Ameaça golpista de Bolsonaro põe em risco soberania do Brasil, diz analista

Para Sean Burges, presidente está 'desesperado' por apoio internacional

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São Paulo | Interesse Nacional

A reunião convocada pelo presidente Jair Bolsonaro com embaixadores para promover sua desconfiança em relação ao sistema eleitoral foi incapaz de convencer seus interlocutores da conspiração que o brasileiro diz existir. Para observadores internacionais, o sistema eleitoral brasileiro é um dos melhores que existem, e o encontro serviu apenas para mostrar ao mundo que o presidente está "desesperado e enlouquecido".

"Bolsonaro está desesperado por aprovação externa do que ele quer fazer", explicou Sean Burges, professor de relações internacionais na universidade de Carleton, no Canadá, em entrevista à Interesse Nacional. Segundo ele, enquanto governos passados focaram problemas internos e colheram o reconhecimento internacional pelos avanços do país, o atual fracassa no âmbito doméstico e busca apoio no exterior.

O presidente Jair Bolsonaro em sessão de promulgação de PEC no Congresso - Gabriela Biló - 14.jul.22/Folhapress

O maior problema, segundo Burges, é que ao defender uma auditoria militar nas eleições e ameaçar a democracia, ele arrisca levar o país ao colapso da cooperação internacional que garante a soberania do Brasil.

O que o sr. achou da apresentação de Bolsonaro a embaixadores? Uma das coisas que me impressionaram é que acho que ele realmente acredita em tudo o que diz. Eles estão encarando a questão do sistema eleitoral como uma questão de fé. E evidências não são relevantes em questões de fé.

E ele está conseguindo convencer mais alguém dessa crença dele na insegurança do sistema eleitoral brasileiro? Não, ninguém acredita. E a ironia disso é que, se você for a qualquer lugar envolvido em estudos eleitorais de qualquer forma séria e pedir para eles listarem os cinco principais países para se executar uma votação de forma mais próxima da perfeição, o Brasil vai estar nessa lista. A tecnologia que o Brasil usa é segura, clara, limpa. Bolsonaro apenas se mostrou desesperado e enlouquecido. Essa estratégia não vai funcionar.

E quanto isso afeta o posicionamento global do Brasil? É importante para o público doméstico. O ponto de inflexão assustador é que Bolsonaro quer que os militares façam uma auditoria, basicamente uma contagem paralela dos votos. E tenho certeza que há setores nas Forças Armadas muito próximos de Bolsonaro que acham que isso é uma ideia maravilhosa.

Se os generais entrarem nessa questão e fizerem o que Bolsonaro quer, pode haver problemas. Eles precisam lembrar que sua capacidade de proteger o Brasil é de fato altamente dependente das relações internacionais.

Se os militares intervierem, a primeira coisa que você verá é um colapso repentino da cooperação, especialmente com os Estados Unidos. Também veremos um provável colapso do programa de compra de caças, pois a Suécia também não vai tolerar isso. Acordos para compra de armas, negociação para que o Brasil tenha submarinos nucleares. Tudo vai ser interrompido. O treinamento conjunto, as missões conjuntas, as consultas conjuntas, tudo isso vai desaparecer muito rapidamente.

O sr. está falando dos militares, mas isso também é importante em termos de diplomacia. Qual o papel do Itamaraty nessa questão? Diplomatas fazem o que mandam eles fazerem. Os diplomatas respondem ao ministro das Relações Exteriores, que responde ao presidente. O Itamaraty não define a política externa do Brasil. É verdade que, como a burocracia encarregada de implementá-la, ele tem bastante peso em dar sugestões e ideias. Mas, quando um presidente diz o que deve ser feito, eles têm que fazer. A única alternativa é o pedido de demissão.

Mas eles também podem perder parcerias, como os militares? Quando você lida com diplomatas, há uma distinção clara entre o que o funcionário público está dizendo e o que o indivíduo está dizendo. E há um claro reconhecimento em todo o mundo de que agora não é um bom momento para interagir com o Brasil, pois um louco está no comando. A percepção é de que não há racionalidade ou razão, e a imprevisibilidade é muito alta. Os estrangeiros sabem que o Brasil está aí, e sabem quais são as capacidades do país, sabem da competência do Itamaraty, mas simplesmente não podem fazer nada por quatro anos.

Essas relações podem voltar ao normal no caso de termos outro presidente em 2023? Provavelmente, sim. É a mesma coisa que aconteceu com Trump. O mundo inteiro olhou para os EUA e viu quatro anos sendo jogados no lixo, mas as relações voltaram ao normal em seguida.

Mas os EUA perderam muita credibilidade internacional com Trump, e mesmo com Biden ainda há uma luta para convencer as pessoas de que algumas posições dos EUA são sérias agora. Sim, é verdade, mas parte disso se dá por conta de posições do Congresso. Não acho que haja problemas no que o próprio Biden fala ou sobre o que o Departamento de Estado de Biden quer fazer. O problema é a sua capacidade de fazer as coisas acontecerem, e essa é uma questão política estrutural interna.

É possível entender como o Brasil tinha conquistado essa percepção internacional e como isso mudou? No Brasil, sob Lula e FHC, o país focou em resolver as questões internas, sem dar atenção à opinião internacional. Bolsonaro não tem essa postura. Bolsonaro está desesperado por aprovação externa do que ele quer fazer. Não consigo pensar em nenhum outro presidente brasileiro que teria uma reunião daquele tipo.

É curioso o sr. dizer que FHC e Lula estavam focados em questões internas do Brasil, pois eles receberam aplausos externos pelo que estavam fazendo. Ao mesmo tempo, Bolsonaro tenta obter essa aprovação, mas vê a imagem do país se deteriorar... FHC e Lula conseguiram aprovação internacional porque estavam enfrentando os grandes desafios do país e tendo sucesso. FHC controlou a inflação, administrou o que poderia ter sido uma desvalorização catastrófica do real, tirou um número enorme de pessoas da pobreza e deu a estrutura fiscal para o próximo presidente fazer coisas incríveis. Lula entrou e renomeou, reembalou e mudou a marca dos programas de transferência criados por FHC e ampliou seu alcance. A aprovação veio dos sucessos que estavam acontecendo com políticas internas concretas.

Então, se olharmos para o que Bolsonaro fez: falha total na luta contra a Covid-19, as taxas de pobreza estão subindo, nada aconteceu em termos de investimentos substanciais em infraestrutura e políticas econômicas. Ele não fez nada de relevante.

Qual é sua expectativa para os próximos meses no Brasil? É claro que Bolsonaro vai rejeitar o resultado das urnas, se perder. O Brasil vai enfrentar uma jornada difícil. Não parece haver uma tendência histórica no Brasil de as pessoas se matarem com violência política. E eu acho que essa é a questão realmente preocupante hoje.

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