Descrição de chapéu Mundo leu

Podcast faz perfil delicioso de Boris Johnson, 'homem brilhante e dono de caráter terrível'

Programa da BBC gravado antes da renúncia entrega histórias curiosas do premiê britânico de saída

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Boris Johnson, o premiê agora de saída, era há alguns anos um jornalista do Daily Telegraph quando uma colega o procurou para discutir uma coluna que preparava sobre uma convenção do Partido Conservador.

Ela expôs em detalhes seus planos, e ele deu palpites. Qual a surpresa dela quando, no dia seguinte, ao abrir o jornal, suas ideias estavam redigidas sob a assinatura de Boris. Rachel Sylvester, hoje colunista do Times, conta o incidente e descreve o político como um homem brilhante. Mas dono de um caráter terrível.

O premiê Boris Johnson anuncia sua renúncia em frente ao número 10 de Downing Street, em Londres
O premiê Boris Johnson anuncia sua renúncia em frente ao número 10 de Downing Street, em Londres - Justin Tallis/AFP

Sylvester participou de um debate em junho que a BBC publicou como podcast. O tema era justamente o premiê, que renunciou nesta quinta (7) à liderança dos conservadores após uma série de escândalos.

Vejamos dois desses incidentes. O primeiro ocorreu há alguns meses, quando um delegado da Polícia Metropolitana de Londres tocou a campainha do número 10 de Downing Street, residência oficial do chefe do governo. E entregou ao morador uma advertência, porque ele, durante a pandemia, contrariou diretriz do próprio governo e promoveu festinhas com a aglomeração de convidados.

O segundo é mais político que moral. Há um mês, os 359 deputados conservadores se reuniram para votar a deposição de Boris. Decidiram mantê-lo por 211 a 148. Uma das leituras possíveis desse resultado era a de que 148 deputados já representariam uma maioria ética para colocá-lo no olho da rua.

Mas Boris não apenas sobreviveu como não se sentiu arranhado quando, dias depois, os conservadores perderam duas eleições em distritos colocados antecipadamente em disputa. "O primeiro-ministro desafia a lei da gravidade", disse a mediadora da BBC. Ele já deveria ter caído, mas não caía. Agora caiu.

Entre os fatores que seguravam Boris havia o charme. Os eleitores gostam de seu jeitão desalinhado, com os cabelos loiros e compridos despenteados e um jeito paternal com voz grave de dizer as coisas.

"É um sedutor que gosta de usar a linguagem", diz Sylvester, que lembra um episódio da infância de Boris. Ele tinha dez anos quando a mãe dele sofreu uma crise psicótica e foi internada. Ele se sentiu muito só e percebeu que precisaria seduzir as pessoas com palavras inteligentes para sobreviver socialmente.

Boris não gosta que falem mal dele. Tanto que ofereceu uma gorjeta de 100 mil libras para que o ensaísta Andrew Gimson não escrevesse uma biografia dele. Gimson, um dos convidados do podcast, escreveu a biografia, "Portrait of a Troublemaker at Number 10" (retrato de um criador de confusões no número 10).

O último participante da conversa foi Tim Montgomerie, blogueiro para simpatizantes do Partido Conservador e ex-assessor do premiê. Ele descreve o estilo meio caótico com que Boris conduz a própria agenda, chegando atrasado a reuniões e esquecendo de levar cópias de documentos importantes.

Apesar desse conjunto de facetas, Boris funciona. Ele foi por dois mandatos prefeito de Londres, e mesmo os adversários trabalhistas não encontravam muitos defeitos em sua gestão. Participou muito discretamente da queda de sua predecessora, Theresa May, que não conseguia fazer o Parlamento aprovar um conjunto de leis pelas quais se efetivaria o brexit, a saída britânica da União Europeia.

Boris foi um dos entusiastas do divórcio e se comprometeu a acabar de vez com essa história. Foi o que fez. Os partidários da UE não o perdoam. Com a pandemia, investiu pesadamente para que não faltasse dinheiro aos trabalhadores obrigados a permanecer em casa. Ele teria sido até meio irresponsável em termos fiscais, o que agradou o eleitorado trabalhista, disse um dos participantes do podcast.

Esse voluntarismo lembra um pouco os deputados brasileiros dos anos 1950 conhecidos em suas bancadas como os "deixa que eu chuto". Eles queriam marcar o gol para se manter em evidência.

Boris falou grosso com a Rússia, mas diz que não liga para ideologia. Considera-se um liberal, e isso já basta. E se diverte quando afirmam que seu governo tem a diversidade que nenhum primeiro-ministro de esquerda poderia ousar, pelo número de cargos entregues a gays, imigrantes ou mulheres.

O podcast, ainda que gravado antes da renúncia, entrega um perfil delicioso por seu recheio de fofoca.

The Real Story: The Rocky Road Ahead for Boris Johnson

  • Onde https://www.bbc.co.uk/programmes/w3ct33nz
  • Duração 49 min. (em inglês)
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.