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Saída de ministro amplia desgaste entre Fernández e Cristina e mergulha Argentina em crise

Troca na Economia é pico de tensão entre presidente e vice, que trocam indiretas e não se falam há meses

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Buenos Aires

O terremoto político que provocou a saída de Martín​ Guzmán da chefia do Ministério da Economia da Argentina foi apenas a ponta de uma crise que se alongará pelos próximos dias, quando outras peças que compõem o gabinete presidencial devem ser trocadas. Trata-se do resultado de meses de tensões entre Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, que mal têm se falado nos últimos meses.

O sismo começou com um discurso durante a celebração do aniversário de morte do ex-líder argentino Juan Domingo Perón, na última sexta (1º), no qual Fernández enviou uma indireta: "O poder não é de quem tem ou não a caneta, e sim de quem tem a capacidade de convencer. Isso dizia Perón, e nisso acredito".

A indireta era, na verdade, um ataque à vice, que, em junho, num raro ato público em que dividiram o mesmo palco, disse que o presidente deveria "usar a caneta com os que têm de dar coisas ao país" —uma referência a empresários poderosos. Fernández escutou, com ar de cansaço e cabeça apoiada nas mãos.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e sua vice, Cristina Kirchner, durante evento em Buenos Aires - Agustin Marcarian - 3.jun.22/Reuters

No sábado (2), Cristina participou de outro ato, também em memória de Perón, e voltou a fazer críticas à política econômica argentina. Foi então que Guzmán, apadrinhado pela vice no início do governo e depois um desafeto em razão do acordo que costurou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), decidiu renunciar. A carta de demissão, com sete páginas, dá o tamanho do desgaste diante da briga dos chefes.

No domingo, uma reunião de mais de seis horas ocorreu na Casa Rosada, com a presença do chanceler Santiago Cafiero, aliado de Fernández que Cristina afastou do cargo de chefe de gabinete, e de Sergio Massa, líder da Câmara e o preferido da vice justamente para ser o chefe de gabinete, hoje Juan Manzur.

Uma questão, porém, travava o debate e a tomada de decisões: o presidente não queria consultar Cristina. Foi necessária a intervenção de Estela de Carlotto, presidente da Associação Avós da Praça de Maio e amiga de ambos os líderes, para convencer Fernández a telefonar para a vice. Depois de duas horas de deliberações, o nome que surgiu para substituir Guzmán foi o de Silvina Batakis, de perfil discreto, heterodoxa e ex-chefe da Economia na gestão de Daniel Scioli como governador de Buenos Aires.

Em 2015, quando Scioli se candidatou à Presidência, Batakis aparecia como a provável ministra da área. Até ser escolhida para liderar a economia argentina, trabalhava com o ministro do Interior, Wado de Pedro, braço direito de Cristina.

"As decisões sobre o futuro do país estão sendo tomadas entre pessoas que têm mais de 70% de rejeição popular", diz à Folha o analista Jorge Giacobbe, do instituto de pesquisas Giacobbe & Asociados. "Cristina tem 20% de apoio popular, Alberto, 15%, e Sergio Massa, 10%. Não há como sair uma boa solução para a crise de quem tem tamanha má leitura sobre o que está acontecendo."

O instituto Opina, em pesquisa divulgada nesta segunda (4), mostra que 69% dos argentinos dizem crer que a situação econômica do país estará pior nos próximos meses. O levantamento, porém, feito no final de junho, portanto antes da crise atual, não dá grande vantagem a nenhum líder opositor em especial.

A mais bem posicionada é a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich, com 22%. Horacio Rodríguez Larreta e Mauricio Macri aparecem com 17%, e Javier Milei, com 16%, justamente no momento em que o país inicia sua pré-campanha eleitoral. Há eleições para o Congresso e para a Presidência no ano que vem.

A insatisfação vem aumentando. A inflação já chega a quase 60% ao ano, o desemprego está em 12,1% e a diferença entre o dólar oficial e o chamado "blue" (clandestino) é de mais de 100%. Como o mercado usa o clandestino como base para realizar aumentos, não há como os salários acompanharem a inflação.

"Nós, como oposição, não estamos em posição de enfrentamento. Pedimos responsabilidade a esses dois adultos, o presidente e a vice, para que entendam os dramas das famílias que não chegam ao fim do mês. Estão parecendo mais os cantores do Pimpinela [duo famoso pelas canções que simulavam brigas de casais] do que os líderes da República", afirmou o ministro de governo de Buenos Aires, Jorge Macri.

A coalizão opositora Juntos por el Cambio, da qual ele faz parte, emitiu uma nota: "Exigimos à [aliança governista] Frente de Todos máxima responsabilidade institucional e seriedade democrática, interrupção imediata das brigas internas e máximo esforço para resolver os problemas dos argentinos".

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