawalpindi, no Paquistão
Reena Varma, caminha com moradores locais ao longo de uma rua em Rawalpindi, no Paquistão - Waseem Khan - 20.jul.22/Reuters

Lembranças da infância

Ao chegar à rua da casa em que nasceu, Varma foi coberta de pétalas pelos moradores atuais, que tocavam tambores, ao som dos quais a visitante dançou depois de contar que nos anos 1940 a música costumava tocar da madrugada até o amanhecer. O imóvel de três andares, escondido entre as vielas de Rawalpindi, continua conservado. Na varanda, a hoje cidadã indiana se lembrou da infância. "Eu me sentava ali e cantava", disse ela, com os olhos cobertos de lágrimas —"mas lágrimas de alegria".

"Estou muito feliz em ver que ficou intacta." Ela passou várias horas dentro da casa e a certa hora explodiu em risadas ao se ver incapaz de subir um lance de escadas sem auxílio. "Eu subia isso como um pássaro várias vezes ao dia", recordou, segundo o relato de uma das pessoas que hoje ocupam o imóvel.

Reena Varma durante uma entrevista em Lahore, no Paquistão
Reena Varma durante uma entrevista em Lahore, no Paquistão - Mohsin Raza - 16.jul.22/Reuters

Varma contou que, quando ela vivia em Rawalpindi, a rua era composta majoritariamente por moradores hindu, mas muçulmanos, cristãos e sikhs viviam todos pacificamente em seu bairro. "Todas as religiões ensinam a humanidade. Eu diria para manter a humanidade acima de tudo."

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