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Ação militar reduz chance de China conquistar Taiwan via diplomacia

Demonstração de força após visita de Nancy Pelosi deve aumentar desconfiança dentro de Taiwan em relação a unificação

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Chris Buckley Amy Chang Chien John Liu
Pequim e Taipé | The New York Times

O espetáculo de 72 horas de mísseis, navios de guerra e caças a jato da China em torno de Taiwan foi projetado para criar um "firewall" —um alerta em chamas feito para a televisão contra o que Pequim considera um desafio cada vez mais insistente, apoiado por Washington, a suas reivindicações à ilha.

"Estamos mantendo um alto estado de alerta, prontos para a batalha o tempo todo, capazes de lutar a qualquer momento", declarou Zu Guanghong, capitão da Marinha chinesa em um vídeo do Exército Popular de Libertação sobre os exercícios militares que deveriam terminar no domingo (7), mas foram estendidos.

"Temos a determinação e a capacidade para montar um doloroso ataque direto contra qualquer invasor que queira destruir a unificação da pátria e não mostraremos misericórdia."

O porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin, durante entrevista coletiva em Pequim - Neol Celis - 8.ago.22/AFP

Mas mesmo que a exibição de poderio militar da China desencoraje outros políticos ocidentais a imitarem a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, que enfureceu Pequim ao visitar Taiwan, também reduz as esperanças chinesas de conquistar a ilha por meio de negociações. As táticas de choque de Pequim podem aprofundar o ceticismo em Taiwan de que possa algum dia chegar a um acordo pacífico e duradouro com o Partido Comunista Chinês, especialmente sob Xi Jinping como seu líder.

"Nada vai mudar depois dos exercícios militares; haverá um como esse e depois outro. Eles estão intimidando, como sempre", diz o pescador aposentado Li Wen-te, 63, na ilha de Liuqiu, a sudoeste de Taiwan, a menos de 10 quilômetros dos exercícios chineses. E acrescenta um ditado chinês: "Cavando fundo em solo macio", que significa "dê-lhes uma mão e eles vão querer um braço".

Xi agora mostrou que está disposto a usar uma isca militar intimidadora para tentar derrubar o que Pequim considera uma aliança perigosa da oposição taiwanesa com o apoio dos EUA. Exercícios militares chineses em seis zonas ao redor de Taiwan, que no domingo incluíram exercícios conjuntos aéreos e marítimos para aprimorar as capacidades de ataque aéreo de longo alcance, permitiram que os militares praticassem o bloqueio da ilha em caso de invasão.

Diante das pressões contínuas, as estratégias políticas que a China usou para atrair Taiwan para a unificação poderão ter ainda menos peso. Em épocas anteriores de melhores relações, Pequim apreciava os investimentos, produtos agrícolas e artistas de Taiwan.

O resultado pode ser o aprofundamento da desconfiança mútua que, segundo alguns especialistas, poderá, num extremo, levar Pequim e Washington a um conflito total. "Não é uma explosão que ocorrerá amanhã, mas eleva a probabilidade geral de crise, conflito ou mesmo guerra com os americanos por causa de Taiwan", diz Kevin Rudd, ex-primeiro-ministro australiano que já trabalhou como diplomata em Pequim.


Taiwan nunca foi governada pelo Partido Comunista, mas Pequim sustenta que é histórica e legalmente parte do território chinês. As forças nacionalistas chinesas que fugiram para Taiwan em 1949 depois de perder a guerra civil também afirmaram por muito tempo que a ilha fazia parte de uma China maior que eles haviam governado.

Mas desde que Taiwan emergiu como uma democracia na década de 1990, muitos de seus habitantes se consideram diferentes culturalmente e em termos de valores daqueles da República Popular da China. Essa desconfiança política em relação à China autoritária persistiu e até se aprofundou à medida que os laços econômicos de Taiwan com o continente se expandiram.

"A atração das políticas chinesas para Taiwan –incentivos econômicos– agora caiu ao seu ponto mais baixo desde o fim da Guerra Fria", diz Wu Jieh-min, cientista político da Academia Sinica, principal grupo de pesquisadores de Taiwan. "A carta que Pequim tem hoje é aumentar aos poucos as ameaças militares a Taiwan e continuar os preparativos para usar a força, até que um dia uma ofensiva militar em larga escala se torne uma opção favorável."


Desde o final da década de 1970, Deng Xiaoping e outros líderes chineses tentaram convencer Taiwan a aceitar a unificação sob uma estrutura de "um país, dois sistemas" que prometia autonomia em leis, religião, política econômica e outras áreas, desde que a ilha aceitasse a soberania chinesa.

Mas em uma Taipé cada vez mais democrática poucos se veem como futuros cidadãos chineses orgulhosos. O apoio às propostas de Pequim diminuiu ainda mais depois de 2020, quando a China impôs a repressão a Hong Kong, corroendo as liberdades prometidas à ex-colônia britânica sob sua própria versão do esquema.

Xi continuou prometendo a Taiwan um acordo de "um país, dois sistemas" e talvez volte a oferecer incentivos econômicos e políticos, se puder influenciar as eleições presidenciais na ilha no início de 2024. A atual presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, deve deixar o cargo após o término de seu segundo mandato naquele ano, e um potencial sucessor de seu Partido Democrático Progressista, que rejeita o princípio da "China unida" e favorece a independência, poderá ser mais combativo em relação a Pequim.

Nos anos após essa eleição, os líderes chineses provavelmente "vão querer mostrar alguns avanços substantivos em Taiwan, não necessariamente a unificação, mas alguns resultados", afirma Wang Hsin-hsien, professor na Universidade Nacional Chengchi, em Taipé. "Xi é o tipo de homem que recompensa a bondade, mas retribui a inimizade com vingança —e, quando se vinga, o faz em dobro."

Um enigma que paira sobre Taiwan é se Xi tem um cronograma em mente. Ele sugeriu que sua visão de transformação da China em uma potência global próspera, poderosa e completa depende da unificação com Taiwan. Esse "rejuvenescimento", disse ele, será alcançado em meados do século, por isso alguns veem esse momento como o limite máximo para suas ambições em Taiwan.

"Agora temos um pavio de 27 anos que pode ser de queima lenta ou rápida", diz Rudd, hoje presidente da Asia Society, referindo-se ao prazo de meados do século. "A hora para se preocupar é no início dos anos 2030, porque estaremos mais perto da zona de contagem regressiva para 2049, mas também no período de vida política de Xi."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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