Alerta contra extremismo dispara nos EUA após ataques de apoiadores de Trump

Parlamentares acionam redes sociais, e FBI afirma que maior ameaça vem de atores solitários

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Washington

"Cobri extremismo e ideologias violentas em todo o mundo ao longo da minha carreira. Nunca encontrei uma força política mais niilista, perigosa e desprezível do que o Partido Republicano de hoje. Nada perto disso", escreveu no Twitter na última semana um editor do jornal britânico Financial Times.

"Concordo. E eu fui diretor da CIA", respondeu, na quarta-feira (17), o general aposentado da Força Aérea Michael Hayden, que comandou a agência de inteligência do país entre 2006 e 2009 —indicado por um republicano, George W. Bush— e, antes, a Agência de Segurança Nacional, entre 1999 e 2005.

Há exagero na afirmação inicial, mas a réplica do militar, que chocou parte dos comentaristas de política dos EUA, dá o tom do momento de tensão política pelo qual o país passa.

Apoiadores de Donald Trump no entorno de prédio do Judiciário em West Palm Beach, onde tramita ação envolvendo as buscas do FBI em imóvel do ex-presidente
Apoiadores de Donald Trump no entorno de prédio do Judiciário em West Palm Beach, onde tramita ação envolvendo as buscas do FBI em imóvel do ex-presidente - Chandan Khanna - 18.ago.22/AFP

Por certo período pareceu que a apuração do ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 e a responsabilização dos invasores que tentaram roubar a eleição de Joe Biden tinham baixado a fervura de grupos radicais no país. Até que a inédita operação do FBI contra o ex-presidente Donald Trump no último dia 8 revirou as redes sociais, agitou extremistas e alarmou instituições americanas.

O episódio mais grave se deu três dias após a operação, quando um homem com um fuzil AR-15 tentou invadir um prédio do FBI em Cincinnati (Ohio), trocou tiros com agentes e foi perseguido até ser morto.

O agressor era um prolífico apoiador de Trump na Truth Social, rede social criada pelo ex-presidente, na qual o discurso contra instituições encontra eco. Mas outras plataformas, como Telegram e TikTok, também estão recheadas de chamados às armas.

Nesta sexta (19), o Twitter baniu da rede um candidato republicano nas primárias da Flórida que afirmou que seu projeto é literalmente permitir à população matar funcionários públicos. "Meu plano de governo é que todos os cidadãos da Flórida tenham permissão para atirar em agentes do FBI, da Receita Federal, do escritório de armas e de qualquer outra força federal à vista", escreveu Luis Miguel, que busca ser postulante a uma vaga na Câmara por um distrito no sudeste do estado.

Diante do aumento das ameaças, líderes de duas comissões na Câmara dos Representantes acionaram na sexta oito redes sociais, incluindo Twitter, TikTok e Facebook, além de sites de direita como Gettr, Rumble e o Truth de Trump, demandando "ação imediata" contra ameaças feitas a agentes federais.

Tamanho foi o alerta que se acendeu em Washington que a inteligência federal distribuiu às polícias de todo o país um memorando que dizia que "o FBI e o Departamento de Segurança Interna observaram um aumento de ameaças violentas publicadas em redes sociais contra agentes e prédios federais".

O documento relatou ameaças de bomba suja (arma radiológica que combina materiais radioativos e explosivos comuns) em frente à sede do FBI, além de "apelo geral por ‘guerra civil’ e ‘rebelião armada’".

Bruce E. Reinhart, o juiz que autorizou a operação, viu seu endereço se tornar público em sites de extrema direita, recebeu uma enxurrada de ameaças de morte e aumentou a escolta policial. A sinagoga que ele frequenta cancelou cerimônias após receber mensagens antissemitas.

Shannon Hiller, diretora-executiva da BDI (Bridging Divides Initiative), grupo ligado à Universidade de Princeton que monitora a violência política no país, afirma que o ataque ao FBI em Cincinnati mostrou que a retórica tem um custo na vida real.

"Espero que seja um ponto de alerta de que isso não é um jogo, realmente estão brincando com fogo. Se você fala sobre violência contra instituições, as pessoas vão levar isso a sério", diz. A BDI lançou guias de como baixar a tensão em conflitos, divididos por profissões e por estado.

No guia para pessoas que venham a trabalhar em eleições, há orientações para gravar qualquer ameaça, criar separações físicas de grupos que podem entrar em conflito e procurar se familiarizar com as leis locais sobre armas e milícias.

O guia também orienta indivíduos comuns: acalmar-se, ouvir o outro lado, reconhecer pontos válidos no discurso alheio e tentar responder na medida do possível são algumas das dicas. A última orientação vem em caixa alta: "Se o apaziguamento não está funcionando, 
PARE E PROCURE AJUDA".

Violência política não é exatamente uma novidade nos EUA, país que já enfrentou uma guerra civil após forças separatistas se levantarem contra as políticas antiescravidão do governo federal no século 19.

Mesmo antes da Guerra de Secessão o país teve o partido Know-Nothing ("sabe nada"), que se fez notável por mobilizar massas protestantes em atos violentos, sobretudo contra imigrantes católicos irlandeses e italianos mais inclinados ao Partido Democrata.

Mesmo o supremacismo branco do século 19 tinha forte componente partidário, lembra Rachel Kleinfeld, uma das principais especialistas do país em violência política, em artigo no Journal of Democracy.

"Políticos do Partido Democrata [que no século 19 tinha grupos pró-escravidão] usaram a retórica racial para amplificar a raiva e permitiram que a violência ocorresse, para convencer os brancos pobres de que compartilhavam mais em comum com os brancos ricos do que com os negros pobres, impedindo os partidos populistas e progressistas de unir brancos e negros pobres em uma única campanha", escreveu, acrescentando que linchamentos de negros aumentavam às portas de eleições em distritos competitivos.

Ataques internos também ameaçaram a segurança do país ao longo do século 20, inclusive com o assassinato do então presidente John Kennedy em 1963 e o atentado contra Ronald Reagan em 1981.

Mais recentemente, tornaram-se frequentes episódios que mostram que os EUA não estão livres da violência política. Em junho, por exemplo, o FBI prendeu um homem armado que admitiu o plano de matar o juiz conservador Brett Kavanaugh, da Suprema Corte, citando irritação com suas visões antiaborto e contrárias ao controle de armas.

Hoje, segundo comunicado da polícia federal, "a maior ameaça terrorista à pátria é representada por atores solitários ou pequenas células que normalmente se radicalizam na internet e procuram atacar alvos fáceis com armas facilmente acessíveis". Segundo a instituição, o número de investigações de extremistas nos EUA dobrou desde 2020, e o ataque ao Capitólio no ano passado levou a esforços sem precedentes no assunto, com a prisão de mais de 850 envolvidos.

Ciosos do risco de incentivar esses ataques, republicanos do alto escalão como Mike Pence —que foi vice de Trump e é inimigo dos trumpistas desde que se opôs à tentativa de evitar a posse de Biden em 2021— e Mike Pompeo, ex-secretário de Estado, foram a público pedir a apoiadores que concentrem sua raiva no comando da instituição, não em agentes na linha de frente.

"Você pode facilmente confrontar a liderança do FBI sem difamar essas pessoas [agentes comuns] que estão tentando manter nossas ruas seguras e nos manter a salvo do crime", disse Pompeo à Fox News.

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