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Rússia defende China na crise com os EUA sobre Taiwan

Chefe da Câmara dos EUA inicia viagem à Ásia e pode parar na ilha, irritando Pequim

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São Paulo

Cumprindo seu papel de principal aliada da China na Guerra Fria 2.0 contra os Estados Unidos, a Rússia fez nesta sexta-feira (29) uma defesa explícita de Pequim na nova crise envolvendo a ilha de Taiwan.

"Nenhum país deveria trazer essa questão", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, sobre a soberania que a ditadura presume sobre a ilha, lar dos derrotados da revolução que levou os comunistas ao poder.

Caças taiwaneses participam de exercício militar simulando a invasão chinesa da ilha
Caças taiwaneses participam de exercício militar simulando a invasão chinesa da ilha - Ann Wang - 28.jul.2022/Reuters

Antes, o chanceler russo, Serguei Lavrov, comentou a fala do líder chinês, Xi Jinping, que disse ao americano Joe Biden que os EUA estavam brincando com fogo ao apoiar Taipé. "Nossa posição sobre a existência de uma só China segue inalterada", afirmou.

O motivo do alarido é a possível viagem da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha. Ela não foi confirmada oficialmente, mas nesta sexta a deputada embarca em um giro asiático entre aliados, como Japão e Coreia do Sul, e a parada em Taiwan é uma possibilidade. Ela não quis confirmar se irá a Taipé.

Isso gerou uma grave crise com os chineses, e Xi queixou-se a Biden por telefone na quinta (28). Antes, a chancelaria em Pequim havia dito que a visita, inédita para uma autoridade desse nível desde 1997, equivaleria a uma "violação de soberania". Nesta sexta, anunciou exercício com munição real no fim de semana na região, e o Departamento de Estado americano disse não ver ameaças reais contra Taiwan.

Pelosi é uma figura odiada no Politburo chinês. Após o massacre de estudantes na praça da Paz Celestial, em 1989, ela viu a Casa Branca vetar suas iniciativas para aplicar sanções contra Pequim. Dois anos depois, integrou uma comitiva de deputados que buscava falar em favor dos jovens na China e fugiu de uma visita guiada a um museu para desfraldar uma faixa pedindo justiça na praça em frente a câmeras.

Desde que reconheceram a ditadura comunista, em 1979, os EUA apoiam a política de "uma só China". Ao mesmo tempo, assinaram um ato de cooperação com Taiwan que lhes permitiu armar a ilha até os dentes e prometem auxílio em caso de invasão. Os chineses têm intensificado suas ameaças militares a Taiwan, apesar de haver dúvidas sobre sua capacidade de agir, em especial com a proteção americana.

Enquanto a China se abria ao mundo capitalista e criava laços de interdependência econômica com os EUA, tudo bem. A questão é que Pequim enriqueceu e começou a abrir suas asas políticas e militares, particularmente depois que Xi assumiu, em 2012. Isso desaguou na Guerra Fria 2.0, disparada por Donald Trump em 2017 como uma disputa comercial, mas que logo abarcou todos os aspectos potencialmente contenciosos da relação entre os países: da gestão da pandemia à autonomia solapada de Hong Kong.

A 20 dias do início da Guerra da Ucrânia, em 4 de fevereiro, Vladimir Putin fez uma visita histórica a Xi, firmando uma aliança que não é militar, mas de caráter político-econômico contra o que veem como hegemonia dos EUA. Galvanizou um processo de cooperação que já vinha em curso havia alguns anos, com limites devido ao fato óbvio de que Moscou é o parceiro júnior do acordo, mas tem o maior arsenal nuclear do mundo e ambições políticas incisivas. Xi se recusou a condenar Putin e abriu ainda mais seu intercâmbio comercial, ajudando o esforço de guerra.

Ao mesmo tempo, Washington tem dado passos concretos para tentar cercar Pequim. Reforçou patrulhas em águas reivindicadas pelos chineses no mar do Sul da China e revitalizou a rede de aliados regionais.

Essa ambiguidade se condensa na questão de Taiwan. Embora Biden tenha dito considerar a viagem de Pelosi um erro, enviou um porta-aviões para as proximidades, o que lembra uma crise de 1995, quando o líder taiwanês visitou Washington e Pequim disparou mísseis em torno da ilha. A confusão só diminuiu quando um porta-aviões americano foi enviado à área para lembrar os chineses dos riscos à frente.

Ocorre que naquele momento não havia nada parecido com a animosidade sino-americana. Não que alguém espere um conflito armado acerca de Pelosi, mas o fato de que deve haver uma demonstração militar chinesa faz subir os riscos de algum embate acidental.

Por fim, há o contexto Ucrânia. EUA e aliados já disseram a Xi para ele não se inspirar em Putin e cumprir à força a promessa de reintegrar Taiwan ao continente, embora as realidades sejam muito diferentes.

Nesse sentido, a defesa russa da soberania de Pequim sobre a ilha completa o círculo, acentuando a noção de um mundo com blocos antagônicos. Para Xi, é bom negócio, desde que não vire uma guerra real.

Ele enfrenta problemas econômicos e sociais graves e precisa estar em posição de força em novembro, quando deve ser reconduzido para um terceiro mandato inaudito. Para Biden, que enfrenta eleições congressuais e baixa popularidade, o raciocínio se aplica também, salvo em casos de curtos-circuitos.

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