Depois de 75 anos, a cidadã indiana Reena Varma, 90, pôde voltar para casa e visitar o imóvel no qual passou a infância no Paquistão. A família deixou o lugar durante a guerra indo-paquistanesa, e ela foi a única daquele grupo que viveu para conseguir voltar.
"Meu sonho se tornou realidade", disse, lembrando da irmã que morreu sem nunca poder realizar o mesmo desejo. A família, com seis crianças, estava entre outros milhões de pessoas que tiveram o cotidiano interrompido em 1947, quando os administradores coloniais britânicos que partiam ordenaram a criação de dois Estados —um majoritariamente muçulmano, o Paquistão, e outro majoritariamente hindu, a Índia.
Seguiu-se uma migração em massa de cerca de 15 milhões de muçulmanos, hindus e sikhs, que, temendo discriminação, trocaram de país em uma violenta convulsão política e social que custou mais de 1 milhão de vidas. Varma e a família tiveram que deixar a cidade de Rawalpindi quando ela tinha 14 anos e fugir para a região onde hoje é Pune, no oeste da Índia, pouco antes da divisão dos dois Estados.
Desde então, Índia e Paquistão entraram em conflito ao menos três vezes, e as relações permanecem tensas —particularmente em relação à região da Caxemira, que ambos reivindicam integralmente.
Os pais e os irmãos de Varma já morreram e, embora ela tenha conseguido viajar uma vez para a cidade paquistanesa de Lahore quando jovem, nunca mais havia voltado para Rawalpindi. Ela passou décadas tentando conseguir um visto e se disse tocada por poder empreender a viagem agora.
"Eu não conseguia imaginar ou prever como reagiria quando chegasse e visse minha casa ancestral", afirmou. "Quando atravessei a fronteira e vi as placas indicando Paquistão e Índia, já fiquei emocionada."
A guerra e a partida
O próximo 14 de agosto marcará os 75 anos da divisão dos dois países —que incluiu a partilha ao meio da província de Punjab, na qual, do lado paquistanês, está Rawalpindi, vizinha à capital Islamabad. Varma conta que se lembra desses dias tumultuados: "Inicialmente não entendíamos o que havia acontecido".
A família decidiu partir, preocupada com os relatos de incidentes violentos; o pai deixou para trás o emprego público, e as crianças pararam de ir à escola. Segundo ela, a mãe por muito tempo não quis acreditar que as nações haviam sido divididas e apostava na volta da família para Rawalpindi —no fim ela acabou aceitando a realidade da separação de Índia e Paquistão.
Varma tentava obter um visto para o Paquistão ao menos desde 1965. Em 2022, a chanceler do Paquistão, Hina Rabbani Khar, e o Clube da Herança Indo-Paquistanesa entraram em cena para finalmente ajudar com o processo, depois de uma postagem sobre o caso nas redes sociais chamar a atenção.
A organização, que trabalha para "destacar a herança compartilhada por cidadãos de ambos os lados da fronteira e reunir os membros de famílias separadas pela partição [dos Estados]", é dirigida por Imran William. Foi ele quem recebeu Varma em sua cidade, depois da viagem de carro que cruzou a fronteira.
"A Índia e o Paquistão hoje são dois países separados, mas podemos trazer paz entre eles por meio do amor e do contato entre as pessoas", disse William. A hóspede, em entrevistas, pediu a ambos os países para facilitar seus regimes de vistos, permitindo que indianos e paquistaneses se reúnam com mais frequência. Ela, que é hindu, disse que quando estava deixando a Índia para fazer a visita muitos a avisaram para não viajar para um país de maioria muçulmana —os alertas não a impediram.
"Peço às novas gerações que trabalhem em conjunto para tornar as coisas mais fáceis. Temos a mesma cultura, todos queremos viver com amor e em paz."
Lembranças da infância
Ao chegar à rua da casa em que nasceu, Varma foi coberta de pétalas pelos moradores atuais, que tocavam tambores, ao som dos quais a visitante dançou depois de contar que nos anos 1940 a música costumava tocar da madrugada até o amanhecer. O imóvel de três andares, escondido entre as vielas de Rawalpindi, continua conservado. Na varanda, a hoje cidadã indiana se lembrou da infância. "Eu me sentava ali e cantava", disse ela, com os olhos cobertos de lágrimas —"mas lágrimas de alegria".
"Estou muito feliz em ver que ficou intacta." Ela passou várias horas dentro da casa e a certa hora explodiu em risadas ao se ver incapaz de subir um lance de escadas sem auxílio. "Eu subia isso como um pássaro várias vezes ao dia", recordou, segundo o relato de uma das pessoas que hoje ocupam o imóvel.
Varma contou que, quando ela vivia em Rawalpindi, a rua era composta majoritariamente por moradores hindu, mas muçulmanos, cristãos e sikhs viviam todos pacificamente em seu bairro. "Todas as religiões ensinam a humanidade. Eu diria para manter a humanidade acima de tudo."
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