A declaração de Viktor Orbán de que os húngaros "não querem se tornar um povo mestiço" levou a uma crise que resultou numa baixa no governo nesta terça (26). Após o premiê ser alvo de muitas críticas, a ministra da Inclusão Social, Zsuzsa Hegedus, renunciou dizendo que a fala tem teor nazista.
"Não sei como você [Orbán] não percebeu que a declaração é pura retórica nazista digna de Joseph Goebbels", escreveu Hegedus em sua carta de demissão, segundo o site de notícias húngaro hvg.hu, fazendo referência ao ministro da propaganda de Adolf Hitler. "Depois de tal discurso, que contradiz todos os meus valores básicos, não tive outra escolha: [...] tenho que romper com você."
Além de ministra, Hegedus era uma das conselheiras mais antigas do premiê, com quem convivia havia aproximadamente 20 anos. A proximidade não foi suficiente para segurá-la no cargo, depois de Orbán criticar países por acolher imigrantes e "misturar populações" europeias e não europeias.
"Existe um mundo em que os europeus são misturados com aqueles que chegam de fora da Europa. Esse é um mundo de raças mistas", disse o ultradireitista, no sábado (23), durante evento na Romênia. "E há o nosso mundo, em que as pessoas da Europa se deslocam, trabalham e se mudam. [...] É por isso que sempre lutamos: estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar povos mestiços."
Além do pedido de demissão, a declaração teve outras repercussões nesta terça. Em comunicado, o Comitê Internacional de Auschwitz pediu à União Europeia (UE) que "se distancie de conotações racistas".
Christoph Heubner, vice-presidente da organização, afirmou que o discurso de Orbán é "estúpido e perigoso" e lembra aos sobreviventes do Holocausto "os tempos obscuros de sua própria exclusão e perseguição". Ele também pediu ao premiê austríaco, Karl Nehammer —que tem agenda com o húngaro em Viena, na quinta (28)—, para se distanciar do político. "[Devemos] fazer o mundo entender que Orbán não tem futuro na Europa."
O porta-voz do Executivo húngaro, Zoltan Kovacs, tentou contornar a repulsa manifestada por diferentes setores da sociedade, preferindo culpar quem ouviu a fala do ultradireitista. Em declaração que pouco esclareceu a do chefe —e pouco diferiu dela—, disse que houve um mal-entendido por "pessoas que claramente não entendem a diferença entre a mistura de diferentes grupos étnicos no judaísmo e no cristianismo e a mistura de povos de diferentes civilizações".
Não ajudou nesse esforço o fato de Orbán ter feito uma referência indireta às câmaras de gás do regime nazista para criticar o plano da União Europeia, anunciado nesta terça, de redução no uso de gás em um esforço para diminuir a dependência do produto importado da Rússia. "Não vejo como eles podem forçar os Estados-membros [da UE] a fazer isso, embora haja um conhecimento alemão nesse domínio, como o passado mostrou", disse o húngaro, em tom irônico. Em meio a nova leva de críticas, o ministro das Relações Exteriores da Romênia, Bogdan Aurescu, classificou a frase de inaceitável.
Mais de meio milhão de judeus húngaros foram assassinados durante o Holocausto nazista na Segunda Guerra. Hoje, há cerca de 75 mil a 100 mil judeus no país, a maioria dos quais em Budapeste.
Premiê desde 2010, o populista Orbán foi eleito para seu quinto mandato, o quarto consecutivo, em abril. Nos dez anos no poder, já atacou imigrantes, grupos de direitos humanos e a comunidade LGBTQIA+. O político também defende em sua "democracia iliberal" medidas que restringem a liberdade de imprensa.
Ele enfrenta seu momento mais difícil no poder, entretanto. O país está pressionado pela inflação de dois dígitos, além do corte de verbas pela UE devido a violações de princípios do Estado de Direito. No início do ano, o premiê húngaro recebeu a visita e foi chamado de irmão pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
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